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Mellencamp: representante do rock e folk de raiz americano

Resenha - Scarecrow - John Cougar Mellencamp

Por Luis Fábio Pucci
Postado em 16 de novembro de 2010

Scarecrow é o oitavo álbum de John Mellencamp, lançado em agosto de 1985 pela Mercury. Apesar de concorrer com outros bons trabalhos seus, lançados antes e depois, esta talvez ainda seja a sua obra-prima.

Mellencamp encarnou um legítimo representante do rock e folk de raiz norte-americana. Entre suas influências explícitas (ele mesmo cita) estão os ROLLING STONES (especialmente com o disco "Exile on Main Street", de 1972) e BOB DYLAN. Mas nele também podemos ler SPRINGSTEEN e as mega bandas de pegada country rock americanas dos anos 1970 (EAGLES e LYNYRD SKYNYRD), além de uma clara influência de storytellers como JOHNNY CASH e uma atitude punk rock de SEX PISTOLS e CLASH ("Authority Song", do disco "Uh-Huh" retoma "I Fought the Law", do CLASH). Tudo isso vira, na mão dele, um melting pot de primeira linha, que ele começou a amadurecer nesse álbum, mas que pode ser melhor observado nos seus trabalhos mais recentes, ao longo das duas últimas décadas.

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Na esteira do sucesso dos trabalhos anteriores, esse disco chegou ao número 2 na parada Billboard americana. A revista Rolling Stone colocou o álbum na posição de número 95 na sua lista dos 100 melhores álbuns da década de 80, o que não é pouca coisa, pois se trata também de um disco que mescla folk, country-rock e rock de raiz, escapando a classificações mais simplistas de gênero.
O disco tem três Top 10 hits, um recorde para Mellencamp até então: "R.O.C.K. in the U.S.A.(homenagem ao rock clássico americano)," "Lonely Ol' Night" e "Small Town" (que virou o hino oficial das cidades pequenas da América, estourando no Meio Oeste). Mais duas músicas deste trabalho também emplacaram no Top 40 da Billboard, impulsionadas pelas vendas no formato de singles.

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O álbum superou de longe dois bons discos anteriores de John Cougar, que já haviam vendido bem e traziam músicas como "Jack and Diane", "Hurts so Good" (ganhou um Grammy por esta) e "Pink Houses". Sob esse aspecto, foi uma agradável surpresa na época, pois muitos ainda tinham Mellencamp como uma espécie de clone de BRUCE SPRINGSTEEN e não esperavam que ele tivesse mais cartuchos para queimar, encostando ainda mais no The Boss como queridinho da América roqueira, principalmente no reduto do Meio Oeste.

Também foi com esse disco que ele apresentou seu "novo" nome ao público: John Mellencamp (o verdadeiro, pois até então usava o nome que a gravadora lhe havia empurrado, John Cougar). Para não atrapalhar a divulgação e confundir a identificação, deixou aqui o "Cougar" explícito como apelido. Ocorre que, com o sucesso anterior, Mellencamp decretou independência do comercialismo das gravadoras e marcou uma nova fase sua, assumindo seu sobrenome "caipira" rumo ao rock de raíz americano e ao folk, com letras mais engajadas na política e na crítica social. Essa tendência está ainda mais marcante nos seus últimos e ótimos trabalhos, como "Life, Death, Love and Freedom" (2008) e "No Better Than This" (2010). Agora, já havia eliminado o Cougar de suas capas, então cuidado ao procurar seus trabalhos mais recentes no Google.

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Na abertura de "Scarecrow", "Rain on the Scarecrow" defende a cultura familiar e os fazendeiros dos banqueiros americanos, que precisavam empenhar suas terras para poder produzir (ele estava certo: a exploração pelos bancos americanos iria mesmo estourar com os EUA!). Com isso, fundou o movimento Farm Aid, que tinha outros músicos americanos engajados na defesa dos proprietários rurais e das tradições do Sul e Meio Oeste. O primeiro show do Farm Aid, ainda em 1985, trouxe WILLIE NELSON e NEIL YOUNG para o palco.
Observe que o clip oficial dessa música traz uma continuidade temática e visual com "Pink Houses", do álbum anterior.
Veja o clip original de 1985: http://www.youtube.com/watch?v=joNzRzZhR2Y&feature=fvw
Veja a música ao vivo no Sessions Live at West 54 em 1999: http://www.youtube.com/watch?v=jDxX8yCIS-M&feature=related

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Uma curta e velha cantiga (cantada pela avó de John em pessoa!) faz um efeito para a abertura e entrada de "Small Town", agora na melhor homenagem musicada que as cidades pequenas já receberam. No espírito de assumir sua raiz caipira, Mellencamp não só comprou a briga com o capitalismo logo na primeira música como trocou a vida de Los Angeles pela vida de Indiana, voltando à sua cidade natal para viver e montar seu estúdio de gravação (isso que é estar na contramão do show business!). Então, essa música é para Bloomington (IN), mas pode ser lida por todos que tem orgulho de sua cidade natal e da terra onde vivem. Com o tempo, virou hino e ele não teve mais como deixá-la de fora dos shows.

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Veja "Small Town" tocada no MTV Unplugged 1992.

Curiosamente, essa música tem em comum com "Born in the USA" de SPRINGSTEEN o fato de ter caído no gosto de políticos que gostam de citá-las (equivocadamente) como exemplo de patriotismo barato e até mesmo colocá-las para tocar como som de fundo em suas propagandas lá, numa óbvia leitura ignorante das intenções originais das letras. Prova de que tem muito político que continua não entendendo nada de Política (com P maiúsculo). Note: sempre que pôde, Mellencamp barrou pessoalmente o uso de suas músicas por políticos da direita americana ("Our Country" era outra música sua preferida para esse fim), mesmo que isso implicasse na óbvia perda de royalties por direito autoral que, diga-se de passagem, nunca foram desprezíveis nesses casos.

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Voltando ao disco, em "Minutes do Memory" é explícita sua influência dos storytellers de brio como JOHNNY CASH: narra a viagem de ônibus na companhia de um homem mais velho, que lhe passa algumas lições vida. É CASH e DYLAN também em "Rumbleseat" e "Between a Laugh and a Tear", que fazem grupo para essa linha no disco e são igualmente marcantes.

"Lonely Ol' Night" é mais pop e foi uma das que estourou no rádio, pois de fato tem um tom mais amigável para o formato, juntamente com a última música do disco, um rock. A dupla "The Face of the Nation" e "Justice and Independence" marcam uma outra linha que ele iria usar muito a partir de então: a de apresentar e discutir o país, sua gente e os valores da sociedade contemporânea, muitas vezes para criticá-los.

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O engajamento volta em "You've Got to Stand for Somethin", que é um incentivo à agir política e socialmente, ajudando a completar o disco mais revoltado de Mellencamp. Explica-se, pois na época ele estava querendo se livrar das amarras da indústria fonográfica, da vida na cidade grande (L.A.) e, ao mesmo tempo, estava irritado com os anos de opressão Republicana, especialmente aos estados ditos sulistas, que pagavam tributos elevados na produção agrícola para sustentar a já então capenga indústria americana e os bancos dos estados dominantes na América de Reagan. Não foi à toa que ele entrou no Farm Aid e largou de vez o discurso politicamente correto que trazia até então em suas aparições de palco e TV. Com o nome mais respeitado, começou a fazer como SPRINGSTEEN, que não pensava duas vezes para falar o que queria na mídia. Mais recentemente, criticou Bush em aberto, incluindo algumas ironias em músicas direcionadas para o mesmo, além de apoiar a candidatura de Obama (aliás, tal como o fizeram 9 em cada 10 astros do rock americano na época).

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Para fechar o disco original, "R.O.C.K. in the U.S.A." é rock 100%, com um baixo bem definido e batida marcante. Rende um tributo ao rock americano dos anos 1960, citando alguns dos nomes que marcaram a base do estilo em seus primórdios, numa letra que remete à homenagem de mesmo tom também feita pelos RAMONES em "Rock´n Roll Radio" (só não espere aqui o mesmo som do grupo punk de Nova York, lógico!).

Como colocamos, depois de sua fase mais ancorada no rock, Mellencamp começou aqui sua incursão pelo blues, country, folk e gospel. Acabou solidificando seu nome como uma referência para novos talentos também, especialmente músicos americanos e canadenses, que cresceram ouvindo seu som (as rádios americanas do interior tocavam, e tocam, muito Mellencamp e Springsteen). Influências que chegam até em nomes como ARCADE FIRE ou JON BON JOVI, que já caminharam pelas trilhas dos dois nomes sagrados do heartland song e renovam as heranças de Dylan e Springsteen na comunidade roqueira. Do Bon Jovi, basta ouvir "We Aren´t Born to Follow" ou "Superman Tonight" (ambas do recente "The Circle", seu disco mais "mellencampiano") ou "Something to Believe In" (do "These Days", essa então parece mesmo saída de um álbum de Mellencamp).

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Como comentário complementar, notamos aqui que o trabalho de bateria e percussão já tomam uma linha um pouco menos rock e um pouco mais folk, tendência que seria, como eu disse, aprofundada ao longo da carreira. Mas a banda de Mellencamp é competente, formada por amigos que tocaram juntos por muitos anos e não deixa a desejar em nenhum momento. Muitos não gostavam de Aronoff ao vivo (eu, inclusive), mas em turnês recentes já temos um baterista de pegada mais roqueira em seu lugar. É uma chance de ouvir alguns clássicos desse e de outros discos numa versão mais pesada.

John Mellencamp entrou para o Rock and Roll Hall of Fame em 2008. E a melhor homenagem a ele talvez esteja no próprio discurso de admissão, proferido por Billy Joel:

"Não deixe que a entrada nesse clube mude você, John. Permaneça verdadeiro, permaneça um "do contra". Nós precisamos de você p*** da vida, selvagem, porque não importa o que eles nos digam, nós sabemos que desse jeito que está, a América e o mundo vão acabar indo para o Inferno num carrinho de mão (...) As pessoas precisam de uma voz como a sua lá para fazer o eco dos descontentes, dos oprimidos. Elas precisam ouvir estórias sobre isso e sobre suas frustrações, sua alienação e seu desespero. Elas tem que saber que em algum lugar lá fora tem alguém que sente o que elas sentem. Elas têm que te ouvir...".

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De fato, o tempo não conseguiu envelhecer esse álbum e nem a qualidade musical do artista, que continua em alta.

Lista de Músicas:
1. Rain on the Scarecrow
2. Grandma's Theme
3. Small Town
4. Minutes to Memories
5. Lonely Ol' Night
6. The Face of the Nation
7. Justice and Independence 85
8. Between a Laugh and a Tear
9. Rumbleseat
10. You've Got to Stand for Somethin
11. R.O.C.K. in the U.S.A. - A Salute to '60s Rock
12. The Kind of Fella I Am – (bônus apenas na versão cassette e CD)
13. Small Town (versão acústica) – (bônus apenas na versão CD remaster de 2005).

Músicos:
John Cougar Mellencamp - vocal, guitarra
Kenny Aronoff - bateria, percussão e backing vocals
Mike Wanchic – guitarra elétrica
Toby Myers - baixo, backing vocals
John Cascella – (teclados)
Ry Cooder – (Convidado em "The Kind of Fella I Am")

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Referências Bibliográficas:
Johnson, Heather. Born In a Small Town. USA: Omnibus Publ., 2007.
Torgoff, Martin. American Fool: The Roots and Improbable Rise of John Cougar Mellencamp. USA: St. Martins, 1986.
http://www.mellencamp.com/
http://en.wikipedia.org/wiki/John_Mellencamp

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