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Um relato detalhado dos problemas em show do Iron Maiden no Rio de Janeiro

Por Haggen Kennedy
Postado em 28 de março de 2011

O dia 27 de março de 2011 deveria ser de alegria e realização, mas graças a imprevistos desastrosos e uma desorganização indigna da cidade que já sediou três Rock in Rios, a apresentação do Iron Maiden viu-se reduzida a uma única música. Sem vocal.

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Tudo começou com os pagantes (frise-se a palavra pagantes) que faziam fila para entrar no HSBC Arena, ginásio com capacidade para 18.000 pessoas, segundo dados oficiais da própria entidade. Como se sabe, tem gente que chega de manhã cedo para tentar marcar lugar nos espaços que oferecem melhor visão do show. Pois a primeira gafe da organização do evento foi justamente em relação a essas pessoas.

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Embora o horário de abertura dos portões estivesse marcado para as 18:30, só às 19:30 começaram a entrar os primeiros pagantes. A essa altura, a fila era quilométrica, dando voltas sobre si mesma (na confusão, por falta de espaço, teve gente que não sabia em que ponto da fila estava). E só mesmo havia mesmo aquela fila, sem diversidade de pontos de entrada: a única forma de acesso era a rampa da parte frontal da HSBC Arena, o que tornou o processo muito mais lento.

Não bastasse o já mencionado atraso, a fila quilométrica e um único ponto de acesso ao ginásio, foram postas também grades em zigue-zague bem em frente à entrada, fazendo com que o processo se tornasse ainda mais vagaroso. Segundo relatos não confirmados, os próprios fãs decidiriam remover as grades, haja vista a condição de mulheres e crianças que estavam sendo esmagadas pela pressão.

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É incerto quantas pessoas chegaram a estar presentes durante o repertório da banda de abertura Shadowside, pois às 20:00 milhares de pessoas ainda batalhavam para entrar no local. O Iron Maiden, que estava previsto para tocar às 20:30, obviamente se viu obrigado a protelar sua apresentação, e os conhecidos acordes de "Doctor, Doctor" soaram apenas meia-hora mais tarde, às 21:10.

Como sempre, o Iron Maiden entrou com força total, e a adrenalina dos presentes se viu concretizada num fato no mínimo curioso: a pista VIP tomava mais espaço que a pista comum. Na prática, isso significa que o espaço idealmente reservado para menos pessoas subitamente se viu preenchido por uma leva de gente que quase não cabia no espaço alocado. A pressão, como se sabe, não é pequena, já que o desejo do público é justamente ficar o mais perto possível do ídolo.

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A finalidade da barreira de proteção entre o público e o palco do artista é dupla: deixar que agentes da imprensa realizem seu trabalho, tirando fotos ou filmando a apresentação; e, mais que isso, servir como limite de segurança para que esses mesmos artistas possam realizar seu show sem ter que se preocupar com a própria vida, e também que aos próprios fãs seja permitido se apoiarem num ponto seguro, a fim de não se machucarem. Imagine a vida sem o alambrado, fãs esmagados contra uma parede que suporta a banda logo acima. Quem passa mal na frente do palco e não tem para onde sair, morre ali mesmo. É importante que o espaço exista, a fim de que o cidadão que não se sinta bem possa ser retirado logo ali pela frente e levado ao posto de atendimento médico mais próximo.

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Mas mais que isso, toda barreira tem um requisito importantíssimo: resistir à pressão. De que serve um alambrado que desmonta? Pois foi isso mesmo que aconteceu: Bruce não tinha sequer chegado ao refrão da primeira música da noite, "The Final Frontier", quando o alambrado simplesmente cedeu, desabando para a frente e caindo por sobre a borda dianteira do palco. O público, hipnotizado pelo poder da Donzela, num piscar de olhos se achou bem ali nos limites do palco, subindo por sobre a grade caída e lutando para conseguir tocar nas vestimentas de algum dos integrantes da banda. O vocalista parou de cantar e o guitarrista Janick Gers, fazendo gestos com a mão enquanto tocava, pediu que os fãs chegassem para trás. Apesar da euforia, a banda manteve uma calma impressionante.

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Já o desvario do público na grade era tão substancial que a princípio foi impossível empurrá-los de volta ao espaço original. Seguranças olhavam para a situação, perdidos, sem saber como conter a multidão que invadia os limites do palco. O fotógrafo oficial da banda por pouco não escapa: momentos antes do alambrado ceder, via-se o indivíduo subindo no palco e correndo em meio à própria banda, no meio da apresentação, para fugir do colapso. Bruce já havia parado de cantar a música e falava ao microfone, pedindo que o público se afastasse do palco para que a produção consertasse a barreira de proteção.

O instrumental tocou a música inteira até o fim, Bruce passando a mão na garganta em sinal de "corta, não tem como fazer o show". Terminado esse primeiro - e único - item do set list, o vocalista novamente pediu que todos tivessem calma e que se afastassem do palco para que a situação pudesse ser remediada. Disse duas ou três vezes que voltaria em 10 minutos, pedindo, em piada, que ninguém saísse dali.

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Não foram dez minutos, e sim quase meia-hora. No ínterim, o manager da banda, Rod Smallwood, chegou a usar uma intérprete para pedir que todos mantivessem a calma e que se afastassem do alambrado, a fim de que pudesse ser reparado. Os que estavam colados na grade se mostravam receosos em deixar o lugar que haviam conquistado com tanto sacrifício, mas algum tempo depois tiverem que ceder. Principalmente quando um membro da equipe segurança chegou a atacar fisicamente, com um porrete, um fã que se recusava a sair dali.

A comoção foi grande, não só à frente do palco, mas em todo o ginásio. Passados 20 minutos de espera, a paciência já se esgotava e a vaia era geral, ecoando por todo o ginásio. Só depois de mais algum tempo surgiu Bruce Dickinson com Fabiana, a intérprete previamente usada por Rod, para dizer ao público que o alambrado se havia quebrado por completo e que, por não querer que ninguém se machucasse, o show seria transferido para o dia seguinte. Disse ainda que a "polícia" (queria dizer ele, a equipe de segurança) havia declarado que pelo resto do show o alambrado não estaria seguro. E assim estava cancelado o show do Iron Maiden no Rio de Janeiro, sendo prorrogado para o próximo dia. Os pagantes poderiam usar o mesmo ingresso que lhes garantiu o acesso no dia 27, e os que não pudessem ir ao evento poderiam obter o reembolso.

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A grande maioria ficou decepcionada, já que um show na segunda-feira não é o mesmo que num domingo. Além disso, nem todos os pagantes são do Rio, tendo que obrigatoriamente perder a apresentação do dia seguinte por obrigações em seus locais de proveniência. Alguns formalizaram a indignação por meio de violência, chutando barras de metal e catracas - uma pequena parte do teto de gesso da entrada da pista VIP chegou a ser depredada -, mas esses exemplos foram exceções. A absoluta maior parte do público deixou o local pacificamente, sem demonstrações de violência, apesar de que suas expressões mostravam grande dor por perder a apresentação da Donzela. Para muitos, a transferência para o dia seguinte não era uma opção. A insatisfação era visível, olhares de incredulidade marcando os rostos dos presentes.

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Do lado de fora houve breve altercação entre alguns indivíduos e a polícia, mas foi mínima, sendo resolvida rapidamente. Ao contrário da propaganda sensacionalista que certos veículos midiáticos adoram usar como forma de alcançar maior divulgação de seus produtos, não houve quebra-quebra generalizado nem qualquer tipo de violência. Houve apenas poucas exceções isoladas e sem maiores repercussões, considerada a gravidade dos acontecimentos.

Em comunicado oficial, cerca de cinco horas após o cancelamento do show, a HSBC Arena se pronunciou com informações tanto para os que desejam e para os que não poderão assistir ao show da banda no dia 28/03/11. O website oficial do Iron Maiden também colocou uma nota em sua seção de "news", dizendo basicamente o mesmo que a HSBC Arena: por decisão conjunta da banda e da organização do evento, o show havia sido transferido para o dia seguinte.

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Assim, o dia 27 de março terminou em frustração para todos aqueles que compareceram ao espetáculo. Em particular para quem se deslocou de longe para o show e passou o dia inteiro numa fila que simbolizou a falta de organização e preparo dos produtores do evento, conjugadas com imprevistos que poderiam ser minimizados caso fossem tomadas medidas relativamente simples.

O mais revoltante, no entando, é testemunhar o modo como certos veículos midiáticos teimam em propagar a notícia de que o culpado de algo dessas proporções é o fã - justamente a maior vítima dessa falta de respeito. Onde já se viu barreira de proteção quebrar por causa de fã? O alambrado do Rock in Rio III consegue segurar 250.000 pessoas, e a do HSBC não consegue segurar 1% dessa monta? Não há como compreender a razão que leva alguém a dizer que o fã que paga 400 reais num ingresso, espera numa fila o dia inteiro, não vê a banda de abertura (e portanto não aproveita o valor do ingresso), é espremido, pisoteado, esmagado, corre o risco de se machucar com um equipamento armengado e defeituoso de uma produção mal preparada, é agredido fisicamente pela equipe de segurança, ainda tem seu show cancelado e volta para casa frustrado... não há como entender em que capacidade ele é o culpado da estória.

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Não, não há como compreender.

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Sobre Haggen Kennedy

Nascido ao fim dos anos 70 e adolescido em meio ao universo metálico, Haggen Heydrich Kennedy já trabalhou e atuou numa vultosa gama de atividades, como o jornalismo, o desenho, a informática, o design e o ensino, além de outros quefazeres. Atualmente vive em Atenas, Grécia, onde estuda História, Arqueologia e Grego Antigo na Universidade de Atenas. A constante nesse turbilhão de ofícios, todavia, sempre constituiu-se de dois fatores: as línguas (ainda hoje trabalha com tradução e interpretação) e a música - esse último elemento, definitivo alimento espiritual.
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