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O que rock e rola lá fora...

Postado em 21 de março de 2004

Alguns críticos mais afoitos e sedentos por ganharem rótulos de "vanguardistas" e "modernos" estão sempre plantando revoluções no mundo da música pop em geral, declarando enfaticamente ser este ou aquele grupo ou artista "um revolucionário desbravador" do marasmo e das regras impostas à música pelo mercado fonográfico, este aliás em vias de um colapso mundial em função da pirataria e da febre dos downloads.

A verdade é que a música pop (e também o chamado rock mais pesado) não pode mais inventar sons muito diferentes nem harmonias ou arranjos tão inusitados quanto o fez em tempos já remotos. Em primeiro lugar, porque as tecnologias desenvolveram-se como um raio, explorando suficientemente os recursos de gravação, adornando com efeitos e corretivos de última geração a limitação inerente às construções harmônicas e melódicas da música popular. Em segundo, porque grande parte dos músicos pop continua bebendo em fontes antigas, numa espécie de reciclagem do que foi feito de melhor (e pior) pelos astros de sua infância ou até da infância de seus pais. E o maior número deles tem certa aversão às pesquisas e aos estudos teóricos da música, mantendo-se num espaço previamente demarcado em termos de conhecimento técnico e de audição musical. Qual a saída, então? Na humilde opinião deste amante de rock and roll e de música popular, a energia e o vigor da juventude e do artista (mesmo o mais maduro e de longa estrada) que cria sem se preocupar em cumprir metas ditadas de outro(s) a não ser ele mesmo. Sim, aquela energia de quem ainda não conseguiu entrar no grande esquema de agendas comerciais e contratos rigorosos que pedem um número X de vendas e resultados positivos na contabilidade de empresários e gravadoras. Claro, nem sempre essa ausência de amarras burocráticas produzem resultados empolgantes. E quando consegue, geralmente perde essa essência bruta do segundo ou terceiro disco em diante (também há exceções, óbvio).

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Assim, a arte do garimpo torna-se uma emocionante aventura, desde que não se espere pelos ‘novos Beatles’ (mania da imprensa especializada inglesa, por exemplo) nem pelos novos Sex Pistols, Clash, Joy Division ou seja lá quem for. Se não há propostas musicais realmente inovadoras – e amigos, creiam-me, isso já é impossível até mesmo na área da música erudita e do jazz - há com certeza energia e reciclagem interessantes. E em demasia. Desta vez, vou me limitar à um grupo de Chicago e à um artista de Glasgow, Inglaterra, mas tem muita gente boa aparecendo.


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Frisbie

Os americanos do Frisbie estão na estrada há pelo menos 6 anos, percorrendo várias cidades do interior do país e gravando esporadicamente em selos pequenos da região, participando de coletâneas de artistas independentes. São cinco músicos: Eddie, Zack, Steve, Liam e Ross (não há menção de seus sobrenomes na capa do disco), todos na casa dos 23, 24 anos de idade. Ouvi seu CD lançado em 2000, "The Subversive Sounds Of Love" recentemente, e em princípio torci o nariz, achando-os por demais parecidos com grupos antigos tais como Badfinger (apadrinhados pelos Beatles no final dos anos 60) e Splinter (apadrinhados por George Harrison em meados dos 70), o que naturalmente liga as influências de sua música aos Fabs, bem como à uma boa dose de Beach Boys. A segunda audição, no entanto, desfez essa impressão. A influência está lá, é verdade, mas não há como não reconhecer o talento dos jovens do Frisbie como músicos, o peso que imprimem em suas canções e no apuro dos arranjos que vestem melodias bonitas e assobiáveis, que ora beiram o pop radiofônico mais ‘grudento’, ora os temas de maior bom gosto e de estética elegante resultante do melhor da música popular anglo-americana. "Let’s Get Started", que abre o CD, ilustra o primeiro exemplo, enquanto "Martha" remete ao segundo, expondo a perícia de quem parece ter estudado e praticado com dedicação o seu ofício. O disco saiu pela independente Heardiagonally Records nos EUA, e quem se interessar tem que correr porque está ficando difícil de obte-lo até pela Internet. O Frisbie é uma excelente surpresa e pode ser definido, enfim, como um vigoroso power-pop, uma síntese bem interessante do que de melhor foi feito no gênero até hoje.

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Richard Youngs

Richard Youngs, por sua vez, trás o lado mais vanguardista e experimental dos músicos pop ingleses dos anos 60 até os dias atuais, atuando como uma espécie de retrospectiva do psicodelismo e experimentalismo britânicos. Nascido em Glasgow, o músico de mais ou menos 35 anos teve influências de artistas mais ousados e out-siders em geral, como Robert Wyatt, Peter Hammill (Van Der Graaf Generator) e Syd Barrett. Desenvolveu parcerias com músicos contemporâneos que buscavam a exploração do som, viesse ele de instrumentos como Kazzo, órgãos ‘Casio’, talheres de cozinha, sinos de relógio ou até mesmo os mais antigos sintetizadores moog. Gravou vários de seus discos em casa, com equipamento modesto, montado em seu quarto de dormir. Chegou a gravar com o próprio pai o disco "House Music", que nada tem a ver com o gênero referido, mas foi literalmente gravado com sons criados no cotidiano dentro de sua casa: portas batendo, telefone tocando, cachorro latindo, o pai chamando a mãe, o vizinho consertando o telhado com um martelo e por aí afora. Em outro trabalho, "Radio Séries", Youngs dedicou-se a ‘desconstruir’ o som digital, revelando em composições minimais as partes isoladas do processo tecnológico das gravações digitais. Algo como o raio X desse processo transformado na música em si. A diversificação é marca principal da sua difícil e rara discografia, lançada por pequenos selos em produções totalmente domésticas e difíceis de se localizar em lojas comuns. O que tenho em mãos é o CD "Airs Of The Ear" (Jagjaguwar Records, 2003), com cinco faixas gravadas apenas com violões, sintetizadores e melancólicos vocais. É um banho de folk-psicodélico em plenos anos 2000, com melodias bucólicas e encantadoramente monocórdicas que o velho Syd Barrett provavelmente faria se não tivesse caído em depressão. O destaque é a longa faixa que encerra o disco, "Machaut’s Dream", que sugere a descrição de alguém que sonha em seu quarto iluminado com luzes bem fracas enquanto a chuva cai mansa e continuamente no lado de fora. A música é altamente envolvente e intimista, levando o ouvinte para o mais recôndito espaço interior de seu ser. Stockhausen, Barrett e Dylan dentro da juventude e ousadia de Youngs. Afinal, a música hoje é isso, amigos; nada novo esteticamente e socialmente "revolucionário" (dias estranhos, estes, não?), mas sim o sangue jovem que revigora o velho organismo humano, a ferrugem que nunca dorme (parafraseando o velho Neil Young de 20 anos atrás), a mistura, a reciclagem e, antes que me esqueça, ouvidos ligados nos quatro cantos do mundo.

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