O hit do Ira! que Edgard Scandurra se arrependeu de escrever: "Metáforas infelizes"
Por Gustavo Maiato
Postado em 22 de novembro de 2024
Durante participação no podcast MPB Bossa, Edgard Scandurra, guitarrista e um dos fundadores do Ira!, revisitou um dos momentos mais controversos de sua trajetória musical. A canção "Pobre Paulista", lançada em 1985 no disco "Mudança de Comportamento", foi alvo do músico, que reconheceu os erros da composição escrita na adolescência e o impacto negativo de suas palavras.
"É muito triste ver uma música sendo taxada de preconceituosa, principalmente uma música que foi feita quando eu era adolescente, quando nem eu sabia direito o que eu estava querendo dizer com ela. Talvez o que seja importante dizer é que, apesar de muita gente criticar o politicamente correto, eu acho que é essencial você ter consciência do que está dizendo, porque corre o risco de atingir pessoas", comentou Scandurra.
O guitarrista explicou que, na época, a letra era um reflexo da rebeldia típica da juventude. "Quando escrevi aqueles versos, eu estava no universo do adolescente que eu era, e, na época, a ideia era mais atingir meus pais, os professores que eu não gostava, as pessoas mais velhas. Nunca fui um bom aluno, sabe? A coisa acabou tomando uma proporção preconceituosa, como se fosse algo extremamente bairrista em relação a São Paulo. Usei muitas metáforas infelizes para falar de pessoas sem citar nomes, e isso acabou atingindo gente que eu não queria atingir."
Scandurra também destacou a influência do movimento punk em sua visão na época. "Ao mesmo tempo, tinha aquela coisa punk dentro de mim, que achava legal ter uma polêmica. Por um momento, pensei: ‘Ah, tudo bem, minha consciência está tranquila, e essa polêmica pode ser boa.’ Mas não é boa. Não é bom ouvir alguém dizer: ‘Poxa, aquela letra que você fez é preconceituosa.’ Hoje, com 62 anos, com filhos e com toda uma vida, eu vejo que isso não faz sentido. Amo meu país, amo as pessoas, e não tem motivo para isso."
A banda decidiu não tocar mais a música há cerca de duas décadas, como explicou o guitarrista. "Quando começaram a levar a sério, decidi: ‘Não vamos mais tocar essa música.’ Acho que já faz mais de 20 anos que não tocamos ‘Pobre Paulista’. Não faz sentido insistir. Estamos em um momento de polarização. Tem pessoas que são preconceituosas e um público do rock que, infelizmente, é extremamente conservador. Mas eu faria outra letra hoje, com certeza, uma que passasse muito longe de qualquer interpretação equivocada que pudesse ser considerada preconceituosa."
Scandurra também contextualizou o ambiente musical da época em que a música foi escrita e gravada, ressaltando o contraste entre sua abordagem e o tratamento comum às canções que celebravam cidades brasileiras. "Naquela época, parecia que todas as músicas que falavam de cidades eram para enaltecer os lugares. Rio de Janeiro, Bahia... ‘Bahia que não me sai do pensamento’, ‘Rio de Janeiro, gosto de você’, ‘Minas Gerais...’ E eu, como punk, pensei: ‘Sou uma banda punk, vou falar de São Paulo de um jeito ruim.’ E aí escolhi mal as palavras."
Ao final da reflexão, o músico reconheceu que sua juventude e falta de experiência contribuíram para os erros. "Escrevi isso muito jovem. Acho que isso explica meu desconhecimento das coisas na época. A ideia de pagar um preço para ter uma música que gere interpretações erradas parecia fazer sentido, mas não faz. É um preço muito alto, e não vale a pena."
Hoje, Scandurra enxerga a importância de tratar com seriedade temas sociais e políticos. "Depois, quando comecei a entender melhor as diferenças sociais, a pobreza extrema de uma grande massa perto da riqueza de uma minoria, percebi que certas coisas não podem ser tratadas com leviandade. Há bandeiras muito importantes a serem levantadas no Brasil."
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