Os "Divertidamentes" na cabeça de um headbanger travam a batalha final
Por Gustavo Maiato
Postado em 06 de maio de 2025
Tudo começa numa manhã nublada de sábado, quando o despertador toca ao som de "Painkiller", do Judas Priest. Lá dentro, na central emocional da mente de Rogério — 52 anos, técnico em eletrônica, fã de metal desde os tempos em que o cabelo ainda alcançava os ombros —, seus Divertidamentes tomam suas posições.


Raiva, de camiseta preta e cabelo espetado, é o primeiro a reagir.
— O QUÊ? Essa porcaria de "Sleep Token" tá viralizando DE NOVO? Isso nem é metal, é baladinha com auto-tune!
Nojinho, que costuma cuidar da curadoria musical do Spotify, revira os olhos.
— É... meio teatral demais, né? Olha essa capa de álbum... tem símbolo esotérico, tem máscara, tem VÍDEO CONCEITUAL. Me recuso!
Alegria, saltitante com uma camisa do Iron Maiden e um button do Dio, tenta amenizar.
— Mas gente! Não precisa odiar tudo! Tem peso, tem emoção. E olha só, essa nova do Spiritbox é bem legalzinha! Tem breakdown!
Tristeza, sentada num canto ouvindo Fade to Black, suspira fundo.
— Às vezes eu só queria que tudo fosse como antes. Quando o máximo de polêmica era usar maquiagem igual ao King Diamond...

Medo, tremendo atrás do amplificador, balbucia:
— E se… e se essas bandas novas forem o futuro e a gente ficar pra trás? E se ninguém mais souber quem foi o Lemmy?
O clima esquenta. No fundo da mente de Rogério, os neurônios comandados pelos Divertidamentes começam a fritar como um solo de guitarra em 1984. Cada emoção tem seu argumento, cada uma defende sua verdade. O caos está instaurado.
A chegada de um novo operador: Ansiedade
No meio da discussão, chega Ansiedade, usando dois fones de ouvido diferentes, quatro abas de YouTube abertas e o celular tremendo com notificações de lançamento.
— GENTE, vocês viram que o novo álbum do Gojira sai semana que vem, mas o vocalista do Lorna Shore deu unfollow no baterista do Architects e tem um post misterioso no X (antigo Twitter) sobre isso? E se isso afetar o som? E se a gente não gostar?

Alegria tenta respirar fundo. Raiva quer quebrar o rádio. Tristeza só balança a cabeça.
A geração Z pede passagem
Nesse momento, algo inesperado acontece. Um neurônio novato, identificado como BangerZ-23, pede licença para falar. Ele representa o lado mais jovem da mente de Rogério, aquele que vez ou outra se aventura por playlists novas ou ouve algo diferente escondido.
— Eu sei que vocês preferem o Slayer, mas... vocês já tentaram ouvir o que essa galera nova tem feito com uma mente aberta? Tipo Zeal & Ardor, que mistura black metal com música gospel afro-americana? Ou Vola, que é prog com eletrônico? É diferente, mas ainda é metal. Só... de outro jeito.
Raiva engasga com a cerveja. Nojinho faz cara de quem provou tofu estragado. Alegria dá um pulinho.

— Gente, ele tem um ponto. O metal sempre foi rebeldia, lembra? Quando o Sabbath apareceu, o povo também achava "barulho de doido".
Medo ainda hesita, mas acaba murmurando:
— E se... a gente escutasse só um pouquinho?
Tristeza, com lágrimas nos olhos, solta:
— Pode ser bom... ou pode machucar... mas vamos tentar.
E assim nasce uma nova playlist
A conciliação começa com um riff conhecido: "Master of Puppets", claro. Mas logo em seguida entra "Circle With Me", do Spiritbox. Depois, um pulo para "The Pot", do Tool. Em seguida, "Pain Remains", do Lorna Shore. A playlist vai ganhando forma, com clássicos e novidades lado a lado, como quem diz: "Não precisa escolher um só caminho quando dá pra seguir os dois."

No fundo da central emocional, Ansiedade ainda está inquieta, mas agora acompanha o ritmo com o pé. Alegria está empolgada. Tristeza sorri discretamente. Nojinho está fazendo uma careta menos intensa. E Raiva, pela primeira vez, só balança a cabeça no compasso do riff. Medo, finalmente, está quietinho — e curioso.
Lá fora, Rogério conecta o celular ao som do carro. Coloca a nova playlist. Vai de "Holy Wars" para Tatiana Shmayluk. De Black Sabbath para Sleep Token. O volume sobe. Ele acelera. E pensa:
— Ok... pode ser que não seja o fim do metal, afinal.
Na central de comando, todos se olham. E Alegria sussurra:
— Que bom que não somos só uma coisa. Que bom que podemos mudar.

Ao fundo, o riff continua.
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