The Doors: "Strange Days", a banda em uma faceta mais sombria
Resenha - Strange Days - Doors
Por Tiago Meneses
Postado em 15 de setembro de 2017
THE DOORS é um grupo incrível. Cada um dos músicos são extremamente competente e talentoso em suas funções, mas a música é secundária a aquilo que eles fazem. São bastante anti comerciais em sua abordagem e posição e ainda assim o produto quando acabado soa altamente comercial. E também parece que existe um apelo direto ao mercado pubescente por parte do vocalista JIM MORRISON, mas basta olhar de forma mais aprofundada e percebe que ele também não é isso.
Strange Days, disco que igualmente ao de estreia da banda, também está fazendo 50 anos em 2007, foi gravado entre Maio e Agosto de 1967 no mesmo estúdio do anterior, Sunset Sound Recorders em Hollywood e lançado pouco mais de nove meses depois do seu debut. Embora talvez menos inovador e impactante, também mostra a banda em uma faceta mais sombria. As letras são mais obscuras, estranhas e pessoais, a bateria é mais presente, os trabalhos de guitarras soam mais assombrosos e os teclados mais psicodélicos, narcóticos e indutores de viagens.
O forte mais do que na individualidade de cada um está na maneira como sabiam trabalhar em conjunto. Se como solistas não eram necessariamente novos ou inovadores, como banda a excelência atingida e o efeito que eles conseguem transmitir fazem do THE DOORS um grupo um tanto evocativo. Muitas das progressões de acordes encontradas em Strange Days são facilmente reconhecíveis a partir do seu primeiro álbum. Exceto pelo fato de ocasionalmente existir um baixo, a instrumentação é quase idêntica ao disco anterior. Isso faz com que Strange Days perca o seu valor? Jamais. Através de um desenvolvimento muito lógico eles melhoraram seus métodos e técnicas originais com instrumentação mais efetiva. Eles não tentaram propriamente fazer grandes mudanças na direção ou na música, mas refinaram e enriqueceram os seus esforços anteriores. Com isso, seu segundo disco acabou tendo todo o poder e energia do primeiro LP, mas soando mais sutil, mais intrincado e muito mais eficaz.
THE DOORS sempre apresentou capas bastante diretas, exceto justamente por Strange Days. O disco trazia na sua capa um homem forte, um anão, um malabarista, um par de acrobatas e um trompetista. A ideia foi formulada pelo fotógrafo JOEL BRODSKY e que consistia simplesmente em tirar uma foto de um grupo de artistas de Nova York, mas o que era pra ser simples acabou não sendo tanto assim. Na verdade a maioria das pessoas apresentadas na capa não são artistas de rua. Mas a única razão pela qual BRODSKY estava procurando fotografar artistas de rua ao invés da banda era porque JIM MORRISIN se recusava a ser fotografado para o álbum. Ele não queria ser o centro das atenções, o que de certa forma torna a situação mais confusa, já que MORRISON já havia trabalhado com BRODSKY na foto mais famosa do vocalista, aquela dele sem camisa e olhar frio tanto quanto seus mamilos também parecem estar. Com essa recusa de JIM MORRISON em aparecer na capa, BRODSKY teve que pensar em algo diferente, uma proposta de capa adornada com artistas de rua, uma ideia aparentemente inspirada pelo filme La Fada de FREDERICO FELLINI, lançado em 1954.
De todos os artistas que aparecem na capa somente os acrobatas são verdadeiros artistas de rua. O malabarista, por exemplo, é o assistente de BRODSKY, FRANK KOLLEGE. Os anões que são gêmeos, onde um aparece na parte da frente e o outro na de trás do disco estavam bem resistentes em tirar a foto para o disco porque eles eram atores e não modelos e tinham que serem contratados como um par. O levantador de peso na verdade era porteiro do New York Friars Club e que foi apresentado à Brodsky através de um amigo. Em 2005 Brodsky lembrou que a experiência desta foto foi algo surreal devido o elenco eclético presente nela. Talvez o mais interessante nisso tudo seja o papel do trompetista. BRODSKY encomendou o trabalho na hora, pagara um motorista de taxi cerca de cinco dólares para tirar a foto simulando tocar trompete. O chapéu que ele está usando na foto na verdade não faz parte do personagem, mas é do seu próprio "uniforme" de taxista. E outro ponto interessante é que mesmo depois da teimosia de JIM MORRISON em não querer aparecer na capa, no final das contas a banda pode ser vista em um cartaz ao fundo.
O disco começa através da faixa título, uma nova viagem psicodélica. As notas dos teclados iniciais são em sonoridades ameaçadoras e obscenas que nos dão a ideia de uma mente em ziguezague que habita entre figuras absurdas, ruas oblíquas, caras engraçadas, como os olhos de uma pessoa com visão perfeita usando óculos extremamente grandes, tudo distorcido. Início fantástico e viajante.
"You're lost Little Girl" tem uma abertura bastante obscura, é uma bela balada com letras ao menos teoricamente infantis sobre uma pequena menina perdida, as letras junto à harmonia funciona muito bem. Possui uma introdução obscura e ótimas guitarras atmosféricas, tudo soando fresco e harmonioso do começo ao fim em excelentes versos e refrãos.
"Love Me Two Times" é um dos maiores clássicos da banda. É uma forte música bluesy com um coro muito atraente. Toda a banda está apoiando Jim soberbamente. Faixa divertida e empolgante com os teclados de RAY MANZAREK a dando uma áurea estranhamente maravilhosa.
"Unhappy Girl" é bastante curta, mas ao mesmo tempo incrível, fala sobre "mulheres confusas" com um toque de bom humor na letra. Antes de ficar mais regular tem um começo psicodélico do tipo que poderia ter saído da mente de SYD BARRETT. Excelente canção.
"Horse Latitudes" na verdade não é uma música, mas sons de estúdio sob a voz de MORRISON recitando um poema sobre cavalos tentando sobreviver no mar quando um navio está tentando não se afundar durante uma tempestade. Possui uma excelente atmosfera de "horror" criada pelas letras e o uso de efeitos sonoros.
"Moonlight Drive" é conhecida como a música que começou tudo, a que a lenda nos diz (bem como muitos biógrafos de MANZAREK e MORRISON) que JIM cantou para RAY em Venice Beachmos os famosos versos "let's swim to the moon, let's climb through the tide, penetrate the evening that the city sleeps to hide", tendo isso surpreendido tanto a esse último que um projeto para uma banda de rock foi formado. Outro momento bluesy do disco, as notas de KRIEGER dão a essa música uma atmosfera sonhadora. KRIEGER faz pouco e ao mesmo tempo consegue ter muita participação. Uma faixa que embora inicialmente seja alegre, a letra nos faz duvidar da natureza do dançarino, ou motorista nesse caso. A garota devia desconfiar dele? Talvez, mas na música em si podemos confiar cegamente para que ela nos dê alguns minutos de entretenimento.
"People are Strange" é um clássico empacotado em apenas dois minutos, os mesmos dois minutos que outras bandas precisam apenas para começar uma música. Muita sagacidade, ironia, sarcasmo, piada, desespero, desamparo e LSD em uma sonoridade agradável e atmosférica. MORRISON parecia está começando a ver as coisas de maneira diferente, por outra ótica.
"My Eyes Have Seen You" é uma das músicas mais "normais" do disco, um rock reto e direto, mas sem deixar de lado o ímpeto obscuro e malvado característico da maioria das músicas do grupo. Tem o melhor solo de guitarra, além do grande trabalho de bateria e excelente piano.
"I Can't See Your Face In My Mind" tem um começo sombrio e ameaçador. MORRISON praticamente chora por não conseguir ver o seu rosto em sua mente. Tem uma sonoridade psicodélica e com ótimo uso de marimba e efeitos de címbalo. Guitarra muito bem direcionada e emotiva dá um toque especial. Uma música muito viajante.
"When The Music's Over" é como se fosse a "The End" feita para este registro, outra conclusão épica. Embora menos chocante e insana do que a última faixa de sua estreia, esta é realmente uma música superior, com tudo o que está acontecendo, desde o ritmo até o som do órgão, desde a entrega vocal de MORRISON até a entrada mínima e ainda importante da guitarra de KRIEGER. Em vez do ritual shamanístico induzido por LSD de "The End", obtemos uma canção mais bem construída, concentrada e calmada. Uma excelente conclusão pra um disco sensacional.
Sem dúvida alguma um álbum extremamente representativo dentro do estilo do THE DOORS, lançado em um dos melhores anos da música, também chamado de ano da psicodelia, uma época em que os poderes criativos pareciam não ter limites. Talvez não para a maioria, mas considero esse registro o retrato do que eles poderiam fazer de melhor. A voz de JIM MORRISON é fumegante, maravilhosa, dramática e poética. O som tem ótima produção e os teclados chessy funcionam muito bem com a guitarra tonificada. Tudo trabalhando em ótimo conjunto, mantendo uma linda produção e sons vocais maravilhosos.
Embora não tenha a emoção do disco de estreia, o considero mais temperamental, obscuro e inteligente como um todo do que o primeiro e mais consistente que qualquer um dos posteriores.
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