Nightwish: sexismo no novo clipe, "Noise", não é novidade.
Por Sâmya Mesquita
Fonte: Sâmya Mesquita
Postado em 23 de fevereiro de 2020
Semana passada, a banda NIGHTWISH lançou seu novo clipe, "Noise", que faz parte do novo álbum da banda: "Human. :II: Nature.". Lançamento vem depois de um longo hiato provocado, principalmente, pela gravidez de sua atual vocalista, Floor Jansen. A música tem causado alvoroço na internet, principalmente para os fãs que estiveram "órfãos" durante anos.
Mas antes de qualquer observação acerca da música em si, é interessante relembrar alguns fatos que ocorreram nos últimos anos que levaram a imagem da banda a ficar por um fio, principalmente fora do seu grande eixo comercial, a Finlândia. E o principal motivo alegado é: machismo.
É sabido que o Heavy Metal é um ambiente sexista por natureza. Não só em relação à representatividade da mulher nos maiores headlines de festivais, como também na forma como fãs e até produtores tratam as mulheres do meio: baixos cachês, cobrança física, tudo extremamente excessivo em relação ao que pagam e cobram de homens que exercem as mesmas funções.
Em 2005, sua primeira vocalista, Tarja Turunen, foi demitida tecladista e dono majoritário da banda, Tuomas Holopainen, através de uma carta, num tipo de desrespeito que, com os anos, acabou se tornando marca da banda.
Nightwish: Tarja Turunen fala mais sobre a demissão
A posterior vocalista, Anette Olson, assumiu o front em meio a uma crise de identidade da banda. E seus vocais totalmente diferentes da vocalista anterior causaram revolta aos fãs mais xiitas. Não bastasse isso, segundo ela própria em seu antigo blog pessoal, ela enfrentou diversos problemas internos muito parecidos com os que Tarja vivia. Anette constantemente desrespeitada - inclusive quando descobriu que estava grávida e foi execrada pela banda mesmo nesta condição.
Anette Olzon Says She'd Never Reunite With Nighwish: 'They Treated Me So Badly
Minha função aqui não é fazer qualquer tipo de julgamento, nem dizer quem estava certo ou errado - até porque ninguém que tenha um mínimo de maturidade vê a vida de forma tão dualista. Entretanto, todas essas pequenas imagens foram discutidas pelos fãs ao longo dos anos, criando uma reputação desagradável da banda. Claro que outros fatores também foram responsáveis por isso, mas aqui vamos no deter sobre a forma como a banda - ou pelo menos a imagem que ela projeta - se mostra sexista.
Continuando a nossa linha de tempo, a terceira vocalista da banda Floor Jansen, ex-AFTER-FOREVER, já havia comentado sobre o machismo no heavy metal. Ela declarou-se contrária à constante necessidade de festivais e revistas especializadas em criar uma sub-categoria para cada subgênero: "metal com voz feminina", dando a entender que a mulher não tinha capacidade de estar na mesma categoria que uma banda com vocais masculinos, mesmo produzindo a mesma sonoridade.
NIGHTWISH: Floor Jansen diz que o rótulo "metal com voz feminina" devia acabar
Todas essas situações causaram, como disse anteriormente, alvoroço na internet durante anos. Fãs defenderam, fãs criticaram, mas hoje, com a popularização do entendimento do que o patriarcado causa na sociedade, as pessoas estão mais conscientes de tudo o que vem acontecendo ao longo dos anos. E em pleno século XXI, acredita-se sempre que as pessoas estão tomando consciência da mudança dos tempos.
O que não pode ser percebido no clipe "Noise". E é aqui que precisamos entender, a partir de toda essa introdução, que algo está muito errado.
O clipe descreve uma crítica bem Black Mirror/Admirável Mundo Novo acerca de um assunto já retratado pela banda Angra, em "Black Widow's Web": a liquidez das relações através da "escravização" humana pela tecnologia.
Até ai, tudo bem, pois é um assunto em alta, apesar das várias referências que aparecem de uma forma um tanto quanto rasa. Mas aos 1:20min do clipe que a câmera foca explicitamente no bumbum de uma modelo.
Alguns podem dizer que é apenas uma crítica à superficialidade das relações, à objetivação da mulher na mídia... E até pode ter sido essa a intenção inicial. Mas observando rapidamente o histórico da banda, de desrespeito à figura feminina em várias situações ao longo dos anos, esta micro-imagem trás mais uma contribuição negativa à sua reputação em como a banda se posiciona em relação à mulher.
Apesar de sempre ter tido vocalistas mulheres, a facilidade da objetivação com a qual o corpo feminino é retratado num clipe, somado a mercantilização das próprias relações com mulheres na banda, faz com que pensemos se o NIGHTWISH está realmente preparado para este século. Seu público é composto majoritariamente por LGBTQIA+, mulheres e minorias em geral. Objetivar uma mulher num clipe é declarar que não produz conteúdo para esse público, que a luta da qual a própria vocalista se manifesta não representa o espírito da banda. Na era do streaming, em que as informações chegam rápido e de formas, muitas vezes, distorcida, ignorar a reação que este tipo de imagem pode provocar é fadar-se ao esquecimento - ainda mais num gênero que não é mais tão mainstream assim.
Vivemos num mundo diferente. Um único fã que se sinta incomodado pode publicar sua indignação no Twitter, discutir num grupo de fãs, ocasionar a diminuição de streamings, vendas de ingressos e até apagamento do cenário musical, de uma forma geral. Este foi o caso, por exemplo, do último álbum do Leaves's Eyes, que teve significativa queda nos chats europeus depois da escusa saída de sua antiga vocalista Liv Kristine.
Como fãs espectadores, nos resta esperar que, não só o NIGHTWISH, como todo o cenário do Heavy Metal, entenda que não há mais espaço para cometer gafes de representatividade.
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