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Raimundos: enfim, em paz com o seu passado

Resenha - Cantigas de Roda - Raimundos

Por Thiago El Cid Cardim
Postado em 27 de abril de 2014

Em 2002, pouco depois da abrupta saída de seu vocalista original, Rodolfo Abrantes, os caras do Raimundos lançaram uma pedrada chamada Kavookavala, sua primeira bolacha de inéditas agora com Digão assumindo os vocais – não vamos considerar Éramos Quatro, de 2001, por se tratar muito mais efetivamente de uma compilação de covers dos Ramones. O fato é que Kavookavala era agressivo até a tampa, com a banda extravasando a sua fúria em tons mais heavy metal do que aquela mistura de hardcore e música nordestina que caracterizou seus dois discos de estreia. Era um Raimundos muito mais Lapadas do Povo, querendo gritar sua frustração e sua angústia com uma situação de separação que mudou a história da banda. Talvez a palavra mais certa fosse "exorcismo".

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Corta para 2014, exatos doze anos depois. E eis que o quarteto, depois de muitas idas e vindas, depois de uma série de altos e baixos, restabelece o seu núcleo central – e com Digão muito mais à vontade nos vocais, devidamente ladeado pelo amigo Canisso e seu baixo trovejante, se sente finalmente preparado para seguir em frente. A cobrança dos fãs por um novo disco recaiu nas costas dos próprios fãs: convocados a financiar o disco por meio de crowdfunding, eles não fizeram feio e entregaram o que os Raimundos precisavam. Era hora dos Raimundos mostrarem que estavam prontos. E eles mostraram. O peso continua lá, no independente Cantigas de Roda, mas se juntou a ele o humor, aquele velho amigo que andava meio esquecido, abandonado. Um senso de humor sacana, desbocado, cheio de pequenas piadas de duplo sentido. Cantigas de Roda conversa diretamente com o álbum-intitulado, de 1994, e com seu sucessor, Lavô Tá Novo, de 1995. Como só conseguiria neste momento. A palavra certa para defini-lo é "trégua".

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Um disco produzido pelo vocalista Billy Graziadei, vocalista do Biohazard, só poderia abrir com uma caceta como Cachorrinha, hardcore em alta octanagem com Digão declamando a letra aceleradamente enquanto versa sobre uma mulher sacana que pode muito bem ser comparada a uma cachorra vira-lata - e Marquim dá show num solo de guitarra quase thrash metal. Eis que logo depois, em BOP, eles falam sobre maconha com um gingado que tem direito até ao espetacular retorno do triângulo, aquele instrumento típico que se tornou quase um quinto integrante da banda no seu começo de carreira. O triângulo (em combo com uma batida feroz e em correria máxima) também embala as desventuras do personagem-titulo de Rafael, tipicamente Raimundos, pura fuleiragem com contornos hardcore.

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E quando eles nos contam, na correria que é quase um repente estilo rock n' roll de Gato da Rosinha, que o felino da moça se chamava Danado e que o noivo da Rosinha beijava e alisava o Danado dela, bem, já dá para perceber quem está de volta aos bons tempos de outrora, entregando uma banana para as músicas graciosas e meigas da patrulha do politicamente correto. Destaque ainda para a fantástica Cera Quente, de clima romântico mas que, como o título entrega, fala sobre a depilação de uma senhorita que antes lembrava a Playboy da Cláudia Ohana. Talvez uma das canções mais emblemáticas do rock nacional em 2014.

O legal é que, em Cantigas de Roda, os Raimundos se dão ao direito de experimentar um pouco mais. Baculejo é um punk básico e funcional, 1-2-3-4, que é praticamente uma homenagem às raízes dos caras como banda cover dos Ramones. E nas ótimas Dubmundos (com participação de Sen Dog, do Cypress Hill) e Gordelíclia, eles arriscam uma acertada pegada de ska, com a participação de um naipe de metais e tudo mais. Para encerrar, claro, não poderia faltar a porradeira Politics, primeira canção do projeto a ser revelada e que traz Digão em modo indignação explícita, abertamente inspirado na situação política do Brasil e nos protestos que tomaram as nossas ruas em 2013. Até o próprio Graziadei dá o ar de sua graça (e de sua agressividade vocal) aqui.

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Sério, Raimundos, vamos falar sério. A gente até entende que vocês tenham demorado tanto tempo para entrar em termos com suas própria história. Mas agora que fizeram o link, mais do que acertado, entre o seu passado e seu futuro, façam o favor de não demorar tanto tempo assim para colocar outro disco na rua. Vocês estavam fazendo falta nessa porra.

Line-up
Digão - Vocal, Guitarra e Triângulo
Canisso - Baixo e Vocais
Marquim - Guitarra e Vocais
Caio Cunha - Bateria e Vocais

Tracklist
1. Cachorrinha
2. BOP
3. Baculejo
4. Gato da Rosinha
5. Cera Quente
6. Rafael
7. Descendo na Banguela
8. Dubmundos
9. Nó Suíno
10. Importada do Interior
11. Gordelícia
12. Politics

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Sobre Thiago El Cid Cardim

Thiago Cardim é publicitário e jornalista. Nerd convicto, louco por cinema, séries de TV e histórias em quadrinhos. Vegetariano por opção, banger de coração, marvete de carteirinha. É apaixonado por Queen e Blind Guardian. Mas também adora Iron Maiden, Judas Priest, Aerosmith, Kiss, Anthrax, Stratovarius, Edguy, Kamelot, Manowar, Rhapsody, Mötley Crüe, Europe, Scorpions, Sebastian Bach, Michael Kiske, Jeff Scott Soto, System of a Down, The Darkness e mais uma porrada de coisas. Dentre os nacionais, curte Velhas Virgens, Ultraje a Rigor, Camisa de Vênus, Matanza, Sepultura, Tuatha de Danaan, Tubaína, Ira! e Premê. Escreve seus desatinos sobre música, cinema e quadrinhos no www.observatorionerd.com.br e no Twitter.
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