Beatles: como o encontro com Bob Dylan transformou a ambos
Por André Garcia
Postado em 12 de janeiro de 2022
Sexta-feira, 28 de agosto de 1964, num quarto no hotel Delmonico, na Park Avenue com a 59th, em Nova Iorque, o jornalista Al Aronowitz apresentou os Beatles a Bob Dylan. Aquele encontro, onde o americano introduziu os ingleses à maconha, transformou para sempre não só suas carreiras, mas a música pop.
No começo da década de 60 Beatles e Dylan, que regulavam a mesma idade, ainda estavam nos primeiros anos de suas carreiras. Eles também já possuíam uma lista de feitos de fazer inveja a muito veterano, mas as semelhanças paravam por aí.
Nos Estados Unidos, impulsionado por sua presença proeminente em protestos e movimentos de direitos civis, em 1963 Bob Dylan já era considerado o porta-voz de sua geração. Como se não bastasse, ele ainda havia recentemente lançado o hino "Blowin in the Wind" e o disco "The Times They Are a-Changing", repleto de inesquecíveis canções de protesto.
Na Inglaterra, impulsionados por shows cada vez mais frequentes e lotados no Cavern Club, em 1963 os Beatles já eram considerados uma febre entre os jovens de Liverpool. Como se não bastasse, eles ainda haviam recentemente emplacado o hit "She Loves You" e chegado ao topo das paradas com dois álbuns repletos de inesquecíveis sucessos pop.
Um era o que tinha de mais cabeça e transgressor na música americana, caindo nas graças dos universitários intelectuais; o outro era o que tinha de mais chiclete e comercial na música britânica, caindo nas graças das adolescentes histéricas.
Em meados de 1964, os ingleses finalizavam seu primeiro filme, A Hard Day’s Night, deixando pelos Estados Unidos o rastro de loucura chamado beatlemania. Já o americano lançava "Another Side of Bob Dylan", álbum que frustrou seus fãs por se afastar das canções de protesto.
A turnê dos quatro rapazes de Liverpool passou por Nova Iorque e chamou a atenção de um Dylan aflito, em busca de alguma nova direção artística que reacendesse sua chama interior. Tendo sido um grande fã de rock quando garoto, lá ele teve uma epifania que misturou água e óleo em sua mente.
Fato curioso é que quando a banda tocou "She Loves You", o trecho que diz "I can’t hide" (eu não consigo esconder) Dylan entendeu "I get high" (eu fico chapado). Após a apresentação, ele foi ao hotel onde a banda estava hospedado com Aronowitz, um amigo em comum.
Pensando que os Beatles fumavam maconha, Bob Dylan já chegou com alguns baseados. Eles, que nunca tinham fumado, não quiseram fazer papel de careta na frente do herói da contracultura, e decidiram experimentar.
Ringo foi a cobaia e se trancou no banheiro, saindo em uns dois minutos dizendo que tinha visto o teto descendo — depois dali todo mundo quis ir. O empresário Brian Epstein falou que "estava no teto, de tão alto". Paul McCartney descobriu o sentido da vida, apenas para escrever "há seis níveis" num papel e esquecer o significado daquilo logo em seguida.
O encontro foi breve, mas abriu portas que desviaram o curso de suas carreiras. A partir dali eles se reconheceram como parte do mesmo mundo, e cada um levou o para o seu o que encontrou de melhor no do outro.
Nos álbuns seguintes de Dylan, "Bringing it All Back Home" e "Highway 61 Revisited", o folk messiânico do violão deu lugar ao pop elétrico da guitarra, e o acompanhamento de uma banda de rock. Nos álbuns seguintes dos Beatles, "Beatles for Sale" e "HELP!", as letras se tornaram mais sérias e pessoais, as composições mais maduras, e a sonoridade ganhou toques de psicodelia.
O passo seguinte de Dylan foi lançar "Blonde on Blonde", mergulhando em um som mais cru, com a sonoridade do blues embalando melodias grandiosas. O passo seguinte dos Beatles foi lançar "Rubber Soul", mergulhando em um som mais complexo, com experimentações sonoras embalando melodias grandiosas.
Tudo isso comprova que em Nova Iorque, na noite de 28 de agosto de 1964, dois mundos opostos se colidiram e deram origem àquilo que conhecemos como música pop. E tudo isso porque Bob Dylan ouviu uma palavra errado.
FONTE:
https://www.theguardian.com/music/2014/aug/27/when-bob-dylan-met-the-beatles
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