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Zoombie Ritual: the bullshit strikes back

Por Lorena Pinheiro
Fonte: Facebook Lorena Pinheiro
Postado em 19 de dezembro de 2014

Depois do trauma do Metal Open Air, eis que o Brasil tem mais um "desastre" em seu histórico de festivais de metal: o insuspeito e já tradicional Zoombie Ritual.

Creio que a edição do ano passado foi a mais derradeira para a consolidação do nome, quando houve um cast fabuloso de bandas nacionais e gringas, com o Kreator como headliner. Promissor. Ousado. Brilhante. E seria aquele apenas o começo, isto é, se a produção não tivesse tão isenta de profissionalismo e se não tivesse negligenciado tanto noções orçamentárias para gerir as contas do festival, que atingira expansão significativa demais para que faltasse um pessoal preparado para realiza-lo.

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Diferente do festival maranhense, o Zoombie já tinha edições anteriores, começou pequeno e foi crescendo até o patamar de um festival conhecido nacionalmente; não era uma aventura megalomaníaca surgida do nada, mas um festival independente consolidado, em sua sexta edição, com um público já fiel e conceito definido, em constante expansão, pelo menos até a última quinta-feira.

Depois de conhecê-los pessoalmente durante a turnê anterior, tornei-me amiga dos caras do Destruction. Este ano, fui convidada a acompanhá-los em uma das 12 datas que compunham a turnê de 2014. Por ser mais próxima da minha cidade de domicílio, escolhi o show do Zoombie Ritual para revê-los. E parti rumo a Joinville para encontrá-los no aeroporto, de onde seguiríamos para o festival em Rio Negrinho. Como testemunha ocular de tudo o que aconteceu naquela quinta-feira, segue meu relato:

Quando os encontrei no aeroporto, Schmier mencionou que a banda acordou com a produção do festival de receber o pagamento integral no momento da chegada, onde haveria alguém para recebê-los e acertar o cachê. Creio que abriram uma exceção, já que o acordo de praxe é o pagamento antecipado à banda antes de sua chegada à cidade do show. No entanto, o único que aguardava a banda no aeroporto era o motorista da van que os conduziria ao hotel. Confiando na palavra do produtor, a banda seguiu rumo ao hotel, na expectativa de encontrá-lo lá para fazer o acerto. Ninguém. Sem qualquer informação acerca do paradeiro do produtor, a banda e a equipe técnica começaram a contatá-lo de todas as formas, mas o celular dele estava desligado (e que produtor sério deixaria o celular "descarregar" no dia de um evento?). Depois disso, Schmier postou um status no Facebook, dando pistas claras às pessoas que algo ali estava muito errado. "Parece que o Brasil tem outro festival de metal desastroso.", ele publicou. Creio que muitos dos que estavam na fazenda não tinham ideia do que estava acontecendo, pois segundo me disseram, o sinal de internet lá era nulo. Na fanpage da banda podia-se ler: "METALHEADS BRASILEIROS!!! Alguém está no Zoombie agora? DESTRUCTION está em Rio Negrinho, mas produtor desapareceu, sem pagamento - parece que o show não acontecerá. A banda está pedindo notícias aos fãs que estão no local do festival...a banda quer tocar, mas isso não está cheirando bem, obrigado por compartilhar e apoiar! Parece que este será outro desastroso festival de metal...."

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E a busca por informações continuava...

Por volta de umas 18h, a banda, sem cachê e sem respostas, optou por cancelar sua aparição no Zoombie Ritual, sem postar nada oficial por enquanto. Todos ali estavam muito chateados com a situação. A mesma vivida há dois anos atrás, no Metal Open Air. Falta de profissionalismo e, acima de tudo, de respeito.

Um pouco depois, todos desceram para jantar, por volta das 20h30. Nesse momento, apareceu Silvana, uma amiga do Schmier que já conhecia o Zoombie de perto e que ele contatou para ajudar a banda com informações. Ela trouxe junto alguns fãs, que haviam vindo do Amazonas para o festival. Achei aquilo muito lindo. Lembrei da primeira vez que pude ficar cara a cara com o Destruction. Eu estava bem agitada e toda feliz de ver os músicos de uma das minhas bandas favoritas tão de perto. Uma experiência que só quem é fã entende. Um privilégio. E achei legal que aquela galera pudesse ter esse prazer de compartilhar uma mesa com as lendas do thrash alemão. E, ao mesmo tempo, lembrei do M.O.A., onde vi pessoas cruzando o Brasil para estar no Maranhão, gastando uma grana alta, para terminarem sem shows e, no caso dos que iriam pro camping, tendo que dormir no chão do aeroporto. Um terrível déjà vu.

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Quando todos estavam na mesa conversando, o produtor apareceu para finalmente pagar a banda, quase 22h, aguardando a banda do lado de fora do hotel. Com a situação já fora do limite, o Schmier foi o primeiro a levantar, indo em direção à porta como um touro, sendo seguido por todos. Ele chegou sem falar, deu uma porrada seca na cara do produtor e começou uma série de xingamentos, aos gritos (espero nunca mais ver o Schmier puto com algo, é assustador). Xingamentos merecidos, devo dizer. Todos testemunhamos aquela cena de tensão, que teve um final aparentemente positivo, visto que a banda, com o pagamento em mãos, voltou atrás e decidiu tocar no festival, mesmo sabendo que levaria, pelo menos, uma hora para chegar ao local, e mais duas para montar o equipamento. Mesmo com um inevitável e enorme atraso, queriam (e queriam MUITO) tocar.

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Tudo certo? Ainda não. Prevenida, a banda, depois de todo aquele desconforto, solicitou à equipe que fosse checar a estrutura e o equipamento que constava no festival, para ter a certeza que o espetáculo seria possível. A equipe contatou a banda e deu o parecer: equipamento insuficiente. Em contrato, a banda pedia um equipamento exclusivo, e isso não foi assegurado, especialmente com o equipo de bateria, que era apenas um e estava sendo compartilhado entre as bandas. E foi nesse ponto que o show foi dado definitivamente como perdido. Quebra de contrato. E enfim, mesmo com o cachê em mãos, a banda postou seu comunicado oficial de cancelamento. Na sequencia, Schmier avisou todos os contatos de banda que pôde para que só viessem tocar no festival caso o pagamento fosse antecipado, ou então que nem se dessem o trabalho de vir para tocar e se deparar com tamanha bagunça. Achei nobre da parte dele em tentar evitar que outras bandas passassem pelo mesmo dessabor.

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Quem mediou grande parte das tramitações foi o tour manager, que também é amigo meu. Ele quem foi checar o festival, ele quem passava as informações ao motorista da van, entre outras coisas. E naquele momento, ele tinha mais um conflito para ajudar a resolver: dada a ruptura do acordo entre banda e produção, e considerando que o hotel onde a banda estava hospedada ficava bem longe do aeroporto, de onde seguiriam pra Fortaleza no dia seguinte, como fariam para voltar com todo o equipamento, já que a van era de responsabilidade da produção do festival¿ E mais, o motorista se recusava a abrir o veículo para a retirada do material, a menos que lhe pagassem. Já de saco cheio, Schmier pegou o bolo de dinheiro que havia guardado, largou no sofá onde estava sentado, no lounge do hotel, e pediu para que o tour manager contasse e desse ao motorista o valor que fosse. Parecia que ele falava com os olhos "foda-se essa merda! Faça o que for preciso! Eu quero sair daqui e me livrar logo desse pesadelo!". O tour manager contou o dinheiro e pagou o motorista, e a banda pôde retirar seu equipamento e conseguir outra pessoa para conduzi-los de volta ao aeroporto no dia seguinte, pagando o transporte do próprio bolso. E isso foi tudo.

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Houve quem postasse via Facebook para a banda desconsiderar o pagamento e tocar de graça. Quando li, eu simplesmente não consegui acreditar naquilo. Parece que algumas pessoas por aqui ainda não entenderam que a maior parte do lucro do músico está apoiada em shows. Gravadoras ganham com álbuns; músicos, com turnês. É a lógica do negócio. Músicos não saem de suas casas e seus países para passear de férias tocando nas cidades. É o trabalho deles, é como colocam comida na mesa e suas contas em dia. Desconheço alguém que trabalharia de graça, por "amor à camisa", por mais que goste do que faça. Isso não existe.

Para um artista estrangeiro, não é vergonha alguma se recusar a tocar mesmo já tendo recebido mais da metade do cachê, caso se quebrem outras cláusulas contratuais. Lá fora, a cultura é outra: se há um acordo entre duas partes e uma delas não cumpriu, contrato rescindido, ponto final. O papo de "ajudar a cena", "público carente", "a gente ajeita na hora" já até sensibilizou no passado, mas não é problema de uma banda gringa, cada vez mais dependente de shows para equilibrar orçamentos.

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Agora, dizer que o Zoombie Ritual reflete a cena metálica brasileira é preconceituoso. O festival refletiu o como é o país. Não diferente do que ocorre com o Brasil, a possibilidade de expansão bateu à porta e falta de educação foi a barreira a atravancar a ambição de ser algo maior.

Para deixar de ser um evento regional e ganhar as proporções de maior festival de metal extremo da América Latina, era necessário ser enxergado de sob um ponto de vista empresarial. Menos paixão e mais contas feitas na ponta do lápis. Entender os fluxos de caixa, ter previsões realistas de orçamento, buscar outras formas de financiamento, profissionalizar a comunicação com o público-alvo etc. Para isso, fazia-se necessária ao menos uma consultoria, uma ajuda de um administrador experiente, um contador, algum profissional de gestão que norteasse os custos e a margem de lucro sobre as contas do evento. Mas não houve muita preocupação com isso. Sabem por que? Porque é parte de nossa deficiente educação, de nossa cultura.

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Mal nos formamos no Ensino Médio entendendo com perfeição o conceito de juros. Noções básicas de economia doméstica são alheias ao cidadão médio. Estamos acostumados a resolver nossos problemas conforme eles aparecem, se necessário burlando uma regra aqui, outra acolá, achando tudo isso inofensivo e seguindo a vida. Um erro maior do que estar acostumado a resolver tudo com o "jeitinho brasileiro", é estar acostumado a engolir impunidade e encarar as coisas erradas sem o devido corretivo como algo usual.

Eu cheguei a acionar a justiça pelos danos causados pelo episódio do Metal Open Air. Quase três anos se passaram e nada de punir os responsáveis, que aliás, continuam por aí saracoteando e produzindo shows sem o mínimo problema. Muitos sequer entraram na briga por ressarcimento, por saberem o final que teria, como muitos dos casos impunes deixados de lado pela ineficiente justiça brasileira. E tenho certeza que o caso do Zoombie Ritual será o mesmo.

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Querer demonizar as bandas que cancelaram é dar um tiro no próprio pé, especialmente quando se trata de bandas com mais de 30 anos de história, de inegável importância e influência no metal global. Denegrir a imagem de uma banda assim é minar qualquer possibilidade de negociação com outras bandas no futuro. É burrice. E se o Brasil ainda não aprendeu a se profissionalizar e encarar com seriedade o trabalho dos músicos e levar como NEGÓCIO todos os fatores que envolvem um evento desse porte, é porque ainda não está maduro o bastante para grandes festivais. E se for para ter um festival brasileiro grande e, no fim de tudo, ter uma série de bandas importantes canceladas, tornando famigerado o nome da produção de shows e deixando bandas receosas para tocar aqui, prefiro que não haja festivais. Cada vez eu vejo mais manchas de vergonha na história do metal no Brasil com tantos amadores querendo agarrar o mundo com as pernas. Nem bandas e nem fãs merecem isso.

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Em nome dos fãs de metal brasileiros, gostaria de pedir desculpas às bandas que foram forçadas a cancelar e frustrar todos aqueles que pagaram pelo ingresso. Eu, mais do que qualquer outra pessoa, sei que não foi culpa dos músicos. Especialmente o Destruction, que tive a honra e alegria de acompanhar em Santa Catarina, por tentar, até o último momento, fazer um final feliz a todo aquele drama. Meu respeito eterno a eles.

Fontes:
http://metalsujo.wordpress.com/
http://vitorvoodoopriest.blogspot.com.br/2014/12/comprometimento.html

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Sobre Lorena Pinheiro

Ainda que carregue a paixão por Tchaikovsky, Dvorak, Wagner, Gainsbourg e Piaf, tem o heavy metal como seu bálsamo sonoro mais amado. Nascida na terra do Stress e comunicóloga formada, colaborou para mídia especializada, sobretudo para o site A Ilha do Metal. Já cruzou o Brasil inteiro para estar em shows de suas banda preferidas, colhendo diversas lembranças e amizades dessas experiências.
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