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Kiko Loureiro: Um guitarrista daqui e de todo lugar (Parte II)

Resenha - No Gravity - Kiko Loureiro

Por Rodrigo Contrera
Postado em 31 de agosto de 2016

Continuo minha resenha do primeiro CD do Kiko Loureiro, e já entro pegando "Pau De Arara", a quinta faixa, muito regionalista - pero no tanto. E para lhes dizer em que medida essa faixa me "pega" preciso fazer um excurso pessoal.

Enquanto isso, "Pau de Arara" está aqui:

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No final de meu curso de Filosofia, e após ler alguma coisa dos clássicos do pensamento social brasileiro, eu tinha uma vontade muito grande de descobrir em que medida meu nascimento, no Chile, minha criação lá até os 9 anos de idade, e minha relutância em assumir uma nova cultura (a brasileira) tinham a ver com a história do continente, com a história das pessoas que foram importantes em minha história familiar, em suma, com minha posição na imigração que a família fez e com os valores e minha visão a respeito dela. Ocorre que os cursos, aqui no Brasil, mal tratam da América Latina como um todo, eu muito dificilmente fui conseguindo (na época) livros que pudessem tratar da história que eu vivi e vivia de forma a eu me identificar com o que estava lendo. Nem os filmes chegavam a tanto - e olhem que tirei cópia dos mais importantes, que me esclareceram bastante a respeito. Em suma, eu teria que viajar.

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Viajei com minha então esposa ao Uruguai, Argentina, Peru e Equador. Ao Chile, eu havia viajado em 1988, na ocasião do plebiscito, e quase fui pego pela polícia do Pinochet, pois eu ainda era chileno. Fui numa caravana pelos direitos humanos, mas me afastei dela a tempo e consegui ultrapassar a fronteira. Lá estando, entrevistei alguns especialistas sobre a conjuntura, visitei meus parentes, com quem fiquei algum tempo, e conheci algo mais Santiago e Melipilla, onde ficava a empresa de um dos meus tios (uma pequena madeireira). Mas essa viagem foi feita muito rapidamente, e pouco pude auferir dela, a não ser a convicção de que eu não queria permanecer chileno, mas que queria virar brasileiro. Nessa época, a ditaduta militar brasileira estava caindo fora, e logo Collor assumiria, para vergonha posterior de todos nós. Mas, para que eu fosse jornalista, eu também precisava me naturalizar, o que fiz em 1992.

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Nas minhas visitas (com minha esposa) a tais países, eu pude desta vez investigar bastante coisa. E, no campo da música, pude comprar um charango na cidade de Otavalo, no Equador, onde fiquei amigo do vendedor (que depois veio até o Brasil para tocar e vender seus instrumentos). Mas na época eu era todo fissurado pelo rock neoclássico, e não via a hora de ver aqueles instrumentos eletrificados - o que não consegui fazer -, ver aquela sensibilidade com som em maior profusão, e mais, com maior força, pujança. Mas eis que lá um sujeito que me ajudava a escolher os CDs de música hispânica me disse que o rock era música do diabo. Era a convicção dele, claro, e eu nem retruquei. Mas entendi como iria ser difícil compatibilizar esse tipo de música nacional ou regional com a distorção da guitarra elétrica e com a pujança do rock levado às últimas consequências. Digo-lhes também que eu conhecia bastante sobre samba e música regional, e imaginava também algo nesse sentido, embora somente um Dodô do trio elétrico Dodô e Osmar fizesse algo que me atraía - embora pouco.

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Mas agora então volto à faixa "Pau de Arara", do Kiko Loureiro. Qual não foi minha atual surpresa ao reparar que ele consegue unir ambas as pontas. Mas é estranho, porque ocorre tão tarde em minha vida que eu só tenho que recapitular minha trajetória e reparar naquilo em que realmente eu vislumbrava com meu desejo. E que raiva de não ter ouvido esse cara antes! E que pena!

Mas vamos à faixa. Ele começa com uns acordes bem característicos em viola caipira, pelo que dá para notar. E parece ficar nisso, até o momento em que a bateria anuncia que lá vem um rock. Mas que rock? Ou rock aparentando ser caipira ou com recursos de rock e de tradição caipira? Eu confesso que não sei. O rock, desse jeito, é forte e gostoso de ouvir, e parece mudar aos poucos rumo a uma sensibilidade que se propõe urbana e rural. Confesso que da primeira vez que o ouvi, não acreditei. Era bem aquilo que eu imaginava, em compartilhar a tradição com o rock pauleira, e até bem mais do que eu imaginava. Claro que, quando eu buscava outro som, eu buscava fazer isso eu mesmo. Não queria deixar para ninguém. E o que eu buscava não era essencialmente isso, mas algo que me conectasse às MINHAS raízes, não a uma eventual experiência em Pau de Arara, que até é possível enxergar claramente em meio às notas, gente subindo no caminhão e tentando encontrar uma vida melhor. Pois essa não era minha realidade. Minha realidade era aquela antiga, com a qual eu queria manter um contato ou mesmo retomar o contato.

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Pois acontece que Kiko, nessa faixa, meio que consegue expressar o que eu queria, transmutando em algo recente, um rock, algo que remetia às minhas origens, ou a origens rurais de minha mãe, ou mesmo a outros momentos, que eu não mais vivenciava. Porque sempre eu quis e lutei por conseguir viver os meus dias de hoje como dias de hoje, não como recordações. Ocorre que algo havia ficado solto, uma ponta havia se soltado, que eu queria retomar, e não conseguia. Pois as viagens a todos aqueles países não conseguiram o intento, embora eu tivesse acumulado uma boa biblioteca bastante original. O que acontecia, em suma, ao menos naquela época, era que eu queria VIVER a sensação da retomada por meio da música, e não conseguira. Já Kiko, aqui, quase consegue. É animador ver como ele não se restringiu ao meio que todos nós conhecemos do rock e do heavy metal, e como ele transportou uma mensagem para sua obra. É bonito de ver. E só por isso já merecia esta segunda parte de resenha do CD.

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Mas continuo, confessando que essas memórias me fazem sofrer bastante, lembrar dela, de nossas viagens, dos momentos por que passamos juntos, de minha inapetência social, assim como de minhas inevitáveis limitações, enquanto uma pessoa formalmente doente (eu era e ainda sou esquizofrênico paranoico). Mas como aqui a questão é comentar o CD, e como as sensações aparentemente podem ir para outras direções, eu posso também até me acalmar.

Ocorre que em "Pau de Arara" a coisa só "piora" (ou seja, melhora). E me lembro de minha energia quando jovem (não que eu esteja propriamente acabado, ok), e me lembro também POR QUE eu queria que as melodias em instrumentos indígenas fossem eletrificadas. E recordo que eu queria uma espécie de SHOW mesmo, uma espécie de jogada PARA FORA de alguma energia que eu tinha. Quando eu não sabia que aqueles povos eram contemplativos, e que essa deve ser justamente a principal dificuldade - superada pelo Kiko - para passar de uma energia a outra: o fato de que as músicas rurais, em sua maioria, são músicas de reflexão, de acomodação, de contemplação, ou seja, são músicas para dentro, para algo a ser curtido interiormente, enquanto o rock, não, o rock é para fora, para comunicar uma mensagem à sociedade, ou que seja, para curtir com os amigos, de forma bastante atabalhoada, como uma festa. Nesta música, ainda, a energia é para fora, e só para fora - mesmo. Mas também pensemos: a música não trata do instrumento de tortura - o pau de arara -, mas da oportunidade de andar de pau de arara em caminhão, ou seja, de algo que é para curtir, e não tanto para refletir. Nesse sentido, também, a música faz todo o sentido mesmo. Uma coisa pessoal, porém, é como todo esse elenco de vôos para mim por parte do Kiko, chega num determinado momento, me parecem excessivos. Será a idade?

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Daí vem uma espécie de achado em francês: La force de L'âme, a força da alma. Eu fiz francês, caso alguns não saibam, mas acho realmente uma frescura quando latino-americanos como nós usam essa língua tentando nos fazer acreditar que só ela pode dizer algumas coisas. Que ela é linda de ouvir e difícil de falar - e ainda mais, de escrever -, isso é óbvio. Mas daí a achar que ela pode aparentar algo superior, é outra coisa. Mas a faixa começa bem, tranquila, e depois, quando realmente "pega", assume de verdade um jeito agradável, de diálogo conosco, meio que nos fazendo entrar em sua jogada, qual seja, refletir sobre a chamada alma, da qual até há pouco eu nem parecia ter sequer imagem. Mas hoje tenho, e realmente a música nos passa algo de dramático que envolve o assunto - ainda mais para mim, com tanto a superar -, e a toda pessoa que eventualmente consegue considerar existirem âmbitos maiores do que os nossos - que existem. Se bem que por alguns momentos Kiko parece se perder um pouco - com solos meio mal ajambrados. Mas é uma bonita faixa, que remete a algo de Joe Satriani, inclusive.

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E, como todo guitarrista que se preze, ele tem que ter experimentos em seus CDs, e neste caso é esta seguinte, a faixa "Tapping into my dark Tranquility", referindo-se, muito claramente, ao fato de ele bater de leve na guitarra, e de a faixa se passar entre esses sons, remetendo a outra faixa do Joe (algum dia me lembro e mando aqui como referência). São apenas 2min e 12segundos bem descompromissados, e tranquilos, antes de chegar a nova porrada. Que é "Moment of Truth", e que não poderia deixar de ser uma porrada, até pelo nome bastante assertivo. Aqui Kiko meio que cai no mesmo, refletindo como ele aprendeu a jogada de um Joe, que bola pequenas células melódicas para conduzir uma música inteira, numa guitarra bastante distorcida, e bem conduzida. Pois a faixa é claramente inspirada nele, em seu trabalho, o do Joe, e nisso Kiko não inova, traduzindo apenas sua competência de instrumentista de forma já bastante tradicional. Não é desagradável ouvir a faixa, claro, nem a gente sente tanto a vontade de interrompê-la - mas não acrescenta na proposta a que ele parece haver se proposto. Só gostaria na verdade que ele as terminasse, pois todas elas parecem recair nesse ponto de irem até o infinito.

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Mas o Kiko continua com sua "In a Gentle Way", uma música que engana pouco, porque começa como o título indica mas depois se transforma e vira mais uma prateleira dos recursos do guitarrista. O mesmo também acontece, de alguma forma, em "Dilemma", faixa a seguir, extremamente rápida, que a gente ser, no fundo, apenas mais uma oportunidade para o guitarrista mostrar sua capacidade - que ele prova. Algo diferente, porém, vemos em "Feliz Desilusão", faixa seguinte, em que a questão parece mais refletir uma calma interna, e expressar alguma impressão sobre o que se diz. Interessante notar, neste momento do CD - estamos quase terminando -, como Kiko deixa ainda espaço para as dúvidas na primeira faixa citada neste parágrafo, como exagera (talvez propositadamente) na carga dramática da segunda, "Dilemma", e como ele descansa calmamente nos significados possíveis na terceira, a "Feliz Desilusão". É como se ele ainda não tivesse encontrado o sentido exato, e como dizê-lo, e como se ainda estivesse tateando. Pelo menos é a impressão que me cabe. Claro que tecnicamente não tenho absolutamente nada a dizer.

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E eis que ele termina com algo eminentemente brasileiro, que remete claramente a clássicos da MPB, mas que dialoga sobremaneira conosco, mostrando como ele acompanha ambos os mundos: o de fora e o daqui. Sem escolher por um. Nem precisa.

Espero que tenham gostado.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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