"Farsa" da Mobile Fidelity abre crise no conceito de "áudio puramente analógico"
Por Bruce William
Postado em 08 de agosto de 2022
Saiu no Washington Post: Mike Esposito é proprietário de uma loja de discos de vinil em Phoenix que posta vídeos no youtube. E um destes vídeos caiu como uma bomba no universo dos audiófilos pois nele Mike afirma saber por "fontes seguras" que os trabalhos produzidos pela MoFi (Mobile Fidelity), empresa que se gaba de lançar no mercado discos com a maior qualidade possível, que vêm inclusive grafados com a expressão "Original Master Recording", na verdade usa arquivos digitais no processo de masterização, o que horroriza por completo os puristas que apregoam a qualidade superior do áudio "totalmente analógico".
A princípio alguns especialistas tentaram defender a MoFi fazendo posts em grupos de discussão especializados onde acusavam Mike de espalhar boatos infundados para ganhar visualizações no youtube, até que o vice-presidente de desenvolvimento da companhia decidiu ligar para Mike e convidá-lo a pegar um avião e ir para a Califórnia conhecer pessoalmente o processo de fabricação da MoFi.
Na verdade, a acusação de Mike não era que a empresa não entregava bons produtos - ele inclusive apontava no vídeo que alguns dos discos lançados pela MoFi são seus favoritos de sempre - mas ficou decepcionado ao saber que vinha sendo enganado todo este tempo.
E o resultado da viagem não poderia ter sido pior: Mike ouviu da boca de engenheiros de som da empresa que aquilo era verdade, havia sim um processo digital na produção dos discos da MoFi, conforme ele relatou em outro vídeo. "É o maior desastre que já aconteceu no meio do vinil", "Eles mentiram o tempo todo para a gente" e "Eu nunca teria encomendado um único produto Mobile Fidelity se soubesse que era proveniente de uma matriz digital" estão entre os comentários feitos nos fóruns especialistas desde então.
Ao contrário do que muitos pensam, grande parte das gravadoras usam arquivos digitais para fazer álbuns o tempo todo, é a norma da indústria há mais de uma década. Mas algumas fábricas especializadas – a Analogue Productions, com sede no Kansas, a Electric Recording Co. de Londres e a MoFi entre elas – há muito defendem o "calor" do analógico. "Não que você não possa fazer bons discos com o digital, mas não fica tão natural como quando você usa a fita master original", diz Bernie Grundman, engenheiro de masterização que trabalhou nas gravações originais de "Aja" do Steely Dan, "Thriller" de Michael Jackson e "The Chronic" do Dr. Dre, dentre inúmeros outros.
A MoFi foi fundada em 1977 para produzir material direcionado para audiófilos. A empresa cresceu durante a década de 1980, mas em 1999, com as vendas de vinil despencando, acabou declarando falência. Jim Davis, proprietário da Music Direct, com sede em Chicago, empresa especializada em equipamentos de áudio, comprou a gravadora e reviveu a MoFi. Em vários de seus lançamentos, a empresa inclui um folheto descrevendo em detalhes como cria seus discos, mas sutilmente omitindo qualquer menção a uma etapa digital. Durante o recente ressurgimento do vinil (as vendas de vinil em 2021 atingiram sua marca mais alta em 30 anos), os lançamentos especiais da MoFi se esgotam rapidamente e só são encontrados depois em lojas de usados a preços muito mais elevados.
E no início deste ano, a MoFi anunciou uma reedição do "Thriller" lançado por Michael Jackson em 1982 usando um processo chamado "One Step". No comunicado de imprensa informaram que a tiragem seria de 40 mil cópias. Mas um especialista alemão, Michael Ludwigs, questionou como isto poderia ser possível, pois o processo de fabricação "One Step" faria com que a fita original tivesse que ser executada dezenas de vezes para resultar numa quantidade tão grande de cópias, e dificilmente a gravadora que detém a master permitiria que isto acontecesse. "Esse é o tipo de coisa que deteriora a fita", diz Grundman. "Foi aí que eu acho que todo mundo começou a se perguntar se havia algo errado", disse Ryan K. Smith, engenheiro de masterização da Sterling Sound.
A revelação feita pela MoFi faz boa parte da comunidade audiófila entrar em uma espécie de crise existencial. A qualidade da música digitalizada tem sido criticada há muito tempo por causa da quantidade de dados que são excluídos dos arquivos para que os MP3s possam caber em dispositivos móveis. Mas hoje em dia, com o equipamento certo, as gravações digitais em arquivos lossless podem ser tão boas que podem enganar até os melhores ouvidos. Muitos dos discos que foram produzidos pela MoFi estão em várias listas de melhores álbuns análogicos de todos os tempos.
Por fim, Randy Braun, um audiófilo e advogado em Nova York, disse que com isto fica comprovado o que ele vêm dizendo há anos, que a massa de pessoas que são contra o formato digital está mentindo para si mesma: "Estes que afirmam ter ouvidos de ouro e que podem notar a diferença entre o formato analógico e o digital, bem, parece que vocês na verdade não conseguem fazer isto".
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