Legião Urbana: Um dos mais belos discos do rock nacional
Resenha - Dois - Legião Urbana
Por Janison Caetano da Silva
Postado em 26 de dezembro de 2014
Nota: 8
Dentre alguns artistas que já tive a oportunidade de ouvir a discografia completa ou pelo menos uma parte dela eu percebo que o segundo álbum geralmente é aquele que a característica principal do artista/banda se molda, é como se o álbum debutante fosse uma espécie de laboratório onde o artista/banda ainda estão fazendo experimentações somente para então no segundo disco criarem uma característica que marcará a sonoridade e o teor lírico ao longo da carreira. E é o que acontece nesse caso específico com esse grande álbum da Legião Urbana.
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Eu costumo dizer que se você quer conhecer o som da banda e principalmente o teor lírico e filosófico do grupo é necessário que se escute esse disco que começa com a faixa " Daniel na cova dos leões " cujo o ponto forte são as melodias da linha vocal, é aquele tipo de música bem chiclete que gruda na cabeça depois de duas audições. O teor lírico que é o ponto alto do disco e em geral das letras de Renato Russo nessa faixa fica meio de lado, já que não é um texto digamos filosófico ou extremamente profundo, mas que funciona muito bem como faixa de abertura.
Na sequência temos uma das mais pop da banda de toda a carreira que é a faixa "Quase sem querer" que é tão grudenta quanto a primeira mas que já possui um texto mais rico, basta ouvir frases do tipo: "... como um anjo caído fiz questão de esquecer que mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira / mas não sou mais tão criança a ponto de saber tudo" ou então: "sei que ás vezes uso palavras repetidas mas quais são as palavras que nunca são ditas? / me disseram que você estava chorando e foi então que percebi como lhe quero tanto".
A próxima é uma obra prima do grupo e uma das letras mais inspiradas do Renato que é a faixa "Acrilic on Canvas" que significa basicamente "Acrílico sobre tela" que trocando em miúdos é uma referência a uma técnica de pintura (óleo sobre tela). A faixa fala de uma pessoa que sente saudades de um amor antigo e que para recordar a pessoa amada faz pinturas da mesma, os trechos da letra mostram isso claramente: "É saudade então e mais uma vez de você fiz o desenho mais perfeito que se fez..." ....."trabalhei você em luz e sombra"........" preparei a minha tela com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar/ a armação fiz com madeira da janela do seu quarto do portão da sua casa fiz paleta e cavalete/ e com as lágrimas que não ficaram com você destilei óleo de linhaça..." e por aí vai....Uma coisa que chama a atenção no começo da música é um arranjo de guitarra que dá a sensação de um pincel estar sendo deslizado sobre a tela ou como se um pote de tinta estivesse sendo derramado sobre uma, é muito interessante esse arranjo, é um casamento perfeito entre a letra e o instrumental, uma das mais belas faixas do álbum.
A próxima é "Eduardo e Mônica" outro clássico absoluto da banda e que dispensa muitos comentários, em resumo é uma obra de arte que conta a história de um relacionamento entre duas pessoas que são completamente diferentes entre si, no entanto entre mortos e feridos os dois acabam se casando e tendo filhos mesmo com todos os fatores contrários a relação, excelente música.
"Central do Brasil" é a que vem na cola de "Eduardo e Mônica" e é instrumental, é uma música simples e não dá pra esperar muito de faixas instrumentais vindas da Legião, já que o grupo era tecnicamente limitado, e isso quem diz não sou eu ou um expert no assunto, era o próprio Renato que dizia isso, mas como essa faixa está em um álbum pra lá de inspirado ela ganha um pouco mais de relevância, é como se as demais faixas ajudassem a empurrá-la enquanto que se ela estivesse contida em um álbum menos inspirado ela provavelmente seria considerada um peso morto no disco.
"Tempo perdido" vem pra acordar o ouvinte depois da faixa anterior, é uma daquelas músicas grudentas também mas que tem uma letra muito, muito bela. Ela fala basicamente da juventude, do tempo que escorre nas mãos, do que ficou pra trás, do que ainda pode vir, é uma faixa muito reflexiva e lacônica, as frases que mais me chamam a atenção são as seguintes: "veja o sol dessa manhã tão cinza a tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos" ......."nosso suor sagrado é bem mais belo que esse sangue amargo". Essa música me parece ser a cara do disco, como se ela fosse a representante tanto da sonoridade quanto da parte lírica do álbum, não à toa que é outro clássico absoluto da banda e sempre será.
A próxima é "Metrópole" um Rock bem pesado para os padrões da Legião, com guitarras distorcidas e com um texto que narra o cotidiano de uma repartição pública (um hospital sendo mais específico) um acidente que acontece, curiosos se aglomerando para ver a tragédia, a imprensa noticiando o sensacionalismo, a burocracia no atendimento ao público etc. Ela faz jus ao nome da banda pois é algo pontualmente urbano os fatos narrados com maestria por Renato, outras tantas músicas possuem essa mesma característica na discografia da banda, não a toa o nome da banda ser o que é!!
A oitava faixa é "Plantas embaixo do Aquário" que junto com a instrumental " Central do Brasil" também me parece ser uma das menos inspiradas do disco, a letra fala em superar os desafios, sair do marasmo, em superar seus males interiores, em não deixar que isso cause um revolta e não provocar uma guerra por causa das suas guerras interiores, haja vista o refrão que diz: "Não deixe a guerra começar" que é repetida várias e várias vezes ao longo da canção.
"Música Urbana II" figura no panteão das mais relevantes do disco, é um blues tradicional (instrumentalmente falando) e com uma letra pra lá de inspirada, fala de várias situações urbanas vividas pela população das grandes cidades, eis alguns trechos da letra: "Em cima dos telhados nas antenas de tv tocam música urbana / nas ruas os mendigos com esparadrapos podres contam música urbana"......"os pms armados e as tropas de choque vomitam música urbana.......nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana"........"favelas, coberturas quase todos os lugares / e mais uma criança nasceu" O gênero escolhido pela banda para contracenar com a letra não poderia ser diferente, o blues por si só já nasceu das dores dos escravos negros americanos e ele casa perfeitamente aqui com o texto de Renato, eis aí um petardo na discografia da banda.
A seguir, na minha opinião a música mais bela da discografia do grupo: "Andrea Doria". A melancolia reina absoluta tanto através do instrumental com várias linhas de violão e guitarra interagindo em perfeita harmonia quanto a letra que fala de saudade e de seguir em frente com os cacos que restaram e que devem ser colados, sou suspeito para falar dessa canção que sempre me surpreende quando a ouço, a frase que mais me chama a atenção é esta: "Nada mais vai me ferir ao que eu já me acostumei com a estrada errada que eu segui com a minha própria lei / tenho o que ficou e tenho sorte até demais como sei que tens também".
"Fábrica" é a penúltima faixa e é um "rockão" também assim como "Metrópole" , no entanto a letra é mais interessante e é quase como um protesto contra a repressão de quem tem muito (os empresários aqui representados como sendo donos de fábricas) contra os proletários trabalhadores dessas fábricas, o trecho que resume a letra talvez seja esse: "Deve haver algum lugar onde o mais forte não consegue escravizar quem não tem chance" é um belo tema socialista que é desconhecido e ignorado pelos mesmos, já que os socialistas em geral conhecem muito mais a arte emanada do povo e cujas as raízes estão fincadas nela, dessa forma o samba, o rap, o maracatú, o forró são mais conhecidos do que o rock que não deixa de ter temas relacionados ao tema da injustiça social.
Pra fechar com chave de ouro a clássica não mais que clássica "Índios" que nove entre dez fãs da Legião consideram a letra mais inspirada da carreira da banda, ops......acabei de lembrar de "Faroeste Caboclo" mas agora já foi....
A letra é filosofia pura, e quando estamos diante de uma canção assim qualquer coisa que se diga pode ser pouco, ou pode se gerar um descontentamento enorme por parte dos fãs mais fervorosos que não concordam com seu ponto de vista em relação a canção, então vou citar somente uma frase que no meu parecer resume a ideia toda da letra: "Quem me dera ao menos uma vez que o mais simples fosse visto como o mais importante mas nos deram espelhos e vimos um mundo doente"
Pra quem quer conhecer a banda esse é o disco, por conter tanto nas letras quanto na parte instrumental os aspectos que permeiam todos os demais álbuns da banda, e além do mais é um dos mais belos da história do rock nacional, boa audição!!
Track-list
1-Daniel na Cova dos Leões
2-Quase sem querer
3-Acrillic on Canvas
4-Eduardo e Mônica
5-Central do Brasil
6-Tempo perdido
7-Metrópole
8-Plantas Embaixo do Aquário
9-Música Urbana II
10-Andrea Doria
11-Fábrica
12-Índios
Gravadora: EMI
Site oficial:
http://www.legiaourbana.com.br/
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