Paul McCartney em SP: sempre arrepia o fim de um show desse senhor
Resenha - Paul McCartney (Allianz Parque, São Paulo, 15/10/2017)
Por Marcello Cohen
Fonte: Coração de Metal
Postado em 18 de outubro de 2017
Não custa lembrar alguns detalhes que envolvem qualquer apresentação desse homem. Paul McCartney é para mim o maior artista vivo e ativo. Ele tem a disposição o repertório da maior banda da história - da qual foi membro de extrema importância - além de uma carreira solo e com o também clássico Wings extremamente rica em grandes músicas. Ainda assim, não para de lançar material novo. Paul McCartney tem 75 anos, uma idade na qual muitos estão se arrastando por ai. Poderia fazer um show burocrático de 15 músicas esticadas em 1h30 e ninguém ficaria puto. Não só oferece quase 40 de seus clássicos em 2h40 sem enrolação, como faz isso transbordando energia, tocando diversos instrumentos e cantando divinamente sem nenhum recurso para facilitar sua vida - talvez com um alcance um pouco menor do que o que vimos em 2014, mas ainda muito bem. O que precisa falar desse verdadeiro fenômeno da natureza que é um show do Sir?
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Com um Palestra transbordando de gente a cada mínimo espaço, o cenário era de louvação a um Deus do Rock, responsável pelas bases de absolutamente tudo que veio depois no estilo. Vale lembrar que o estádio do Palmeiras está a altura de algo tão grandioso. Muito bem localizado e numa estrutura invejável que inclui cadeiras de cinema na arquibancada, tava tudo perfeito para o som exatamente no ponto que rolava no palco pontualmente às 21h daquele domingo frio em São Paulo. Abe Laboriel Jr (bateria), Paul "Wix" Wickens (teclado), Brian Ray e Rusty Anderson (guitarras) são os fieis companheiros do homem há tempos, e demonstram total entrosamento no passeio pela história do Rock que estava para começar.
Paul gosta de chegar com o pé na porta, e a escolhida da vez foi o hino A Hard Day's Night, que da nome ao 3o disco dos Beatles e ao filme mais legal dos feitos pela banda. Obviamente, o estádio veio abaixo. Junior's Farm, um rockão daqueles no auge do Wings, não deixa por menos. Para arrematar a trinca inicial, outro hino dos Beatles que é novidade na tour - Can't Buy Me Love. Era geral aquele sentimento de perplexidade. Quem estava ali era Paul McCartney amigos, e isso já basta para arrepiar a alma de qualquer fã de Rock. Com aquele carisma de sempre, misturando o português com sotaque local tirado nas tradicionais aulas pré-show com o Inglês de cavaleiro da rainha, fala o necessário para se sentir intimo daqueles 40 mil beatlemaníacos presentes, mas sem nunca tirar o foco do que interessa.
A brincadeira segue com Jet, parte obrigatória de todo show. A novidade no set é Drive My Car, abertura do espetacular Rubber Soul. De Beatles para Wings, Let Me Roll It mostra aquele show de riffs que Paul sempre da quando se "arrisca" na guitarra. Na mesma pegada, I've Got a Feeling nos leva direto para Let it Be. Ai damos um pulo no presente, com My Valentine sendo dedicada a atual senhora McCartney - dizem as más linguas que sua presença no set é quase uma imposição da mesma. Longe de ser próxima da preterida My Love, mas tem seu valor. Nineteen Hundred and Eighty-Five é outra que sempre aparece nos shows, mas nunca falha.
Qualquer coisa de Band on the Run é sempre uma boa pedida. Com a temperatura no máximo, a magnífica Maybe I'm Amazed - escondida no 1o disco solo de Paul -, arrepia como poucas! Numa sequência de arrepiar, vemos uma tal de We Can Work It Out, aula de melodia que os Beatles sabiam fazer com simplicidade única dos gênios. Agora chegamos num dos auges da noite. In Spite of All the Danger, como bem lembrado por Paul, remete aos primórdios. Ela é uma música do The Quarrymen, banda de Harrison, Lennon e McCartney antes dos Beatles. Naquele momento para fã de verdade, o Sir arruma um arranjo único e impecável para um verdadeiro achado no setlist. Já que o clima era de viagem até o passado mais remoto, nada mais justo que ir direto para o 1o disco dos meninos de Liverpool com Love Me Do - apresentada por Paul como a 1a gravada em Abbey Road e dedicada a um dos dois 5o's Beatles, o produtor George Martin. A gaita mais que clássica, a cargo de Paul Wickens, emociona profundamente o estádio inteiro. Era uma época crua e maravilhosamente perfeita.
O que temos depois é a trinca acústica mais maravilhosa possível. São elas And I Love Her - "dançada" por um Paul transbordando carísma - e Blackbird - com uma letra fantástica sobre os conflitos raciais da época, devidamente apresentada por Paul como uma ode aos direitos humanos universais - dos Beatles e a épica Here Today, que nada mais é do que um tributo a Lennon. Meu amigo, não tem como conter emoção quando McCartney apresenta ela falando que a letra fala de uma conversa que nunca aconteceu. De alguma maneira, ela toca profundamente não só quem tem Lennon no coração, mas também aqueles que um dia perderam alguém importante.
Depois de tanta emoção, veio uma amostra do disco mais recente. São elas as ótimas Queenie Eye e New. Nesses momentos vemos como o disco envelhece bem, sem perder fôlego ao vivo. O novo é bom, mas os anos 60 são inigualáveis. Por isso, tome Lady Madonna. Até FourFiveSeconds, recente parceria com Rihanna e Kanye West, fica muito legal. Claro que nada comparado a pedrada emocional Eleanor Rigby, lamentavelmente a única representante da obra-prima Revolver. I Wanna Be Your Man, novidade apresentada por Paul em tom de brincadeira por sua ligação histórica com os Stones, é mais uma dos primórdios dos Beatles a dar as caras. Ai Being for the Benefit of Mr. Kite! mostra um pouco do que o cinquentão Sgt. Pepper's representou na história do Rock. Era um ensaio de reta final numa sequência alucinante de clássicos eternos. Era vez de George Harrison ser celebrado com sua composição mais icônica, que atende pelo nome de Something - com direito a tradicional introdução com Ukulele. Se já não estivesse legal o bastante, uma bomba atômica chamada A Day in the Life vem para arrematar o show de vez, incluindo o medley com Give Peace a Chance. Ob-La-Di, Ob-La-Da anima como poucas, e Band on the Run mostra o porque de ser para mim a melhor composição do Wings no auge do fantástico disco de mesmo nome. Seu arranjo é primoroso e cada audição mais agradável. Back in the U.S.S.R. é mais um rockão com a marca 60' estampada. Para termos noção de genialidade do homem que estava naquele palco, foi ele que registrou a bateria dessa música em meio a uma breve debandada de Ringo na gravação do White Album. Let It Be está para mim naquela categoria de clássicos que, por mais "manjado" que seja, sempre devasta o coração.
O espetáculo de luzes do público deixa tudo ainda mais épico. Já Live and Let Die tem a tradicional pirotecnia, que num volume no talo faz o chão da arquibancada que eu estava tremer! Ai Hey Jude fecha a parte regular nuaquele coro inigualável, nessa jornada acompanhado por placas escritas "na,na,na,na" entregues aos presentes no acesso ao estádio. O resultado emociona McCartney visivelmente, que puxa um "agora os manos" e "agora as minas" impagável ao comandar seus devotos.
Sabemos que até o bis é farto num show do Beatle. Ele e a banda voltam com bandeiras do Brasil, Reino Unido e Arco-Iris - sempre necessária em tempos de tamanha intolerância. Começando com a incomparável Yesterday, mais uma porrada no coração do auge da simplicidade genial dos meninos de Liverpool. Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (Reprise) vem celebrando pela última vez o icônico disco, tendo Helter Skelter - um dos primeiros legítimos Hard Rock's que se tem notícia -, chegando sem um segundo de descanso. Birthday é uma escolha peculiar, numa seleção de riffs responsáveis pela base de muito do questava por vir. Era chegado o fim, e a melhor forma de fazer isso é com a sequência final de Abbey Road - sem contar com Her Majesty, o maior lado z do Rock. Estou falando de Golden Slumbers, Carry That Weight e The End.
Sempre arrepia o fim de um show desse senhor a cada ano que passa. O sentimento que temos ao pensar na possibilidade sempre real de ter sido o último encontro é inevitável. Estamos falando de um senhor de 75 anos que se recusa a aceitar sua idade. Ver Paul McCartney ao vivo é testemunhar um gênio que ama o que faz, não se contentando com pouca coisa. Até onde seu corpo vai aguentar o ritmo, é impossível saber. Esperamos que ainda role muitas noites como essa. Enquanto Paul McCartney estiver fazendo o que fez no Allianz Parque, teremos a certeza que o Rock ainda está vivo.
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