Opinião em transe: O Maracatu, a Nação e os 30 anos de Da Lama ao Caos
Resenha - Nação Zumbi (Bar Opinião, Porto Alegre, 13/02/2025)
Por Dan Cristoff
Postado em 02 de março de 2025
O tambor dobrado do Maracatu de baque virado anunciou a entrada de "Monólogo ao pé do ouvido". Logo depois, Jorge Du Peixe iniciava, "Modernizar o passado. É uma evolução musical. Cadê as notas que estavam aqui. Não preciso delas! Basta deixar tudo soando bem aos ouvidos". Uma invocação ao velho amigo, Chico Science e sua ode à leitura de notas e partituras formal, mas seu amor pela música que flui e conversa com o povo. Eu estava a dois metros de Jorge, Dengue e o ressoante baixo desse último. Integrantes da Nação original, junto com o gigante da percussão (e pura simpatia) Toca Ogan.
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Meu falecido avô materno era natural de São Lourenço da Mata, município limítrofe a Recife. Daí a minha ligação umbilical com essa banda seminal brasileira, além de ter me criado na década de 90, quando o Manguebeat chutou a mesmice do "Rock Brasileiro".
A Nação, em um show de encher os olhos, entregou seu álbum de estreia "Da Lama ao Caos" na íntegra. Um álbum antológico, que misturou baixo, guitarra, distorções e bateria ao já referido Maracatu de baque virado, com o Maracatu de baque solto (ou rural), lá da Zona da Mata, onde o Caboclo ergue a sua lança e seus chocalhos carregados. E ele de fato o fez, quando o mestre Maciel Salu, da escola do Mestre Salustiano, envergou o seu violino psicodélico, em "Salustiano Song", pondo em transe a gauchada que compareceu em peso no Bar Opinião, na lendária Cidade Baixa. A incrível poesia regionalista foi um dos momentos líricos do show e de pura consciência social, somada ao chapéu coco de palha, colocado em um pedestal – anunciado por Jorge como "Isso aqui é, por si, representativo".
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E por falar em algo lindo, quando "Risoflora" entrou, olhei para um casal, ao meu lado. Cantavam emocionados cada parte da letra. Uma letra de amor, escrita por Chico.
Mas o show da Nação também foi de suor e roda punk. Posso estar errado, mas contei cinco, durante todo o show. Entrei em duas. Logo que a primeira se formou, dorsos nus fizeram um círculo. Um círculo formado por gurias e guris, mas, também, por gente de cabelo e barba grisalha – incluo-me nessa última. Uma falange democrática, suada, cujas tatuagens declaravam todo o vigor tribal que a Nação solicita.
Você já entrou em uma roda punk, em um show de Rock? É espiritual...
Entre uma e outra, voltava para o lado do meu irmão, onde era possível pedir um gole da gelada que o Jorge Du Peixe vira e mexe bebericava. Dali, vi ele coordenando os avanços dos tambores para frente do palco e depois retornando ao seu lugar fixado. Dali, gritei para o Jorge, quando do bis: "Blunt of Judah", canção do álbum homônimo de 2002. Foi legal a reação dele e do Dengue, do tipo, dois passos para trás e "Opa, hoje não, mano".
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No bis, que Jorge anunciou, direto e reto, que iriam mandar ser mi-mi-mi de ir e voltar para o palco, logo que encerraram todas as músicas de "Lama ao Caos", diversos clássicos da Nação, como "Manguetown", "Meu Maracatu Pesa uma Tonelada" e, claro, "Maracatu Atômico", que só foi para o segundo álbum, "Afrociberdelia", em razão do produtor, pois precisavam de um hit. De todas, para mim, "Quando a Maré Encher" me tomou de nostalgia, lembrando da apresentação da Nação com a imortal Cássia Eller (saudade, garota) e, por aí, você percebe quantos artistas importantes os mangueboys influenciaram.
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Quando tudo acabou, as luzes se acenderam e as portas de saída do Bar Opinião se abriram, fiquei olhando abestalhado para todos a minha volta. Todos suados, como eu. Com o coração saindo pela garganta. Todos ainda em transe.
Muita gurizada, o que me deixou feliz.
Uma prova que as alfaias da Nação ecoam até hoje.
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