Resenha do Armageddon Fest, de Joinville
Resenha - Armageddon Fest (Joinville, 18/11/2023)
Por Fagner Ramos
Postado em 28 de novembro de 2023
O Brasil pipoca em festivais destinados a diversos estilos e tem para tudo que é gosto, vertente, gênero, idade e estilo. A massificação deste formato já é realidade, e poucos vão sobreviver ao tempo e tornar-se relevantes para o público. Abril pro Rock, Coquetel Molotov, Do Sol, Goiânia Noise, são alguns dos festivais que mantêm essa aura e respeito. O Armageddon Fest, pelo estilo de música e pela seriedade dos organizadores, têm tudo para entrar nesse hall, o fã só precisa comprar mais a ideia.
O Festival ocorreu no sábado, 18/11/2023, em Joinville, e trouxe mais de 10 artistas da cena metal nacional e internacional. Bandas do underground como Surra e Desalmado, nomes consagrados da cena como os dinossauros do Dorsal Atlântica e Angra, os ativistas e sensações do momento, o Black Pantera, e a norueguesa Abbath, fizeram do festival, um dos maiores do país no gênero.
Iniciando os trabalhos pontualmente às 14:00, o evento começou com algumas bandas locais, dentre elas o Panaceia, fazendo um bom show. Depois vieram os mineiros do Uganga, com mais de 30 anos na bagagem, e com o vocalista Manu Joker, antigo baterista do Sarcófago na condução da banda. Fizeram um show com letras em português, levantando o pequeno público que ainda chegava ao local.
O Amem Corner, banda curitibana de Black Metal, entrou no palco carregando seus mais de 30 anos de dedicação ao metal extremo, e fez um show, conciso, caracterizado com as indumentárias do heavy metal, com direito a corpse paint do vocalista Sucoth Benoth. Agradou parte do público, que revezava entre ver o show dos curitibanos, e percorrer o espaço atrás dos merchans das bandas.
Duas bandas do underground paulista, o Desalmado de SP e o Surra de Santos, fizeram apresentações em sequência, iniciando no local as primeiras aglomerações e rodas de pogo. Com setlists curtos, mas certeiros e com mensagens antifascistas, foram enfileirando o thrash death punk metal acostumados a fazer pelos rincões deste país.
Tudo certo para dar errado
Na sequência veio a apresentação do Pompeu, vocalista e líder de uma das bandas mais importantes do Brasil, o Korzus. Porém, nessa noite, ele estava solo. A banda de Pompeu começou tocando We Will Rock You do Queen, um prenúncio de que alguma coisa errada estava acontecendo.
O pior estava por vir. Na sequência tocaram Judas Priest, uma cover do Pantera, banda que já não faz tanto a cabeça dos headbangers por motivos óbvios, uma cover de rap, e até um auto cover. Finalizou tocando uma versão de "Enter Sandman", estragando o clássico do Metallica.
Produzir é resistir
Antes de comentar as demais apresentações, vale ressaltar a infra e organização do evento. Em uma entrevista recente com Fernando Zimmermann, criador do festival, realizar um evento de metal, ainda em Joinville, fora do eixo de shows no Brasil, é um desafio e tanto. Logísticas, preços abusivos, técnica e adesão do público, fazem qualquer produtor pensar dez vezes antes de arriscar nesta empreitada.
"Os esforços são vários, não adianta você somente querer e ter dinheiro, você precisa de pessoas, parcerias honestas ao seu redor para que tudo funcione, mas nunca é perfeito, o meio underground e médio porte existem muitas pessoas que não são profissionais, isso acaba atingindo na totalidade. Você precisa ter bons relacionamentos com os escritórios de todo o mundo, pois não é tão simples assim você contratar o escritório de uma banda para realizar os shows, precisa passar credibilidade, confiança e respeito."
"Mas no Brasil, as dificuldades são várias, então é um desafio todo dia que passa. Pois aqui o custo para um festival é muito alto, valores de equipamentos altos, a logística no Brasil a cada ano que passa fica um absurdo, preços abusivos. Eu diria que hoje é um risco enorme por precisar muita cautela para repassar esses custos no valor do ingresso."
Fernando Zimmermann, 37, criador do festival
Tudo funcionou bem. O palco até o show do Abbath, estava dividido em dois, enquanto uma banda tocava, já era montada a estrutura para a próxima. Foi uma sacada boa, que agilizou o horário de todas as atrações, e o som estava ótimo. A casa de shows, Luna Live foi uma boa escolha. Banheiros, bares e comidas, montado na parte externa da casa atendeu bem a demanda de um público que ocupava 50% da capacidade do local.
Gerações de respeito
Voltando aos shows, os colombianos do Vitam Et Mortem trouxeram para o Brasil seus 20 anos de carreira, fazendo um death metal cheio de personalidade e com referências regionais de seu país de origem. Misturando o som extremo característico do estilo, com instrumentos como flauta, chocalhos e outros adereços, os colombianos chamaram a atenção do público.
Logo no palco ao lado, uma das maiores bandas de rock do país na atualidade - e isso não é dito apenas por esse que escreve - aguardava o fim do show da banda colombiana para entrar no palco e fazer um dos grandes shows da noite. Os mineiros do Black Pantera chegaram a Joinville para reforçar que o preto também faz Heavy Metal, e para tomar de volta o estilo inventado pelos antepassados escravos nas fazendas de algodão no início do século passado nos EUA.
O show começou pesado, em ritmo frenético, com a banda tocando todos os sons emendando uma na outra, parando para uma mensagem aqui e acolá, pulando sem parar, e incendiando o público que respondeu à altura. Aproveitaram para mostrar uma música do último EP, Griô, composto em inglês, visando o mercado internacional, e produzido por Rafael Ramos, da Deck Disc. Ponto alto, é claro, ficou pelo grande sucesso, Fogo nos Racistas, que só o nome já deixa claro a mensagem passada.
Não à toa, eles estão com agendas lotadas, tocando em vários festivais grandes, como Rock in Rio e Lollapalooza, elogiados por toda cena rockeira mainstream nacional, e até por artistas gringos. Mike Patton, vocalista do Faith No More e Mr. Bungle, estava com uma camisa da banda nos EUA recentemente.
Uma banda como o Black Pantera fazer um belo show em um estado calcado de preconceitos velados, tem uma representatividade enorme. Além de todo o protesto e mensagem que a banda exala, os caras são ótimos músicos, e na formação mais clássica do rock, o power trio, colocaram o lugar abaixo. Um dos grandes shows da noite. Ponto alto para a produção do festival que trouxe uma banda no auge para a cidade de Joinville.
Logo depois, o Dorsal Atlântica, um dos patronos do metal nacional, subiu ao palco para fazer um thrash metal carioca tradicional. Carlos "Vândalo" Lopes, com sua guitarra baiana, fez um som agressivo e muito bem tocado, e foi mandando sons do último trabalho "Pandemia" e clássicos da banda carioca.
Carlos, sem pestanejar, uma vez sequer, destilou, em vários momentos, gritos contra o último presidente do Brasil e contra todos os negacionistas que ainda insistem em andar por aí, principalmente no mundo do metal. Deixou claro várias vezes, em alto e bom som, que headbanger não pode ser conservador e fascista.
[an error occurred while processing this directive]Dorsal Atlântica é daquelas bandas que não recebem o devido respeito, mesmo no estilo que ela defende e ajudou a disseminar no país fora. Como o Carlos mencionou no palco, "eu devo ser muito burro para estar nessa idade em cima do palco, fazendo esse tipo de música". Nem a perda de Cláudio Lopes, fundador e irmão do Carlos, desanimam os caras, que apesar disso, continuam a se mostrar necessários.
Muita Luz, pouco som
Chegou a vez de abrir o palco e montar a "grande" estrutura para a primeira banda headliner da noite. Estava indo tudo no cronograma, até os técnicos do Abbath ficarem mais de uma hora montando o palco e passando o som. Não tinha pirotecnia, tinha uma estrutura metálica com o nome da banda, e ponto.
Os noruegueses do Abbath, banda de Olve Eikemo, remanescente do Immortal, é uma banda relativamente nova. Formada em 2015, são figuras carimbadas em vários festivais de heavy metal pelo mundo. Chegam ao Brasil para três shows com um setlist mesclando músicas dos três discos e algumas covers do Immortal.
Esperando uma hora para entrar no palco e ouvindo várias músicas do Motörhead nas caixas de sons, talvez isso salvou a paciência dos presentes, o Abbath entrou com tanta luz, que parece não ter sobrado nada para o som. Foram quatro músicas com o som extremamente baixo e sem vocal. Parte do público tentou avisar, mas talvez a luminosidade do palco, não fez os caras perceberem essa gafe. Na quinta música, conseguiram corrigir, e aí, sim, sentimos o peso da banda.
[an error occurred while processing this directive]Conversei com o Fernando sobre a questão do som, e ele disse que a falha ocorreu por culpa somente dos técnicos de som da banda, já que eles estavam controlando a mesa no momento do show. Apesar dessa falha, o público aprovou.
Profissão Heavy Metal
Para finalizar a noite, os brasileiros do Angra subiram no palco para uma casa já não tão cheia, com um público cansado da maratona e recuperando as vistas do show do Abbath. Ironias à parte, os brasileiros mostraram muita competência em todos os quesitos.
O Angra dispensa apresentações. A banda fez muito sucesso nos anos 90, em tempos do saudoso André Mattos, passou por Edu Falaschi, e hoje com o competente Fabio Lione nos vocais, mostrou o porquê é uma das melhores bandas do heavy metal.
Para não passar despercebido, ainda com os integrantes Felipe Andreoli (baixo), Marcelo Barbosa (guitarra), o excelente baterista Bruno Valverde e o guitarrista e fundador, Rafael Bittencourt.
Um setlist recheado de clássicos e mesclando sons de vários discos, contou com músicas do Holy Land, Angels Cry, Rebirth e muitas músicas do último disco, o Cycles of Pain. Essa foi a segunda vez que vejo um show do Angra, a primeira foi no Monsters of Rock em 1994, e 30 anos depois, posso dizer que achei tão bom quanto na época.
O Armageddon terminou com um saldo positivo. Parabéns aos envolvidos, e que mais edições aconteçam.
Receba novidades do Whiplash.NetWhatsAppTelegramFacebookInstagramTwitterYouTubeGoogle NewsE-MailApps