O erro das bandas de rock brasileiras dos anos 60 e 70 que causou uma década de atraso
Por Bruce William
Postado em 16 de janeiro de 2023
No livro "Pavões Misteriosos: A Explosão da Música Pop no Brasil 1974-1983", André Barcinski fala sobre o fenômeno dos "falsos gringos", que eram artistas brasileiros que não somente cantavam em inglês mas chegavam ao ponto de usar nomes estrangeiros para se passar por artistas internacionais. "A onda dos falsos gringos era coisa antiga no pop brasileiro. Desde o início dos anos 1960, vários artistas nacionais fizeram carreira cantando em inglês ou imitando astros do pop estrangeiro", relata André no capítulo em que conta a história de artistas como Prini Lorez (José Gagliardi Filho), Morris Albert (Maurício Alberto), Dave D. Robinson (José Eduardo Pontes de Paiva ou Dudu França), Mark Davis (Fábio Júnior), Steve MacLean (Hélio Costa Manso) e outros.
"Confusões entre artistas nacionais e estrangeiros não eram incomuns no Brasil. Como os discos em inglês demoravam a ser lançados aqui, muitos clones acabam chegando às lojas antes dos originais", explica André. E conforme relata Luiz Calanca, da Baratos Afins, na década de 1960 discos estrangeiros chegavam a demorar dois anos para sair no país. "Eu trabalhava em farmácia e discotecava em bailinhos. A gente ouvia o Ronnie Cord e Renato & Seus Blue Caps cantando versões dos Beatles antes de conhecer as músicas originais. Então, quando ouvíamos os Beatles achávamos que eles é que estavam imitando Renato & Seus Blue Caps".
Um dos nomes importantes citados por André no texto é o de Antonio Paladino, lojista paulistano que notou a demora nas gravadoras de lançar os discos que faziam sucesso lá fora ou que muitas vezes sequer eram lançados, e um dia teve a ideia de montar grupos brasileiros que gravassem as músicas por aqui: "Em 1966 ele percebeu que duas músicas famosas no exterior não haviam sido lançadas aqui: 'See you in september' do grupo The Happenings e 'Sunny' de Bobby Hebb. Ele procurou Hélio Costa Manso, cantor do grupo de rock paulistano The Mustangs, que faziam shows de covers em inglês, e contratou a banda para gravar um compacto com as duas canções. O disco saiu com o nome The Happiness. 'O pessoal ouvia a música original no rádio e, sem saber o que tinha ouvido, dizia na loja: Ontem ouvi uma banda, não lembro direito o nome, acho que é happy não sei o quê... o vendedor então respondia: 'É essa!', e sacava o nosso disco. O cliente sempre levava', conta Hélio".
Como André conta, os covers não eram ilegais, bastava a gravadora ou o artista pedir autorização e pagar à editora que representava o autor. "No fim dos anos 1960, a falta de informação do público e o pequeno número de brasileiros que falavam inglês foram fatores que incentivaram essa indústria dos falsos americanos". Neste meio tempo houve quem começasse a produzir canções próprias escritas no idioma do Tio Sam, e até mesmo o inglês imperfeito não era uma barreira. Fábio Jr. contou para o pesquisador Marcelo Fróes que evitava até conversar com as fãs, para que não percebessem que Mark Davis não era norte-americano. E outro aspecto positivo também citado por André é que canções estrangeiras não passavam pelo Departamento de Censura da época, e não corriam o risco de serem proibidas.
Mas, infelizmente, essa busca pelo sucesso momentâneo pode ter impedido que esses artistas tenham fincado de forma mais marcante seu nome na história do Rock brasileiro: "Cantar em inglês foi o caminho que muitos artistas encontraram para obter algum destaque na cena musical. O idioma, entretanto, limitava a chance de conseguirem um sucesso mais duradouro", diz André, reproduzindo em seguida a fala de Hélio Costa Manso: "As bandas que tocavam nos anos sessenta, como Sundays, Lee Jackson, Memphis, Kompha e Watt 69, é que deveriam ter criado o rock nacional do Brasil. A gente tinha o aparato tecnológico, tinha expertise para tocar Beatles, Led Zeppelin e Deep Purple, tinha tudo na mão. Mas havia um problema: tínhamos vergonha de cantar em português. Se nós tivéssemos enxergado que poderíamos ter sido ídolos cantando rock em português, a revolução que chegou nos anos oitenta teria chegado em 1971 ou 72", desabafou Hélio, que depois se tornou diretor da gravadora RGE e posteriormente da Som Livre, onde ficou durante muitos anos.
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