Autoramas: Gabriel Thomaz fala dos 15 anos do Autoramas
Por Crysthian Gonçalves
Fonte: Guitar Talks
Postado em 04 de abril de 2013
O cenário independente no Brasil ainda continua forte e com representantes de peso, mesmo com a divisão entre aqueles que fazem algo e os que não fazem nada pela cena. "Se só o Autoramas fizer, não haverá um cenário. Existem muitas bandas independentes que não fazem nada, que só tem o rótulo de independente." afirmou Gabriel Thomaz.
Mesmo assim, se você tem uma banda e está lutando pelo reconhecimento, a prova de que isso pode dar certo se você tiver força de vontade e dedicação vem do Autoramas.
O trio formado pelo vocalista e guitarrista Gabriel Thomaz, o baterista Bacalhau e a baixista Flavinha, é considerado como uma das bandas mais importantes do cenário independente do Brasil.
O Autoramas rompeu as fronteiras brasileiras embarcando agora para sua 10ª turnê Europeia. Os shows, que se estenderão em território nacional também, fazem parte de uma série de comemorações aos 15 anos de carreira do grupo, completados em 2013.
Gabriel Thomaz conversou com o Guitar Talks e dividiu suas opiniões sobre a cena independente, falou sobre os shows fora do país, parcerias, o último disco "Música Crocante", suas influências, histórias da banda e as grandes comemorações da festa de debutante do Autoramas.
Guitar Talks - Vocês são considerados uma das maiores bandas no cenário independente nacional. Como você enxerga a cena atualmente?
Gabriel Thomaz - Cara, eu enxergo que nunca foi tão boa. Hoje o cenário independente é uma coisa real, verdadeira. Quando começamos a tocar dizia-se que o independente era amador, iniciante. Era pra banda que não tinha assinado com uma gravadora. Hoje em dia esse conceito mudou completamente. E acho que o Autoramas é um dos responsáveis disso, não por uma questão de levantar nenhuma bandeira, mas por termos provado que dá pra ser profissional na cena independente. Aliás, provar também não é a palavra certa, a gente simplesmente foi e fez. Só que tem muita gente que precisava dessa afirmação. Mas eu também não estou nem aí pra essa galera! (risos)
GT - Com o sucesso que vocês foram alcançando, fizeram muitas turnês pela Europa, não é?
Gabriel Thomaz - Europa, Argentina, Peru, Chile, Uruguai, Japão. Vários países do mundo.
GT - Como foi a resposta do público lá fora?
Gabriel Thomaz - Maravilhosa. Sempre muito boa.
GT - E vocês estão com uma turnê marcada pra março?
Gabriel Thomaz - Sim, vai ser nossa 10ª turnê pela Europa. O que é uma coisa inacreditável. Eu me lembro de sonhar em fazer um show fora do Brasil, e agora estamos aí completando a 10ª turnê na Europa. É uma loucura, é muito legal. Fico muito feliz em pensar nisso e ver como nós conseguimos idealizar uma coisa na cabeça e tornar isso real.
GT - Falando nas suas composições, você tem algumas parceiras com outras bandas, como o Raimundos na letra de "I Saw You Saying". Como foi essa parceria na época?
Gabriel Thomaz - Cara, nós sempre fomos muito amigos. Começamos juntos em Brasília. O Rodolfo, Canisso, Fred sempre foram muito amigos. O Rodolfo estava querendo uma música naquele estilo e ele não tinha muito a manha de fazer, compunha mais hardcore (tagatagatagataga), sabe essas coisas assim, que era a pilha dele, a praia dele. E mandou muito bem nisso. As letras quilométricas, cantadas muito rápidas e tal, sempre foi muito bom. O considero um grande letrista. Só que aí ele precisava de uma música mais melódica, mais com uma cara anos 60, daí ele me chamou. Falou que tinha uma ideia, mais ou menos, de um cara que não sabia falar em inglês e nós desenvolvemos a música. Fizemos numa noite. E depois eles regravaram uma música da minha antiga banda, o Little Quail, que foi "Aquela", que também fez muito sucesso. Depois eles regravaram, já sem o Rodolfo, uma música minha chamada "Atitude Severa".
O Ultraje também toca algumas músicas minhas, a Érica Martins (ex-Penélope), o Canastra que, é uma grande banda aqui do Rio, também. Eu fico muito feliz. É muito legal você ter uma ideia e as pessoas confiarem em você para ter no trabalho delas. "I Saw You Saying" é uma música que todo mundo conhece, é um grande hit, até o Autoramas toca nos shows algumas vezes e é muito bom ver o povo todo cantar.
GT - O Autoramas já participou de diversos tributos aos Beatles.
Gabriel Thomaz - Foi uma série que nós acabamos participando de todos. Um foi homenageando o disco Abbey Road, outro o Magic Mistery Tour, o outro o Álbum Branco. Todos eles foram produzidos pelo Marcelo Fróes. Ele nos chamou desde o primeira.
GT - E qual é a relação dos Beatles com vocês?
Gabriel Thomaz - Dos Beatles? Eu sempre ouvi os Beatles. A Flavinha, por exemplo, é uma grande fã dos Beatles, o Bacalhau sempre foi também. Eu tenho tudo dos Beatles, ouvi muito principalmente quando eu era criança, formação que toda nossa geração trouxe dos pais, sabe? Não precisamos comprar os discos, já tínhamos em casa. Então é isso aí, eu tenho uma preferência especial pela parte mais rock and roll, mais punk deles, a coisa crua, sabe? John Lennon energético com Paul McCartney dando aqueles gritos assim "Uaaaaaaaau". Gosto mais disso. Mas eu gosto de tudo, com certeza.
GT - Eu também particularmente prefiro essa fase!
Gabriel Thomaz - É, virou meio moda a galera curtir mais os Beatles orquestrados e tal. Mas cara, a obra das bandas, não só dos Beatles, mas os grupos que vieram dos anos 60 que estão aí até hoje na cabeça e na boca das pessoas, é muito vasta. São bandas que são de uma época em que o principal trabalho era lançar discos e compor. Então tem muita coisa que dá para curtir de montão. Eu vejo hoje a galera curtindo uma fase mais, sei lá, mais Sgt. Peppers, Yellow Submarine, orquestras. Eu gosto mais das guitarras e da gritaria!
GT - Por que mulheres no baixo?
Gabriel Thomaz - Quem conhece a banda desde o início sabe que é porque nós precisamos de um vocal feminino. Por isso tem que ter uma mulher. É legal manter a formação de trio, então tem que ser uma mulher sempre para cantar também.
GT - Em 2009 vocês receberam a proposta da MTV pra gravar o DVD Desplugado. Foi você mesmo que o produziu?
Gabriel Thomaz - Foi.
GT - Como que rolou essa proposta e a produção?
Gabriel Thomaz - Na realidade foi uma ideia que partiu da gente e fomos lá falar com eles. Nós que bancamos, nós que fizemos tudo. Queríamos fazer uma coisa diferente, que acrescentasse no nosso trabalho. Já sentíamos que estávamos cantando e tocando melhor, por isso queríamos fazer alguma coisa diferente, com outra textura. Com esse intuito totalmente artístico, o trabalho ficou muito legal. Tenho um grande orgulho do "Desplugado", acho que mostrou principalmente que estávamos cantando muito melhor e gerou um resultado excelente.
Existe meio que um padrão de fazer os acústicos da MTV, que é de pegar os hits e transformar num formato mais atual. Não fizemos isso. Pegamos músicas desconhecidas. A intenção foi totalmente artística. Não gravamos "Fale Mal de Mim", "Você Sabe", "Carinha Triste". Pegamos outras músicas que tínhamos vontade de colocar no repertório, mas não cabiam no show normal. Chamamos participações, outros instrumentos como guitarra com slide, acordeón, castanholas.
GT - O fato de você ter produzido o álbum acabou deixando isso um pouco mais livre para vocês?
Gabriel Thomaz - Foi exatamente isso. As ideias nós tivemos, e o pessoal estava ali para torná-las realidade. Aí é que está o negócio. Por isso que fui eu que produzi. Sei lá, se chamássemos um produtor acostumado a fazer isso, talvez as pessoas achariam que foi tudo ideia dele, mas veio tudo da nossa cabeça.
GT - O Frejat teve uma participação na faixa "Sonhador" nesse DVD, e vocês vão abrir o show do Barão Vermelho agora em Porto Alegre.
Gabriel Thomaz - Eles nos convidaram pra abrir a turnê toda, só que estamos com muita coisa marcada. Aí abrimos o primeiro show aqui no Rio, e o Frejat mesmo falou para nós: "Não é o show de abertura, vocês são a nossa banda convidada." Enfim, é isso. Nós sempre admiramos muito o Barão Vermelho. Tanto o som quanto a postura da galera. Eu acho o Frejat uma figura muito legal e muito generosa. Temos uma sintonia boa com pessoas assim como ele, então é o maior barato. Agora a turnê já está acabando e conseguimos encaixar mais três shows com eles. Íamos fazer só um, mas agora vamos fazer quatro. No Rio de Janeiro, Porto Alegre, depois Curitiba e Vitória.
GT - Agora falando um pouco do último CD. Vocês usaram um sistema de financiamento coletivo com o intuito de arrecadar fundos para o "Música Crocante". Como foi o retorno do público?
Gabriel Thomaz - Pô, o resultado está aí. O retorno foi de tudo o que a gente precisava. Precisávamos de uma grana "x" e até passou. Nós sempre temos o apoio do público nas loucuras que fazemos. Dessa vez conseguimos provar; provar não, ver, comprovar que a galera quer as nossas inspirações mesmo antes de ouvir. Então é muito bom, cara. É um privilégio muito grande ter a confiança do público.
GT - E no álbum tem uma participação do Jô Soares?
Gabriel Thomaz - Exatamente!
GT - Como que aconteceu esse convite?
Gabriel Thomaz - Queríamos gravar uma música com um bongô, só que não sabíamos quem poderia gravar. Então pensamos: "Quem toca bongô?" Aí todo mundo: "Ah, o Jô Soares que é o top do bongô!".
GT - E ele topou na hora?
Gabriel Thomaz - Sim! Um cara do estúdio mandou e voltou gravado. Não sei se foi ele que gravou, mas por vias das dúvidas botamos o crédito para ele e agradecemos.
GT - A arte do "Música Crocante" concorreu no VMB como melhor capa em 2012. O que vocês quiseram passar para o público com aquela capa?
Gabriel Thomaz - Cara... diversão, coisas deliciosas e principalmente o nome do disco, que é "Música Crocante". "Música" é uma coisa que você ouve, "Crocante" é uma coisa que você come. Então fica essa mistura de sentidos e nós quisemos fazer isso. E realmente achamos que a nossa música é bem crocante. A capa foi feita pra ilustrar essa ideia.
GT - Quem assinou a arte?
Gabriel Thomaz - Foram dois mineiros, lá de Belo Horizonte. Eles têm uma empresa chamada 45 Jujubas. O Juliano e o Dante, que são gênios, e já tinham feito uma capa nossa para uma coletânea que saiu na Europa chamada "14 Laps". Gostamos tanto do trabalho que resolvemos confiar neles mais uma vez. É engraçado; ao decorrer da entrevista a gente vai falando de confiança. E é legal querermos fazer coisas artísticas, legais, loucuras que vem da nossa cabeça, e poder contar com essas pessoas. Assim como eu confio na Flavinha, no Bacalhau, na banda, nos parceiros musicais, confio nas pessoas que gravam minhas músicas, que fazem nossos clipes, nossa capa, sabe? É isso. Essa que é jogada!
GT - Você acha que isso vem do espírito independente?
Gabriel Thomaz - Não sei se isso tem a ver com coisas de independente. O independente para nós é uma coisa até engraçada. Muitas vezes damos uma entrevista e falamos muito mais da maneira de como a gente é independente e da maneira como conseguimos realizar nossos projetos do que da própria música. E ela é a matéria prima de tudo. Cara, eu não sei se ´ser independente´ tem a ver na relação com outras galeras. É fazermos nosso som sem precisar ter o aval de uma empresa, um diretor, um cartola, sabe? É isso que é ser independente. É ter nossas ideias e ir em frente, esse que é o negócio. Não sei se tem muito a ver em existir um cenário.
Acho que o cenário existe quando têm várias pessoas, bandas, artistas, interessados, que estão fazendo coisas parecidas. Aí existe um cenário. Se só o Autoramas fizer, não vai haver um cenário. Existem muitas bandas independentes que não fazem nada, que só tem o rótulo de independente. E que não contribuem em nada com o "cenário". E estão ali dizendo: "Ah, eu sou da cena independente." Pô, legal, beleza. Quero mais é que essas pessoas façam parte do cenário, não por causa de um rótulo, mas sim por atitude, resultado, por música, turnê, discos lançados. É isso que eu acho legal.
GT - Vocês estão completando 15 anos de estrada agora. Quais são as comemorações pra essa data?
Gabriel Thomaz - A gente fez uma turnê com uma banda dinamarquesa, Columbian Neckties, que é um grande grupo e foi um sucesso com todos os shows superlotados. E agora vamos fazer nossa 10ª turnê na Europa. Chegando, vamos lançar o nosso DVD "Autoramas Internacional", que também mostra nossas turnês fora e dentro do Brasil. Depois vamos relançar o "Nada Pode Parar", que talvez seja o nosso disco mais clássico. Vamos fazer uma edição luxuosa de comemoração. E é isso. Tem mais coisa, mas eu não posso contar ainda! Isso é para o primeiro trimestre!
GT - Pensam em gravar um novo álbum?
Gabriel Thomaz - Estamos compondo, tendo ideias de músicas, mas eu não sei quando pode sair um novo disco. Vamos indo com calma, como numa gestação, com amor, tranquilidade. O "Música Crocante" ainda tem muita coisa pra dar!
GT - Você tem alguma história curiosa pra contar pra gente, alguma coisa que já aconteceu durante esses 15 anos de estrada?
Gabriel Thomaz - Nossa, tem muitas. Essa pergunta é difícil! (risos) Muitas. Já fiz de tudo. Já deixei de pagar gasolina na Europa, que é self-service, e só notei 30 km depois. Aí voltei e ninguém tinha pegado na bomba ainda, paguei e fui embora. Cara, já chegamos a um show na Alemanha em cima da hora, com a banda de abertura tocando a última música. Nós conseguimos chegar ao local do show depois do avião ter atrasado e termos perdido bagagem. Já vi o Bacalhau regendo um coral de velhinhas em meio a um caos aéreo!
GT - Como foi essa história do coral de velhinhas?
Gabriel Thomaz - Tinham umas velhinhas reclamando, só que estavam reclamando meio que baixinho. Aí o Bacalhau meio que percebeu e falou: "Gente, temos que protestar, tem que falar". Aí ele falava as coisas e as velhinhas repetiam. Já fizemos tanta coisa!
GT - Muito obrigado pela entrevista. Você gostaria de deixar algum recado para os leitores do Guitar Talks e fãs do Autoramas?
Gabriel Thomaz - Sim! Seja você mesmo. Não acredite no que tentam enfiar na sua goela. Muito obrigado! Um grande abraço!
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