Resenha - Canterbury Tale - Spirogyra
Por Rodrigo Werneck
Postado em 03 de julho de 2006
Nota: 9
O Spirogyra foi uma importante banda do cenário musical conhecido como "Acid Folk", que misturava o folk britânico tradicional com novas sonoridades da época (fim dos anos 60), incluindo aí várias influências do rock progressivo. Mais um grupo de carreira curta, porém prolífica, na efervescente Inglaterra da virada para os anos 70, o Spirogyra lançou 3 LPs, que são contemplados nesta antologia agora lançada pela Sanctuary Records, que ainda inclui raridades advindas de singles, e restos de estúdio.
O grupo, formado inicialmente pelo cantor e compositor Martin Cockerham e seu amigo Mark Francis em 1967, iria originalmente se chamar "Amoeba" (ameba, em inglês). Mas como uma ameba é um organismo unicelular, optaram por denominar a banda de "Spirogyra", que é uma alga verde pluricelular. Para um projeto envolvendo mais de uma pessoa, parecia mais adequado. É importante também não se confundir com a banda norte-americana de "light jazz" Spyro Gyra, confusão por sinal bastante comum (embora o estilo de ambas não tenha absolutamente nada a ver!).
Voltando à música propriamente dita, após um início conturbado, com idas e vindas de integrantes, sempre em torno de Cockerham, somente em 1970 a formação iria finalmente se estabilizar. Além de Martin Cockerham nos vocais e violão, estavam Julian Cusack nos teclados e violino, Steve Borrill no baixo e Barbara Gaskin nos vocais. Com o auxílio de Cusack, que havia estudado piano clássico, Cockerham começou a dar forma a suas idéias musicais. Naquela época, todos eles moravam juntos na St. Radigund’s Street, em Canterbury (Inglaterra), bem próximo à Canterbury Cathedral. Naquele riquíssimo celeiro de onde várias outras bandas inglesas contemporâneas emergiram, não era raro virem-se cercado por músicos do Caravan, além de Ian Dury e Steve Hillage.
Acabaram por fechar um contrato com o selo B&C, por onde gravaram seu disco de estréia em 1971, sugestivamente chamado de "St. Radigunds". Contaram com a colaboração do baterista Dave Mattacks, do Fairport Convention, e com a produção de Robert Kirby. O disco (aqui nesta antologia presente por completo, nas 10 primeiras músicas do CD 1), chamou a atenção de público e crítica, devido a sua originalidade e a seu ecletismo. Com o vocal ríspido e quase neurótico de Cockerham alternando-se com a bela e angelical voz de Barbara, e composições que iam do folk mais tradicional ao progressivo instigante e inovador, isso não foi uma surpresa. Basta-se comparar a introspectiva e singela "Love Is A Funny Thing" com a que a sucede, "The Duke Of Beaufoot", para se notar essa dualidade que permeia todo o trabalho.
Já em 1972, contaram com o retorno do membro fundador Mark Francis (guitarra, teclados). Julian Cusack deixaria a banda para retornar aos seus estudos na faculdade, mas participaria das gravações do segundo LP do grupo, assim como Dave Mattacks, novamente. Produzido por Max Hole, foi lançado "Old Boot Wine" (aqui também completo: as últimas 6 músicas do CD 1 e as 3 primeiras do CD 2). Na realidade, o material composto e gravado excedia o tempo normal de um LP na época, que poderia ter sido duplo não houvesse questões comerciais envolvidas na questão. De qualquer forma, estão aqui incluídas 4 músicas excluídas do disco original, e finalmente vendo a luz do dia. DO disco em si, podemos destacar a faixa de abertura "Dangerous Dave", que originalmente era um folk, mas que com a adição da bateria de Mattacks ganhou seu contorno mais acessível, que se não proporcionou execução em rádios, pelo menos a tornou digna de figurar num single. As vendas não decolaram, e na gravadora brincava-se que o Spirogyra era uma boa banda para declararem prejuízo perante o fisco inglês, e portanto pagar menos impostos. Injusto do ponto de visto meramente musical, mas a realidade é dura.
O baixista Steve Borrill seguiu os passos de Cusack e voltou para a faculdade, deixando o grupo praticamente relegado à dupla Cockerham e Gaskin (que, além de constituírem a espinha dorsal do conjunto, eram namorados). Tendo se mudado par o sul da Inglaterra, mais precisamente para Battersea, começaram a conceber o que viria a ser o terceiro disco da banda. Contando com seus amigos de sempre (Borrill, Cusack, Mattacks), foram dessa vez acrescidos de outros nomes: o violoncelista John Boyce (da London Philharmonic Orchestra), o trompetista Henry Lowther, e o flautista Steve Ashley. Além disso, junto do produtor Max Hole estava agora o engenheiro de som Robin Black, que na época estava trabalhando no mesmo estúdio (Morgan Studios) simplesmente com, nada mais nada menos, que Pink Floyd e Cat Stevens.
"Bells, Boots And Shambles" (1973), acabou sendo o terceiro e último registro em estúdio do grupo, e o mais progressivo. Hoje em dia, aclamado como o seu momento de ápice, e talvez do próprio movimento de folk psicodélico inglês como um todo. Entre os destaques do disco, está a faixa de abertura, a teatral "The Furthest Point", assim como a tocante "Old Boot Wine", onde o cello de Boyce contracena com a voz de Gaskin. A emblemática suíte final, "In The Western World", com seus 4 movimentos e 13 minutos de duração, é criativa, enigmática, alternando momentos mais calmos com outros mais pomposos, numa espécie de epílogo dramático para a história fonográfica da banda.
Em 1974, o grupo ainda comporia a mini-ópera rock "Sea Song" (de 25 minutos de duração), a qual executaria numa última turnê pela Holanda, com a formação de Cockerham, Gaskin, mais Jon Gifford (flauta, sax) e Rick Biddulph (guitarra, baixo). Barbara Gaskin obteria, após o fim da banda, bastante sucesso em sua parceria junto ao tecladista Dave Stewart (nada a ver com o homônimo do The Eurythmics), com quem já havia colaborado nas bandas Egg e Hatfield & The North. Já Cockerham, hoje adepto da seita Hare Krishna, após passar anos em peregrinação pela Irlanda, Índia, Tailândia, Bali e Havaí, retornou à Inglaterra e está agora preparando um novo trabalho do Spirogyra com seu parceiro original Mark Francis(!!).
Este lançamento ora resenhado, "A Canterbury Tale – The Spirogyra Anthology", é portanto um presente aos fãs dessa original e especial banda. Além de conter todo o trabalho produzido entre 1970 e 1973, foi incluído encarte com texto extenso de David Wells narrando todas as desventuras do grupo, assim como uma miríade de fotos do período, incluindo algumas de meu amigo (e brilhante fotógrafo dinamarquês) Jørgen Angel (www.angel.dk), que se notabilizou por ter sido o primeiro a registrar o Led Zeppelin em ação (em Copenhagen), quando ainda faziam shows sob a alcunha de "The New Yardbirds".
Para os interessados, existe ainda material extra do Spirogyra lançado num CD chamado "Burn The Bridges", que contém demos gravadas no período 1970-71.
CD 1
1. The Future Won't Be Long
2. Island
3. Magical Mary
4. Captain's Log
5. At Home In The World
6. Cogwheels Crutches And Cyanide
7. Time Will Tell
8. We Were A Happy Crew
9. Love Is A Funny Thing
10. The Duke Of Beaufoot
11. Dangerous Dave
12. Van Allen's Belt
13. Runaway
14. Grandad
15. Wings Of Thunder
16. World's Eyes
CD 2
1. Don't Let It Get You
2. Disraeli's Problem
3. A Canterbury Tale
4. I Hear You're Going Somewhere (Joe Really) (single A-side)
5. Counting The Cars (outtake, "Old Boot Wine" sessions)
6. Window (outtake, "Old Boot Wine" sessions)
7. Turn Again Lane (outtake, "Old Boot Wine" sessions)
8. Melody Maker Man (outtake, "Old Boot Wine" sessions)
9. The Furthest Point
10. Old Boot Wine
11. Parallel Lines Never Separate
12. Spiggly
13. An Everyday Consumption Song
14. The Sergeant Says
15. In The Western World
(a) In The Western World
(b) Jungle Lore
(c) Coming Back
(d) Western World (Reprise)
CD 1: músicas 1-10 (álbum "St. Radigunds", 1971); músicas 11-16 (álbum "Old Boot Wine", 1972)
CD 2: músicas 1-3 (álbum "Old Boot Wine", 1972); músicas 4-8 (singles e outtakes); músicas 9-15 (album "Bells, Boots And Shambles", 1973)
Websites:
www.gyram.com (Spirogyra)
www.faeryking.com (Martin Cockerham)
www.davebarb.demon.co.uk (Barbara Gaskin & Dave Stewart)
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