A noite em que a Banda 365 provou que o punk brasileiro segue vivo e urgente
Resenha - 365 (Asteroid, Sorocaba, 24/05/2025)
Por Flávia Pais da Silva
Postado em 03 de junho de 2025
Ainda estou com os ecos do sábado reverberando em mim — e duvido que alguém presente no Asteroid, em Sorocaba/SP, tenha saído indiferente. O que se viveu na noite de 24 de maio de 2025 foi muito mais do que uma apresentação: foi um ritual coletivo de memória, resistência e afirmação artística. Assistir à Banda 365 ao vivo é como testemunhar a própria alma do rock nacional amadurecida, sem perder a contundência de quem sempre teve algo a dizer — e segue dizendo com ainda mais propriedade.
MATURIDADE COM RAÍZES PROFUNDAS NO UNDERGROUND
Há bandas que envelhecem tentando parecer jovens. A 365 faz o oposto — e acerta em cheio. Com mais de quatro décadas de estrada, o grupo sobe ao palco com a segurança de quem já enfrentou a indústria, os modismos e os silêncios forçados. E venceu.

Miro de Melo, no vocal, é a encarnação dessa maturidade pulsante. Sua presença em cena é intensa e sensível, e a forma como conduz o público vai além do carisma: é comunhão. Miro não canta apenas com a voz, mas com o corpo, o olhar, a história.

Ao seu lado, Ari Baltazar nas guitarras entrega riffs cortantes e cheios de identidade — cada nota parece pensada, mas explode com naturalidade. MN Junior, no baixo, traz consistência e profundidade sonora, costurando as faixas com precisão. E Edgar Avian, na bateria, é um motor incansável que alia técnica à energia crua que o punk exige. Um quarteto entrosado, respeitoso com sua trajetória e comprometido com o que representa.

UMA NARRATIVA DE LUTA, URBANIDADE E BELEZA CRUA
A noite começou com "Só Armas" e "Nunca Mais", duas faixas que já ditaram o clima: direto, forte, engajado. O público, majoritariamente composto por fãs de longa data — mas também jovens curiosos por conhecer a essência de um dos ícones do punk nacional —, respondeu com empolgação desde os primeiros acordes.
Em "Por Quanto Tempo" e "Berço Esplêndido", senti o peso das letras ressoando como crônicas do Brasil profundo. Canções que falam de um país que ainda busca se entender, com versos que tocam na ferida com inteligência e sem panfletarismo.
"Serei Eu De Novo" e "Cegos Movimentos" formaram um trecho mais introspectivo, mas não menos poderoso. E então veio a dobradinha que fez o Asteroid vibrar: "Você Terá / São Paulo". Impossível conter a emoção. Em "São Paulo", a cidade inteira pareceu se levantar diante de nós — seus becos, seus sonhos partidos, seus gritos. Houve quem chorasse. Houve quem cantasse cada verso com os punhos cerrados. Eu mesma fiquei arrepiada.

UMA PAUSA COM HISTÓRIA: TRIBUTO AO CLASH
Durante o intervalo, a banda preparou o palco para um tributo que foi muito mais que homenagem — foi o contexto. Ao executar "London Calling", do The Clash, a 365 reforçou sua filiação espiritual àquilo que o punk tem de mais autêntico: não apenas o som, mas a crítica, a atitude e a coerência. O público respondeu com entusiasmo e respeito. Era como assistir a dois tempos distintos dialogando através dos amplificadores.
DO HORIZONTE À MILITÂNCIA: O SEGUNDO ATO DA NOITE
No retorno, a sequência com "Way of Life", "Canções do Mar" e "Futuro" mostrou um lado mais poético, mas ainda combativo. Há, nessas faixas, uma busca por sentido em meio ao caos — como quem tenta encontrar poesia nos escombros de uma cidade que arde, mas resiste. A performance foi mais contida nesse trecho, mas não menos vibrante. Miro, aliás, soube dosar voz e emoção com impressionante domínio de palco.

A reta final, com "Fúria" e "Canção Pra Marchar", foi como uma marcha de protesto conduzida por guitarras e tambores. O público, já tomado pelo clima, acompanhava cada batida como se fossem bandeiras agitadas no vento.
UM FECHAMENTO EMOCIONANTE: "GRÂNDOLA, VILA MORENA"
E então, como um gesto de encerramento simbólico e impactante, veio a interpretação de "Grândola, Vila Morena". Foi um momento de arrepio coletivo. A canção — eternizada como hino da Revolução dos Cravos — ganhou uma nova roupagem sem perder sua essência. A versão da 365 foi respeitosa, forte, com peso e densidade emocional. Silêncio reverente na plateia, seguido de uma ovação que pareceu não ter fim.

O PRESENTE E O FUTURO DE MÃOS DADAS
O show da Banda 365 não foi apenas um reencontro com os clássicos — foi uma reafirmação de que a arte pode envelhecer com integridade, sem abrir mão do conteúdo, da identidade, da verdade. O punk que nasce da 365 não é fossilizado: é vivo, reflexivo e ainda necessário.
Sorocaba viveu, no último sábado, algo raro e valioso: um show que nos lembra quem fomos, quem somos — e quem ainda podemos ser. Que essa trajetória siga em frente, com ainda mais histórias, mais acordes, mais verdades. Vida longa à 365! Viva o rock de verdade!

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