Iron Maiden: a última fronteira da Donzela de Ferro
Por Rafael Correa
Fonte: Blog Rock Pensante
Postado em 11 de março de 2010
(Publicado originalmente no Blog Rock Pensante)
No último dia 04, todos aqueles que se dedicam ao estudo e apreciação do heavy metal foram pegos por uma agradabilíssima surpresa: o novo disco da Donzela de Ferro, programado para 2011, será lançado mesmo em meados de junho deste ano. "The Final Frontier", título do novo álbum, já possui até uma turnê promocional que iniciar-se-á em abril, passando por Canadá e Estados Unidos, onde o Maiden será acompanhado por ninguém menos que o DREAM THEATER.
Sendo assim, pensar em um disco novo do IRON MAIDEN é, ao mesmo tempo, pensar e relembrar o desenvolvimento sonoro de uma das bandas mais queridas da história. Desde o homônimo álbum de 1980, até "A Matter of Life and Death", as nuances musicais do grupo podem ser percebidas em atentas audições de suas gravações. E, dito isso, verbalizaremos a pergunta que, desde o dia 04, vem martelando na cabeça dos maiden maníacos: que diabos "The Final Frontier" vai nos proporcionar?
Afora todos os clichês que não colam no IRON MAIDEN devido à sua imensa qualidade, sempre que pensamos em um novo lançamento de uma "lenda" em formato de banda ficamos apreensivos, esperando para perceber se as novas gravações irão honrar o legado da banda ou se irão desaboná-la de alguma forma. Assim o foi com "Chinese Democracy" da nova trupe de Axl, "Black Ice" do AC/DC (ambos lançados em 2008) e "Sonic Boom" do KISS, apresentado ao público no último ano. Com toda a certeza, a escolha destes três discos para estear as reflexões sobre o próximo lançamento de Harris e sua equipe não é fruto do acaso. Tais álbuns e seus respectivos resultados podem servir de parâmetro para uma audaz tentativa de entrever quais serão as possibilidades do impacto a ser causado por "The Final Frontier".
Depois de um decênio, acumulado com mais alguns anos, muito "diz-que-diz" e um terrível mau humor, Mr. Rose deu ao mundo tudo aquilo que ele (Axl) queria: o novo disco do dito G 'n' R. Para uns, "Chinese..." representa o hard rock com uma roupagem contemporânea, aberta à experiências eletrônicas e instrumentais. Para outros, é tudo aquilo que qualquer fã do GUNS N' ROSES não queria ouvir, com exceções de algumas faixas, tais quais a que leva o título do álbum e "Madagascar".
"Black Ice", por seu turno, é um típico disco do AC/DC: forte, direto e simples. Se pudessemos retornar no tempo e inserir "Black Ice" como sucessor de "Back in Black" (obviamente, guardando as devidas proporções), ele continuaria soando da mesma maneira. Afinal, o AC/DC nunca quis reinventar seu som ou, ainda, renová-lo. Para eles, bom mesmo é subir no palco, explodir o público com sua energia incansável e ir embora com o sentimento de missão cumprida, coisa que fazem muito bem e, talvez por isso, mantenham com honra o status de uma das maiores bandas de hard rock do mundo.
Já o KISS, excluindo o histórico comercial que possui, procurou com "Sonic Boom" resgatar a sonoridade perdida dos anos 70. Quase conseguiu: é um excelente álbum, mas abreviado pela própria limitação de alguns dos membros do grupo. É impressionante ver a força que Stanley, Simmons, Singer e Thayer demonstram, mas, por certo, perderam (e muito) a vigorosidade de outrora. Não fosse os overdubs e correções de estúdio, com o devido respeito e deferimento, os vocais de Paul provavelmente seriam removidos do disco, por exemplo. Basta ouvir os bootlegs dos primeiros shows da promoção de "Sonic Boom" e da própria "Alive 35 Tour" para confirmar tal prospecto. Ou melhor: basta ir à um show do KISS (como é o caso desde humilde matuto) e perceber a veracidade de tais fatos.
Mas, então, o que será "The Final Frontier"? Uma inovação sem precedentes do som do IRON MAIDEN? Um retorno às origens, em uma forma de despedir-se dos fãs com uma espécie de regalo? Ou uma tentativa de resgate de influências e sonoridade dos trabalhos pretéritos, ainda que se saiba que tal operação seja praticamente impossível?
Fato é que o IRON MAIDEN, desde os seus primeiros passos, sempre deteve coragem o suficiente para criar sua música sem seguir padrões ou, ainda, reformulá-la para lhe tornar mais condizente com seu estado de espírito. Uma coisa se pode afirmar: ninguém poderá condenar o sexteto de singrar por tendências comerciais ou render-se à exigência dos fãs.
Quase todos os discos do Maiden são, literalmente, uma constante a descobrir, com exceção de "Iron Maiden" de 1980 e "Killers", de 1981, cuja produção crua e vibrante acabou por limitar um pouco sua sonoridade, sem contar a performance de Di'anno que, certamente impecável, não pode ser contrastada com a de Dickinson justamente pela extensa diferença de estilo de ambos. Experimente ouvir "The Number of The Beast", "Piece of Mind", "Powerslave" e "Somewhere in Time" em sequência, e busque perceber as modificações (ou renovações) propostas pela banda. Todos são discos clássicos, mas amplamente diferentes entre si, ainda que tenham sido lançados em sucessiva subsequência, fruto de uma mesma época.
Assim, percebemos que o Maiden, ainda que implicitamente, sempre deteve uma inclinação em "renovar" sua construção musical, buscando em outros alicerces elementos capazes de torná-la ainda mais instigante e interessante. Se "The Number..." é a explosão do heavy metal em essência, "Piece of Mind" busca o ouvinte para convidá-lo a ingressar em um ambiente minimalista e ainda mais cru, ao passo que "Powerslave" e "Somewhere..." abrem-se para novas experiências, que vão de letras amplamente extensas à sintetizadores e uma produção de palco quase que teatral.
Os discos que marcaram o retorno de Bruce também evidenciam este ponto de vista. Quase todos esperavam um verdadeiro aríete sonoro provido pelas três guitarras que ora se apresentam, e o que se encontrou foi algo muito melhor: um disco bem trabalhado, esculpido de modo a captar toda a capacidade de cada um. No entanto, não se assemelha em nada com o que o Maiden tenha feito antes. No lugar de "Brave New World", "Dance of Death" apostou na mesma receita e ofereceu canções límpidas e rebuscadas, quase todas com mais de 7 minutos de excelente fomentação musical. Esta nova musicalidade, por mais interessante que seja, acabou por tatuar uma interrogação na cabeça de alguns fãs que estavam pouco acostumados a tais mudanças.
Com "A Matter of Life and Death" essa interrogação passou da cabeça para a alma de muitos headbangers. O ar sombrio do disco e, novamente, as canções longas que quase não repetem nenhuma passagem, aliada à turnê na qual a banda tocava todo o disco em detrimento dos clássicos, que se limitavam a três canções de bis, fizeram com que muitos desacreditassem desta nova "receita" de fazer heavy metal. Fato é que, a partir do retorno de Dickinson, o Maiden adentrou em uma ferrenha briga para não ficar preso ao seu passado e, nas próprias palavras de Janick Gers, "para não tornar-se uma paródia de si mesmo".
Por isso, uma certeza nós podemos vislumbrar: "The Final Frontier" será a continuidade desta luta. Desde já, pode-se descartar com certa segurança as possibilidades de tal disco ser um retorno às origens ou uma tentativa de resgatar o som dos anos 80. Será, provavelmente, uma sequência da trilogia de estúdio iniciada em 2000 com "Brave New World": um disco muito bem feito sob aspecto musical, com o intento de elevar ainda mais a qualidade instrumental da banda. E devemos ficar imensamente gratos com isso.
Nenhum disco ou canção tornam-se clássicos da noite para o dia. Com certeza, "Stairway to Heaven" não foi saudada como pedra fundamental do LED ZEPPELIN quando do lançamento do disco que integrou; nem mesmo "Hot Rats" de FRANK ZAPPA foi recebido com a mesma deferência que lhe é aplicada hoje em dia. Aliás, o próprio "The Number..." foi tido como a primeira pá de terra na cova da banda, antes de se tornar o álbum que é. Muitos dos críticos e fãs que na época do lançamento de "Brave New World", "Dance of Death" e "A Matter of Life and Death" lhe torceram o nariz, hoje garantem que tais obras são essenciais à história da banda.
Em suma: pelo que se observa, é preciso um certo tempo para absorver os novos discos que a Donzela tem lançado. Com certeza, "The Final Frontier" não soará como "Black Ice" soou para os seguidores do AC/DC, ou seja, quase ninguém dirá que ele é um disco comparável aos clássicos da banda. Mas, também, tem-se a certeza de que ele não representará a inovação desmedida e sem sentido de "Chinese Democracy" ou o "quase-resgate" sonoro de "Sonic Boom".
Devemos encarar "The Final Frontier" como o provável capítulo derradeiro do IRON MAIDEN, como o próprio título sugere: a última fronteira a ser transposta por uma banda que não depende de sua história ou seu nome para criar bons discos, ou ainda, que não precisa simplesmente reinventar seu som sem um objetivo maior ou resgatar qualquer coisa em seu passado para se auto afirmar. Maiden é Maiden: fiel à si mesmo, como qualquer grupo que se preze deve ser.
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