Resenha - Off The Shelf - Keith Emerson
Por Rodrigo Werneck
Postado em 26 de maio de 2006
Nota: 9
O mais recente lançamento do tecladista Keith Emerson (Emerson, Lake & Palmer, The Nice, Three) trata-se de uma compilação, muito interessante por sinal, incluindo várias músicas inéditas gravadas em diferentes momentos de sua carreira. Por causa disso, é um disco muito eclético onde apenas dois são os parâmetros fixos: a qualidade das composições, e a das performances.
Apesar da carreira intensa primeiramente com a banda The Nice, ainda nos anos 60, depois com o ELP durante toda a década de 70, e em vários projetos e bandas nos anos 80 e 90 (Emerson, Lake & Powell, Three, The Best, EL&Palmer de novo, mais várias trilhas sonoras para filmes e desenhos animados, e ainda seus discos solo, é claro), finalmente após a virada de milênio Keith deu uma segurada e reduziu a quantidade de trabalhos, embora esteja ainda longe da aposentadoria, já tendo até ressuscitado a banda The Nice por um tempo e vem mais recentemente tocando com sua Keith Emerson Band, que conta entre outros com o grande guitarrista Dave Kilminster na formação (agora, também membro do grupo do baixista Roger Waters, ex-Pink Floyd). Este "Off The Shelf" reúne suposta e alegadamente o que há de melhor entre as faixas que não haviam sido ainda lançadas em disco, e foram pinçadas pelo próprio Keith e remasterizadas pelo seu fiel escudeiro Will Alexander, que é quem cuida de seus teclados e trabalha como roadie em seus shows.
Já abrindo o disco, uma excelente escolha: a versão orquestral da suíte "Abaddon’s Bolero", obra originalmente composta por Emerson para o disco "Trilogy" do ELP (onde foi executada pela própria banda), de 1972. Ela acabou sendo regravada pela Royal Philharmonic Orchestra, conduzida pelo maestro John Mayer, durante as gravações de outra suíte, "Piano Concerto No. 1", que entraria no disco "Works Volume 1", de 1977. O ELP tentou inclusive tocar esta música durante a turnê do disco "Trilogy", por sinal, mas ela era muito complicada para ser apresentada ao vivo, em especial pelas limitações técnicas/tecnológicas da época (os sintetizadores Moog eram revolucionários, mas não tão confiáveis assim para serem seqüenciados em shows). Esta versão com a orquestra é magnífica e tem no mínimo a mesma potência e energia da versão original da banda, se não mais. Assemelha-se na realidade mais à versão que o grupo levou já na turnê norte-americana de 1978, onde contava com uma "pequena" orquestra de apoio de 63 integrantes!
A segunda faixa do CD é também interessante, e se trata de uma regravação de outra longa suíte do ELP, "Pictures At An Exhibition", de fato uma adaptação da obra do compositor russo erudito Modest Mussorgsky. A versão aqui presente foi gravada por Emerson já nos anos 80, utilizando-se de vários sintetizadores mais modernos que lhe permitiram tocar todas as partes sozinho. A seguir, a indefectível faixa mais introspectiva apresentando Emerson no piano, terreno que domina de forma sublime, está presente na forma da belíssima composição "And Then January".
A música mais estranha do disco é na realidade uma homenagem ao Rio de Janeiro e ao Brasil, a faixa "Rio". Com uma batida meio latina (cortesia do grande baterista Simon Philips), e letras em português (canhestro e de difícil entendimento, mas tudo bem, valeu a intenção), não se pode dizer que seja efetivamente uma música com influência gritante brasileira, mas ajuda a dar uma certa dinâmica ao disco, e de qualquer forma a performance instrumental é impecável. "Straight Between The Eyes" apresenta músicos da The Band e foi inicialmente concebida para a trilha sonora do filme "Best Revenge" (que foi parcialmente composta por Emerson), embora não tenha sido utilizada e tenha permanecido inédita até agora. O mesmo ocorreu com a faixa seguinte, "Don’t Be Cruel", sucesso de Elvis Presley aqui em versão mais arrastada, e com o lendário Aynsley Dunbar nas baquetas.
Alguns dos maiores destaques deste CD são, no entanto, oriundos das sessões de gravação com a London Jazz Orchestra, que geraram em 1977 o hit "Honky Tonk Train Blues", presente no disco "Work Volume 2", do ELP. Também inéditas até agora, "Au Privave" (de Charlie Parker) e "Walter L" (de Gary Burton) são dois arrasa-quarteirões no melhor estilo jazz tradicional, contando com Emerson em sensacionais solos de piano, órgão Hammond e Minimoog, Jon Hiseman (do Colosseum e Tempest) simplesmente arrebentando tudo na bateria, e mais alguns grandes músicos de jazz que participaram das gravações. Só essas duas pérolas resgatadas já valem o CD.
Outras faixas mais jazzísticas, embora em arranjos mais comerciais e modernos, são "Rhythm-A-Ning" (de Thelonius Monk) e "Asian Pear", apresentando Emerson acompanhado do saxofonista Ron Aspery (que também já tocou com nomes como Roger Glover, Glenn Hughes, David Coverdale, Roger Chapman, Roger Daltrey, etc.).
De volta aos temas de trilhas sonoras, a faixa "Motor Bikin’" foi escrita por Emerson como uma simples trilha para um vídeo dele próprio andando de motocicleta pela França, e totalmente executada no Yamaha GX-1, o famoso primeiro sintetizador digital da história, muito usado por Emerson entre o fim dos anos 70 e o início dos 80. Esta mesma música foi posteriormente regravada com orquestra para a trilha do filme "Nighthawks", de Sylvester Stallone.
Outra excelente inclusão é a versão para "America", de Leonard Bernstein, que era um clássico da banda The Nice e também tocada ao vivo pelo ELP. Esta versão, muito boa por sinal, foi gravada em 1986 por uma banda que chegou a ensaiar na Inglaterra, mas que nunca existiu de fato fora dos estúdios ou em disco (Emerson acabou optando pelo retorno do ELP, só que com Cozy Powell no lugar de Carl Palmer, que na época estava no Asia). Faziam parte, simplesmente: o guitarrista Pat Travers, o baixista Mo Foster (ex-MSG, Jeff Beck, Gary Moore) e o baterista Ian Wallace (ex-King Crimson, CSN, Bob Dylan). A próxima música é uma escolha inusitada, mas de qualquer forma a ser festejada: "Lumpy Gravy", composição psicodélica de Frank Zappa, aqui numa versão do The Nice gravada ao vivo em 1968 para a rádio BBC londrina. Curta, mas excelente!
O conhecido comediante inglês Jim Davidson é um grande fã do ELP, e pediu a Emerson para gravar o tema principal de uma comédia para a TV inglesa da qual viria a ser o ator principal. "Up The Elephant & Round The Castle" foi o resultado, na qual Emerson utilizou-se de um piano propositalmente desafinado e com alguns macetes para soar igual aos pianos dos empoeirados pubs ingleses. Já a última faixa do disco, "Sex & Drugs & Rock & Roll", é na realidade uma improvável versão para a música do grupo punk Ian Dury and the Blockheads, apresentando Cozy Powell na bateria, Pat Travers na guitarra, Mo Foster no baixo e John Doukas no vocal, além de Emerson no piano, é claro. Inesperada, mas mesmo assim interessante, incluindo até mesmo efeitos especiais sonoros obtidos com bolinhas de ping-pong dentro do piano(!).
Enfim, o CD em questão é totalmente relevante, não se tratando apenas de um lançamento caça-níqueis com sobras de estúdio. O encarte inclui ainda texto de Chris Welch (lendário membro do "staff" da revista Melody Maker inglesa e autor de diversas biografias) e comentários faixa-a-faixa do próprio Keith Emerson, dando uma boa idéia perspectiva sobre o momento e a finalidade da geração de cada música.
Tracklist:
1. Abaddon's Bolero Orchestral *
2. Pictures At An Exhibit
3. And Then January
4. Rio
5. Straight Between The Eyes
6. Don't Be Cruel
7. Au Privave **
8. Walter L **
9. Rhythm-A-Ning
10. Asian Pear
11. Motor Bikin'
12. America
13. Lumpy Gravy
14. Up The Elephant & Round The Castle
15. Sex & Drugs & Rock & Roll
* featuring the London Philharmonic Orchestra
** featuring the London Jazz Orchestra
Site oficial: http://www.keithemerson.com
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