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Focus: como foi a apresentação da lendária banda em Limeira

Resenha - Focus (Limeira, SP, 17/09/2017)

Por Hugo Soares
Postado em 19 de setembro de 2017

Tenho uma tese (que já defendi aqui em outra resenha) de que se o rock é uma religião, o progressivo é a mística. Mística aqui entendida como um caminho inciático, secreto, para poucos dentro da própria religião. A banda holandesa FOCUS é sem dúvida um dos maiores ícones desta tradição "mística" do rock e no show do dia 17 de setembro, em Limeira (SP), os caras provaram mais uma vez para o público brasileiro porque gozam deste status.

O FOCUS surgiu em 1969 com o organista e flautista Thijs van Leer, o baterista Hans Cleuver e o baixista Martin Dresden. Do início dos anos 70 pra cá a banda passou por inúmeras mudanças, permanecendo apenas van Leer na formação atual. Compositor, organista com formação clássica, flautista, dono de uma técnica vocal única e extremamente carismático! Não à toa van Leer se tornou a alma do FOCUS.

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A última passagem da banda pelo Brasil foi em 2014 e agora voltaram para shows em São Paulo e Limeira, com praticamente a mesma formação, só trocando o baixista Bobby Jacobs (enteado de van Leer e produtor da banda) pelo holandês Udo Pannekeit, que começou a carreira como baixista de jazz.

Estava um calor de rachar em Limeira (como se pudesse ser diferente!) e o público optou por chegar ao Bar da Montanha quase na hora da apresentação dos holandeses, às 19 horas. Não mais do que cem ou cento e cinquenta pessoas estavam presentes, o que no final das contas foi muito bom para quem estava lá. O show foi mais intimista, o público sem apertos, se acomodou bem próximo ao palco e pode acompanhar de maneira privilegiada toda a performance da banda.

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O show começou como terminou: potente e discreto. Os músicos sem muito alvoroço ou parafernália, subiram ao palco, pegaram seus instrumentos e esperaram calmamente a introdução de flauta de van Leer. Logo em seguida, o primeiro clássico: Focus 1. Quando a voz grave de van Leer ressoou enchendo o ambiente numa conjunção etérea com o som de seu orgão Hammond e as suaves notas distorcidas da guitarra de Menno Gootjes, eu tive a certeza de que adentrávamos ao mundo onírico do FOCUS. O show todo é como um sonho, com sons que ecoam, com temas musicais que se repetem entre improvisações e fraseados com estrutura jazzística. Ondas de música que vem e vão, deixando o público numa espécie de êxtase.

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Na sequência, como uma espécie de quebra do torpor gerado neste início, começa a animada House of the Kings, do primeiro álbum da banda, In and out of Focus, de 1970. Neste som, a influência clássica e erudita fica evidente. O tema central que é repetido ao longo da música, lembra um minuetto ou allegretto (ou algo do gênero). O público delira e se agita num show que sugeria até então, ser apenas contemplativo.

Para acompanhar o ritmo animado, a música seguinte foi Eruption, do álbum Moving Waves (ou Focus II), que saiu em 1971. Esta música é uma adaptação da ópera Eurídice, do compositor italiano JACOPO PERI. Sou suspeito pra dizer, pois acho Eruption um dos melhores sons da banda, mas este momento foi um dos mais legais do show. O público delirava com a poderosa sonoridade do Hammond de van Leer, acompanhado de suas vocalizações sem palavras (o que no jazz é conhecido como scat). Nesta música em especial, a bateria de Pierre van der Linden se destaca, com viradas violentíssimas e com uma condução toda quebrada. O público acompanhava chacoalhando o corpo, como se as pessoas fossem acometidas por espasmos. A música mística do FOCUS entra na alma e desperta as maias variadas reações.

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A próxima música é La Cathedrale de Strasbourg, do quarto disco de estúdio da banda chamado Hamburger Concerto, de 1974. Em quase todo o disco, a influência clássica e erudita é marcante. Van Leer compôs este algum se inspirando na obra "Variações sobre um tema de Haydn" do compositor romântico alemão JOANNES BRAHMS. Porém, especificamente La Cathedrale apresenta uma levada jazzística. É uma música lentamente cadenciada, que serve bem para acalmar o espírito do público e colocá-lo em seu devido lugar: o lugar dos homens comuns cuja única coisa digna a fazer é contemplar os magos do progressivo supersônico do FOCUS.

Após a execução de La Cathedrale, chega o ponto alto do show para muita gente: começa a canção Sylvia, do disco Focus III (pra mim, o melhor). Lançado em 1972, o disco congrega alguns clássicos absolutos da banda e a canção Sylvia certamente é um deles. O inconfundível riff inicial da guitarra de Menno Gootjes dá o tom e marca todo o andamento da música. O público, como não poderia deixar de ser, delira e bate palpa sob o comando do maestro van Leer.

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Com o término desta música chegamos à metade da apresentação. E para este resenhista, é tarefa inglória ter tão pouco tempo e espaço para comentar um show que do começo ao fim é genial. O FOCUS é uma banda que tem 74% das músicas consideradas "clássicas". Ok, esta porcentagem é aleatória e eu sou um devoto de van Leer. Tudo que falo sobre os caras é tendencioso. Por isso, coloque-me sem culpas a seguinte questão: como comentar as melhores músicas de um show se todas são as "melhores músicas"?

Entramos, portanto, na "segunda" parte da apresentação com All Hens on Deck, tendo na sequência Harem Scarem e Focus 7. A primeira, iniciando com o riff potente da guitarra de Gootjes (que, aliás, é um monstro no instrumento), levantou mais uma vez o público. Van Leer de novo volta com seu scat, acompanhando com a voz os solos de seu Hammond e os fraseados da guitarra. Este é certamente o momento mais "rock and roll" do show e a hora que o público mais delira (alguns até bateram cabeça como se fosse um show do Slayer.).

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Theijs van Leer, em dois ou três momentos da apresentação, levanta-se e vai até o centro do palco cantar ou tocar flauta. São momentos mágicos, pois além de todo o talento do mestre holandês, há também um grande carisma em sua forma de se comunicar com o público. Com seu jeitão de "vozinho do rock" (seria o Chacrinha do prog??), ele canta fazendo uso (e abuso) das duas técnicas que o marcam até hoje: o scat e o yodel. Pra mim, parte da atmosfera onírica do show, vem dessas vocalizações de van Leer. Ele vai do grave e quase gutural para altíssimos agudos num só movimento. Em certo momento, ele canta e pede para o público responder. Foi bem engraçado perceber as pessoas (inclusive este que vos escreve) tentando chegar aos agudos atingidos pelo mestre holandês (lembrei-me do público tentando cantar The Family Ghost junto com o KING DIAMOND).

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Em Hocus Pocus, a canção mais emblemática do FOCUS, estas duas técnicas vocais aparecem em sua plenitude. Intensa, a canção não por acaso ficou para o final do show, sendo a última antes do bis. Para os metaleiros, esta música está para o FOCUS como The Number of the Beast para o IRON MAIDEN. Hocus Pocus (como muitas outras canções do FOCUS) apresenta um tema que é repetido à exaustão. Começa com um dos riffs de guitarra mais conhecidos no rock progressivo para encontrar van Leer cantando coisas sem sentido com cara de maluco. No meio acontece também um efusivo solo de bateria de van der Linden. Foi genial!

A banda terminou e voltou para o bis com Focus 3. Uma das músicas mais bonitas de todo o repertório. Ela começa de maneira lenta, com o Hammond dando uma tônica suave, passando para a guitarra distorcida de Gootjes num verdadeiro crescente. Chega ao topo da intensidade e volta a ser cadenciada. Variações e mais variações: assim se estrutura a maior parte das músicas do FOCUS. Assim funciona a mente genial de van Leer, o grande maestro da banda.

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O show termina com o público desesperado querendo mais uma, mais duas.... "Toquem a noite inteira!" alguém gritou. Não tocaram. Mas atenderam ao público de forma paciente e cordial depois. E foi neste momento que realizei mais um dos meus sonhos: além das fotos e da tietagem básica, pude agradecer pessoalmente ao mestre van Leer por sua música. Confesso que fiquei bastante emociado, lembrando de quando (em 1991 ou 1992), peguei emprestado o "bolachão" do Moving Waves com um amigo e coloquei pra tocar na velha vitrola do meu pai. Era o início da minha história com o rock progressivo.

Como escrevi muito e já estou viajando, encerro esta narrativa agradecendo também aos produtores do evento e ao Bar da Montanha, que é um lugar sensacional, com preço honesto e que valoriza o bom Rock and Roll no interior paulista. No mais, nem que ficasse escrevendo páginas e páginas sobre o show, conseguiria descrever o que foi esta última noite de domingo. Toda experiência tem qualquer coisa de inefável e não lutarei contra esta máxima.

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Vida longa ao rock progressivo, vida longa ao FOCUS e vida longa ao mago Theijs van Leer!

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