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O Rappa: sim, são do Rock, mas a dúvida é se ainda são uma banda

Resenha - O Rappa (Centro de Eventos do Ceará, Fortaleza, 30/09/2017)

Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 18 de outubro de 2017

Qual o momento certo para uma banda acabar? Muitas bandas tem anunciado suas "turnês de despedida" para encerrar as atividades quando estão em alta. É bem verdade que a maioria se arrepende e acaba voltando, lançando novos discos, fazendo novas turnês, tudo para deleite e vibração dos fãs. Mas há outras bandas que continuam na ativa por questões contratuais ou puro amor ao "vil metal", quando deveriam, no mínimo, se separar há muito tempo. Como casais, que continuam juntos por causa dos filhos pequenos ou porque nenhum dos dois cônjuges conseguiria arcar com as contas sozinho novamente, algumas bandas continuam juntas, sem o menor tesão. Seria esse o caso do RAPPA?

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Não dá pra saber. Como disse o vocalista Marcelo Falcão durante o show "a gente dá muito poucas entrevistas (porque tem poucos programas bacanas pra ouvir", mas após o show em Fortaleza, nas primeiras horas do mês de outubro, foi a impressão que ficou. O palco é, definitivamente, o lugar mais sagrado para cada um daqueles caras, Marcelo Falcão Custódio, Alexandre Menezes, o Xandão, Lauro Farias, Marcelo Lobato, mas, talvez, ter novas companhias seja a saída mais honesta para todo mundo.

Este não é um texto fácil de escrever (e aqui já peço desculpas pela demora). Onze entre dez fãs de bandas, tal como filhos de pais separados, sonham vê-las reunidas, ao menos para um show, ao menos para uma turnê, em suas formações mais clássicas, como realmente já aconteceu com o GUNS N’ ROSES (cujo nome volta e meia, não por acaso, mencionamos aqui), como acontecerá em breve com o HELLOWEEN, como não deve acontecer com o SEPULTURA e o ANGRA. Enquanto isso, tal como um casamento que agora só vive de aparências, hora é de reconhecer que o divórcio é o único e inevitável caminho. Colegas de imprensa já nos contaram (não podemos confirmar), que camarins e até os veículos que levam a banda aos shows já são separados.

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Antes do RAPPA, subiram ao palco do Centro de Eventos do Ceará, no dia 30 de setembro, as bandas O VERBO e NAÇÃO ZUMBI. Saiba como foram estes shows ao fim da matéria.

O RAPPA

Já era domingo. O público, até paciente e empolgado, que cantava junto até "Tempo Perdido" e "Hey Ho Let’s Go" nos falantes do Centro de Eventos, foi perdendo a paciência. Vaias. Vaias no frontstage. Vaias na pista. Era o que se ouvia quando, quase duas da manhã, a atração principal da noite ainda não dava sinal de que subiria tão logo ao palco. Quando nem AXL Rose, dá mais uma de AXL Rose (e olhe que até ele já esteve ali naquele palco, praticamente sem atraso, anos atrás) porque Falcão (ou quem quer que seja) se acha no direito de tratar seus fãs com tamanho desrespeito. Vaias e mais vaias eram a única resposta. É. Se uma banda não quer mais tocar, tem mais é que acabar mesmo.

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Mais de quarenta minutos de atraso. Parece pouco? Mas junte a esse tempo o tempo normal de troca de palco (uma grande banda sai, outra grande banda entra, é normal que esse processo demore), o fato de que já eram duas da manhã de domingo quando muitas pessoas estavam ali desde as 10 da noite do dia anterior. Tanto quanto o público, aguardava no palco o belo cenário, remetendo à "Oficina" de Brennand, talvez o mais belo já visto no Centro de Eventos até então (e, sim, mais belo ainda que o dos já citados GUNS N’ ROSES, maior banda de rock que já passou por ali). Fica ali, logo, os parabéns à produção, à Multi Entretenimento.

O show finalmente começa com o monólogo de Francisco Brannand, artista pernambucano homenageado no último DVD do RAPPA. E as primeiras canções seguem ao estilo do DVD, não só num formato acústico, mas minimalista, dando muito espaço para o Karaoke do público junto com Falcão. Este formato, no entanto, priva Falcão de uma de suas grandes qualidades, a presença de palco. A explosividade do Zack De La Rocha brasileiro continua, mas está limitada à cadeira. Seguem canções como "Uma Vida Só", "Meu Mundo É o Barro", "7 vezes", nem todas presentes no álbum acústico, lançado ano passado. Quando, finalmente Falcão larga a guitarra, o público até dança mais, seguindo o frontman na empolgante "Boa Noite Xangô".

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No entanto, se no telão central, lindas imagens ou projetadas ou criadas com iluminação, quem acompanhava o show pelas laterais devia pensar que a banda era só Falcão, pois só ele aparecia. "Auto-Reverse", por exemplo, tem guitarra, baixo e teclados fazendo um trabalho extraordinário. No telão, vemos Falcão balançando a cabeça.Ninguém mais da banda, nem Lauro, nem Xandão, nem os Lobatos apareciam. E muito menos o belíssimo cenário. Quem estava filmando parecia ter deixado a câmera focando no centro do palco e ido fumar um cigarro – em Messejana. O senhor das imagens parecia estar no lugar errado. Devia estar no Castelão, filmando o Xanddy Avião (o outro grande evento musical na cidade é que tinha uma iniciativa mais puramente comercial, pelo menos em conceito). O RAPPA é uma banda de rock – pensei. Numa banda de rock, todos os elementos são importantes, não só aquele sujeito que segura o microfone. Durante o show, este que vos fala pensou ser um trabalho ineficaz do responsável pelas imagens – e é complicado apontar o dedo para o trabalho de outra pessoa, mas, estamos aqui pra isso, não é mesmo? Hoje, dias depois e com tudo o que pude perceber durante o show, penso se o colega não estaria apenas seguindo orientações. Seria mesmo o RAPPA uma banda de rock? Que é de Rock ainda tenho certeza. Mas, será ainda uma banda? Perdoemos o senhorzinho da câmera por agora.

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Segue o show com "Monstro Invisível", "Fronteira" (e Falcão fazendo o seu trabalho, pedindo mãos pra cima), a bombástica "Lado B, Lado A", que, ali, começa numa versão com solo de guitarra, com muito dub no baixo de Farias e solo no fim. Claro, o telão mostra Falcão bebendo água. Chega, não falemos mais nisso.

Depois de "Vida Rasteja", "Fininho da Vida", lado B de "7 Vezes" é muito bem recebida, com o público cantando acapella junto com Falcão. E "Bitterrusso Champanhe" também vem numa versão mais pesada e também guerreira, seguida de "Rodo Cotidiano" (com homenagem a Chorão, falecido vocalista do CHARLIE BROWN JR). A esta altura, com tantas canções performadas com excelência, o pensamento que se pode ter é que realmente é uma pena que parem. O RAPPA faz um trabalho primoroso, com arranjos diferentes a cada show, variam setlists turnê a turnê, não usando clássicos como muletas. É uma banda que vale a pena ver muitas vezes. Não deveria ser a última. Mas, se perderam a paixão, embora, em meio ao show isso não pareça, é melhor parar.

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Falcão usa "Súplica Cearense", para homenagear o público cearense. -"Queria bater palma pra cena mais reggae do Brasil. Fortaleza". – ele esqueceu do Maranhão? – "mas não é reggae, mas uma homenagem a Luiz Gonzaga", ele pontuou. Nela, Marcelo Lobato vai para a sanfona, enquanto Lauro Farias, com seu baixo cheio de dub consegue transformar a música num reggae. "Salve todos os pescadores de ilusões", é a deixa em seguida para outro belo momento, "Pescador de Ilusões", com o público cantando junto e repetindo quase interminavelmente o refrão acapella. Houve até quem chorasse.

Outra versão, mais pesada, mais caótica, de "O Salto", vem com uma grande interpretação de Falcão, apressada, urgente, dolorida e com "O Homem Amarelo", como bônus. O baterista, Felipe Boquinha, quase enlouquece. E isso é muito bom de se ver. A banda se envolve em uma jam instrumental que desemboca em "Vapor Barato", "Reza Vela", nas novas "Intervalo Entre Carros" e "Sentimento" e tem fim em "Me Deixa", clássico de um disco que teve clássicos quase automáticos, "Lado B Lado A".

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Não dá pra ver muito companheirismo na banda, não há cumplicidade. Falcão não se comunica com Lauro ou com Xandão, que, a despeito de suas memoráveis (e isso não é novidade) atuações instrumentais, não se movimentam no palco. Só Marcelo Lobato parece ter trânsito mais livre e passeia um pouco, especialmente quando está tocando sanfona. Aparentemente sem setlist previamente programado, Falcão ia dizendo qual seria a próxima música, mas falava no microfone como se estivesse pensando alto, não estava realmente se dirigindo à banda de uma forma direta. E dava pra perceber que tampouco fazia isso para animar o público, como normalmente os cantores fazem. Era apenas uma forma de dar sequência ao show, mas sem ter que olhar na cara de quem estava ali do lado. Ou pelo menos parecia ser isso.

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Na última resenha de um show do RAPPA que escrevi, eu disse, "Lauro e seu baixo são a alma da banda. Xandão, os pés que a movem. Os irmãos Lobato e o DJ Negralha, o cérebro criativo. E Falcão, os punhos". Isso tudo ainda vale, mas agora é nítido que não há mais um corpo unindo todas as partes. A banda continua "unida" até fevereiro, quando ainda tem compromissos. Depois, torçamos para continuar vendo Falcão no palco, fazendo o que sabe fazer, em carreira solo, e torçamos para ver Xandão, Lauro e os Lobato, também fazendo o que sabem fazer, com outra denominação. Que sejam como SOULFLY e SEPULTURA, que ano a ano nos brindam com bons trabalhos. Não é o fim do RAPPA, de seu legado, da paixão dos fãs, mas é o fim do RAPPA como banda. Se "pra quem tem fé a vida nunca tem fim", a banda perdeu a fé.

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Antes de falarmos das outras bandas que se apresentaram no Centro de Eventos naquela noite, nos permitamos um adendo incomum e incluamos neste texto o trecho final de "We Can Work It Out", de Lennon e McCartney.

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Life is very short, and there’s no time
For fussing and fighting, my friend
I have always thought that it’s a crime
So I will ask you once again
Try to see it my way
Only time will tell if I am right or I am wrong
While you see it your way
There’s a chance that we might fall apart before too long
We can work it out
We can work it out

O VERBO

Com a missão de preparar o público para o último show do RAPPA em Fortaleza, a banda cearense O VERBO bem que poderia mostrar mais do seu trabalho autoral. Eles o fizeram, mas nem tanto. Distribuir CDS é uma cortesia, é válido, mas é no palco que uma banda tem que mostrar o seu trabalho. Influenciados por bandas como Legião Urbana e Biquíni Cavadão, o grupo mas empolgava mais o público com covers de Capital Inicial e Raul Seixas. "Quero ouvir as vozes mais importantes dessa noite", disse o vocalista antes de conseguir que o público cantasse "Mulher de Fases", dos RAIMUNDOS, junto com ele. É válido. É pertinente, mas se não apostar no autoral, O VERBO jamais deixará de ser mera banda de abertura. E seus integrantes já não são mais tão moços pra acordar pra isso.

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NAÇÃO ZUMBI

Atração muito esperada na noite, com real status de co-headliner, a banda pernambucana começou o show com "Defeito Perfeito" e "Foi de Amor" e também apresentou versões um tanto mais pesadas e densas que as de estúdio, mas recebia mais aplausos do público mesmo era quando evocava a figura do imortal "Chico Science". Com um disco novo de versões a sair brevemente, Jorge Du Peixe, Lúcio Maia, Dengue e cia também mostraram em Fortaleza uma versão de "Refavela", de Gil, "porque o Brasil passa por um momento de refazer, pra essa porra ficar melhor, que esse chão é nosso", no comentário de Peixe. A versão é poderosa (e aqui soa mesmo como homenagem, não como recurso para ganhar o público), com os riffs pesados de Lúcio Maia e o poder percussivo do resto da banda, mas ainda fico com a original. O peso continua com "Meu Maracatu Pesa Uma Tonelada" (o trocadilho não foi intencional), com Lúcio Maia bangueando como se fosse um death metal. E só faltou Marisa Monte, em "A Melhor Hora da Praia".

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Quando Dengue começou "Manguetown" aí o público, que estava um tanto apático, começou a cantar e dançar. "Etnia" e "O Cidadão do Mundo", entre outras, mantem o clima. Outro grande momento foi "Banditismo Por Uma Questão de Classe", dedicada aos políticos. "Chico Science fez essa nos anos 90, mas pelo jeito que tá fedendo essa merda, vai demorar mais um pouco", arrematou Dü Peixe. O show terminou com muitos gritos recebendo a batucada de "Maracatu Atômico".

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Agradecimentos:

Ao pessoal da Multi e Capuchino, pela atenção e credenciamento.
A Marcelo Sousa, responsável pelas fotos que ilustram esta matéria.

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Este texto foi publicado originalmente no Thunder Blue Blog.

https://thunderblue.blog/2017/10/12/o-rappa-quando-o-divorcio-e-inevitavel/

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Sobre Leonardo Daniel Tavares da Silva

Daniel Tavares nasceu quando as melhores bandas estavam sobre a Terra (os anos 70), não sabe tocar nenhum instrumento (com exceção de batucar os dedos na mesa do computador ou os pés no chão) e nem sabe que a próxima nota depois do Dó é o Ré, mas é consumidor voraz de música desde quando o cão era menino. Quando adolescente, voltava a pé da escola, economizando o dinheiro para comprar fitas e gravar nelas os seus discos favoritos de metal. Aprendeu a falar inglês pra saber o que o Axl Rose dizia quando sua banda era boa. Gosta de falar dos discos que escuta e procura em seus textos apoiar a cena musical de Fortaleza, cidade onde mora. É apaixonado pela Sílvia Amora (com quem casou após levar fora dela por 13 anos) e pai do João Daniel, de 1 ano (que gosta de dormir ouvindo Iron Maiden).
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