A História do Black Sabbath - Parte 6 - Os novos reis de L.A.
Por Denio Alves
Postado em 14 de novembro de 2000
Certa feita, em uma entrevista em abril de 1971, Tony Iommi havia sido perguntado o que havia achado do último disco que o Led Zeppelin havia lançado (o Led Zeppelin III, àquela altura). Lacônico, o guitarrista não quis tecer muitas críticas ao trabalho, apenas se referindo a ele como uma mudança de rumos a que o Led devia estar se sentindo inclinado a fazer - o LP do grupo de Jimmi Page vinha sendo bastante detratado por alguns admiradores mais radicais, por enveredar por sonoridades bastante adversas ao hard rock blueseiro que costumavam fazer. Iommi terminou dizendo que, pelo lado do Black Sabbath, o pessoal poderia aguardar tranquilo, que o próximo trabalho da banda, a ser lançado dali a alguns meses, iria ser o mais pesado que eles jamais haviam feito. Tão contrastante com isso, no entanto, era o fato de que o porra-louca mor da banda, Mr. Ozzy "Madman" Osbourne, havia se enrolado matrimonialmente de modo irreversível! Além disso, o período que se seguiria marcaria a transição do Black Sabbath de uma banda britânica meramente underground, e odiada pela imprensa, para autênticos hitmakers americanos milionários, com direito a baladinha oficial na FM ("Changes") e mansões ensolaradas em Los Angeles...
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O nome da "felizarda" - se é que este é o termo apropriado - que fisgou o coração de Ozzy era Thelma Mayfair, um antiga fã, conhecida do circuito inglês de shows do grupo. Após uma semana de shows no final de 1970 em localidades próximas a Londres, Ozzy reecontraria a garota, e o que era apenas uma atração física mútua entre ambos logo se tornou algo mais sério. Thelma gostava do jeito alucinado de Ozzy, e ele se sentia mais seguro diante da postura decidida de Thelma em estar firmemente do seu lado, sem se mostrar como mais uma groupie fugaz da jornada do cantor rumo ao mega-estrelato. Logo decidiram se juntar, a despeito de Thelma já possuir um filho de um relacionamento anterior, do qual ela já era divorciada: Elliot Kingsley, nascido em 1966 do primeiro casamento de Thelma, e que seria criado ao longo dos anos por Ozzy como se fosse o seu próprio filho, tamanha era a afeição do vocalista (já revelando os traços "família" que os espectadores de The Osbournes tão bem conhecem) pela criança.
Durante os anos seguintes, até 1975, mais dois filhos, desta vez legítimos do cantor, nasceriam de seu casamento com Thelma: Jessica, em 1973 (que, de relacionamento conturbado com o pai, nunca foi muito próxima a ele), e Louis, em 1975 (atualmente, ganhando a vida como DJ). Para comemorar a união, Ozzy e Thelma fecham um pequeno pub em Londres e chamam os amigos mais íntimos, incluindo os colegas de banda dele, para uma pequena festa, que em nada lembrava os verdadeiros "rebus" orgiásticos que o grupo estava se acostumando a promover durante suas excursões... A ingênua Thelma mal imaginava que algo que começava tão bem e de forma tão cândida com aquele brincalhão garoto de olhos esverdeados que estava começando a brincar de "superstar" iria se deteriorar tanto ao longo dos anos, assim que ela descorbrisse a outra faceta de Ozzy - aquela revelada à base de muito álcool e drogas, o que inevitavelmente geraria confusões e mal entendidos.
O ano de 1971 representa a verdadeira tomada da América pelo Black Sabbath, que efetivaria o grande sucesso por toda a região dos EUA e os levaria a ficar mundialmente famosos a partir de então. O plano de Patrick Meehan era consolidar o sucesso estrondoso do LP Paranoid, do ano anterior, e ele consegue - até hoje, pessoas comuns, ou que se tornariam futuros medalhões do rock pesado, como James Hetfield, se lembram, ainda meninos, do momento marcante em que conseguiram uma cópia roubada do álbum Black Sabbath (relançado a partir de então no Novo Mundo) ou do momento em que ouviram o compacto "Paranoid / The Wizard" na casa de algum coleguinha de escola.
Apresentações avassaladoras por toda a Costa Oeste americana se seguem, bem como datas históricas em lugares como Chicago e Nova Iorque, lotados até a tampa. Um novo e ousado figurino para os shows era usado pela banda, fruto do dinheiro que ia entrando em caixa e os deixando cada vez mais distantes dos trapos de Birmingham, e ia se tornar cada vez mais extravagante ao longo dos anos, com roupas psicodélicas, bocas-de-sino esvoaçantes e as clássicas blusas com franjas enormes de Ozzy nos shows. No início de 1971, o vocalista havia deixado crescer uma barbinha, almejando acompanhar os colegas de banda, todos "peludos", e apesar de ser bem rala, lhe conferia um visual ainda mais selvagem nas apresentações - era a moda entre as bandas pesadas da época, de Pink Floyd e Led Zeppelin a Deep Purple, todos estavam deixando o visual bem desgrenhado e cabeludaço. Apesar do visual com barba de Ozzy ter sido deixado de lado após alguns meses, só tendo sido utilizado posteriormente por Bill (Tony e Geezer ostentavam já seus famosos bigodes), algo que chama bastante a atenção a partir deste ano é a adoção, por Ozzy, de uma postura de palco dinâmica e contagiante que iria se estender por toda a sua carreira: nos palcos, o vocalista passava a assumir um canal direto de comunicação com o público, bastante carismático, batendo cabeça, agitando intensamente e constantemente conclamando todos a que pulassem, batessem palmas e extravasassem o mais que pudessem, tudo ao som pesadíssimo da banda - aquilo era um show de rock! Adrenalina e pique máximos, pontuados por palavras de ordem do mestre-de-cerimônias Ozzy - "Come on, louder!", "Let's get higher, and higher!", "Let's go fuckin'crazeee... come on!", e o mais carinhoso e conquistador berro característico de Ozzy: "WE LOVE YOU ALL!", estabelecendo uma ponte direta entre a devoção dos fãs e da banda por eles, e seguido da forma de expressão corporal mais conhecido dos anos 70, que Ozzy passou a utilizar ad nauseum: braços levantados para a multidão, esticados ao alto, os dedos em "V", sinalizando paz e amor para todos. Era um gesto que não tinha nada a ver com a tal imagem malvada do grupo, mas que hipnotizava pra burro e caiu como uma luva na comunicação entre banda e platéia, muito mais eficiente do que os papos bicho-grilo de Robert Plant ou os malabarísticos trinados assustadores de Ian Gillan. O sinal do "V" de Ozzy tornou-se tão famoso, e é uma imagem tão típica do Black Sabbath nos anos 70 no imaginário coletivo, que a banda ainda a usaria como capa de um de seus próximos LPs.
É bem verdade que a imprensa (sempre ela...), que já não se dava muito bem com os novos sons pesados que vinham aparecendo no horizonte do mundo pop, e preferia ainda se debruçar em coisas mais palatáveis ao gosto médio do norte-americano médio, como o soft rock ou algo jazzy-progressivo, fazia de tudo para que os planos dos rapazes de Birmingham fracassassem, irrompendo em furiosas críticas nos jornais e revistas da época com o intuito de que qualquer fã do bom e velho rock and roll se afastasse daquele "espetáculo grosseiro de macacos tocando guitarras e emitindo sons guturais que nos fazem querer gritar que a Idade da Pedra já terminou" - como escreveu, certa vez, um jornalista espumante do caderno cultural do Los Angeles Times. Se não havia sido fácil para o Led Zeppelin, que era bem mais refinado intelectual e musicalmente do que o Black Sabbath, imagine como a crítica americana reagiu a eles - com muito mais ira e intensidade ainda do que a irônica imprensa britânica, que pelo menos tinha uma atitude mais nonchalant, de desdém e indiferença, tipicamente inglesa. Certas vezes, entretanto, algumas vozes positivas se levantavam no meio de todo o ataque, como a de Pete York, ex-baterista do grupo pop Spencer Davis Group, que havia feito bastante sucesso nos anos 60 com hits como "I'm a Man", "Gimme Some Lovin'" e "Keep on Running" - e de onde havia saído, aliás, o virtuoso Stevie Winwood, do Traffic. Pois é, Pete, agora convertido em jornalista, andava fazendo algumas resenhas de shows para a Rolling Stone e, no final de 1971, apesar desta lendária publicação já haver malhado impiedosamente o Black Sabbath quando dos lançamentos do 1.º e do 2.º álbuns da banda, olha só o que o cara escreveu após ver Ozzy e cia. ao vivo:
"Esqueçam os burburinhos sobre rituais de magia negra e missas satânicas on stage, senhoras e senhores! Ao vivo a coisa realmente esquenta com um som inacreditável - o Black Sabbath causa um tremendo impacto como conjunto de rock. É assim que merecem ser vistos. Ozzy Osbourne é a figura de frente, sem ser uma estrela, sem frescuras ou maneirismos. Bill Ward, por sua vez, toca tão bem com as baquetas quebradas que é melhor que nem deixem ele comprar novos pares!"
É... mas nem tudo eram flores nesta relva de informações desencontradas que a imprensa americana andava promovendo. Simplesmente impressionadíssima (desde o início) com os rumores do suposto envolvimento do grupo com seitas obscuras, os jornalistas da mídia made in USA afogaram tudo no mais completo sensacionalismo, numa atitude "ianque" bem usual. Conforme Robert Plant já comentou uma vez em uma entrevista, tudo que a imprensa britânica tratava com certa acidez e humor, a imprensa americana vinha e fazia o maior caso sobre a coisa, levando TUDO muito a sério.
E este foi o grande problema do início da carreira americana do Sabbath - ou, talvez, a grande solução, como Patrick Meehan tanto desejava para a promoção do grupo. Não foram poucos os lugares, especialmente os mais do interior da Costa Oeste americana, que passaram a barrar veementemente a chegada dos "reis do rock satânico" em seus domínios. Em lugarejos como Ohio, por exemplo, a pressão dos pastores de igrejas presbiterianas era tão forte e tão politicamente influente, que nenhum empresário do ramo do entretenimento sequer se atrevia a abrir a boca para citar o nome Black Sabbath. A propaganda negativa podia causar uma má repercussão, é verdade, mas por outro lado, em outros lugares mais mente aberta, como Connecticut, Boston, Philadelphia e outros, aumentava consideravelmente a venda de discos. Especialmente para jovens revoltados com todo o sistema - escola, Vietnam, caretice... - e que viam, agora, no nascente gênero heavy metal e suas tendências endiabradas, uma boa forma de protestar e de externar toda a sua fúria e inconformismo.
Mas o que incomodava mesmo a banda, antes de qualquer boicote promovido pelas autoridades caipiras dos EUA, eram, na verdade, as novas investidas dos grupos ocultistas, que diante do enorme sucesso do outro lado do Atlântico, haviam recomeçado com força total. Logo, não só seitas satânicas européias estavam os convidando e os conclamando para missas negras - mas americanas também! Obviamente, isso dava diretamente nos nervos de Geezer Butler, que nunca aprendeu a controlar bem o misto de medo e fascínio que as forças sobrenaturais exerciam sobre ele desde tenra idade.
Eleito o letrista oficial do Black Sabbath desde o começo do grupo (Tony certa vez disse em uma entrevista: "O Sabbath, sem Geezer, não tem nada a dizer. Ele fala pelo grupo, através de suas letras. O que a banda quer dizer... está tudo lá"), Geezer nunca escondeu para ninguém que a sua bagagem para tratar do sobrenatural com tanta desenvoltura, desenvolvendo os temas do grupo, veio de várias experiências e acontecimentos estranhos o envolvendo desde que era apenas um garoto. Sempre foi interessado em literatura fantástica ("Behind the Wall of Sleep", do primeiro LP, por exemplo, era um tema inspirado em H. P. Lovecraft, um dos autores preferidos de Geezer), e ainda criança, alegava ter sonhos que, nos dias seguintes, constantemente se tornavam realidade. Uma vez sua mãe o flagrara em seu quarto, em profunda concentração. Sobre sua cama, várias cartas de baralho, cortadas em montes. Ao ser perguntado sobre o que estava fazendo, Geezer alegou que, um dia antes, havia conseguido antever todas as cartas que retirava do baralho, de olhos fechados...
Pode-se dizer, portanto, que Geezer Butler era o "Jimmi Page do Black Sabbath", e apesar dos sustos iniciais gerados pelos primeiros convites e chamados de grupos satânicos feitos à banda, logo o baixista estava se sentindo bem mais confortável em sua condição de "explorador de mundos paralelos" e letrista do grupo, estudando mais sobre ocultismo e indo cada vez mais a fundo em suas leituras sobre fatos paranormais, coisas assombradas e etc. De vez em quando, no entanto, coisas inexplicáveis aconteciam e grandes calafrios se faziam sentir, agindo como presságios de que forças muito poderosas não deveriam ser importunadas... e estavam sendo!
Como em um dos primeiros shows da turnê americana de 1971, por exemplo, em Michigan. O grupo havia terminado o seu set regular e havia ido se refrescar com algumas beers no backstage, antes do bis. Ao chegarem nos camarins, se deparam com uma cena altamente inusitada: sobre os móveis do recinto, sofá, cadeiras, freezer - o local está repleto de cruzes invertidas, feitas de madeira, e o pior: pintadas com o que parece ser sangue. Sangue real, de verdade.
[an error occurred while processing this directive]Os móveis estão todos manchados, e aquela bagunça de cruzes invertidas logo deixa Ozzy meio inquieto. "Quem aprontou essa zona aqui?" - no início, Tony e Geezer pensam tudo tratar-se de uma brincadeira de fãs americanos, ou dos roadies, que aprontaram aquilo só para testar os nervos dos "senhores das trevas". Mas não. Geezer, irado, manda chamar Patrick Meehan, e o empresário, para surpresa de todos, não sabe de nada, e interroga um a um da equipe da banda. Nada. Ninguém, absolutamente ninguém, tinha idéia do que estava acontecendo, ou de quem poderia ter feito uma coisa daquelas. Entradas e saídas são verificadas, mas está tudo sob controle, sem nenhuma suspeita de arrombamento nem nada. Todo o material da banda está intacto também - a experiência e o dinheiro os havia ensinado a se cercarem de cuidados especiais durante os shows para que não fossem novamente vítimas de larápios e fanáticos, como quando foram atacados por skinheads na Alemanha. Até hoje, ao comentar o fato - uma das poucas coisas de que consegue se lembrar das turnês iniciais do Black Sabbath, justamente por ter sido tão estranho - Ozzy arregala os olhos o bastante para exclamar: "Fuckin' arrepiante, cara! Uma das coisas mais esquisitas que já aconteceu com a gente... dentre várias outras que ainda iriam nos deixar com grilos na cuca". De fato, apesar de suspeitas sobre roadies mais engraçadinhos terem sempre existido, nunca ninguém conseguiu descobrir quem aprontou a tal brincadeira macabra das cruzes invertidas e ensaguentadas no camarim. O sangue era legítimo mesmo - só não se sabe se era humano ou de animais, pois o grupo não teve a curiosidade de levar amostras para uma análise, e foi tudo jogado fora.
Os telefonemas bizarros e as cartas estranhas, com símbolos de ocultismo e também devidamente manchadas de sangue, continuavam desnorteando a banda, e não paravam de chegar. Foi neste clima aterrador e alucinante que foi gravado o álbum "Master of Reality", e que deu vazão, afinal, à tal mudança de conceitos a que este trabalho se propõe. O próprio título sugere um direcionamento de temas mais ligados com a realidade e os problemas atuais do mundo, deixando de lado as estórias satânicas. Nenhum single é escolhido para o disco, pois o grupo resolve não lhe dar nenhuma espécie de tratamento comercial. Tido como o mais pesado trabalho feito pela banda nos anos 70, exatamente como Tony falara, e também o com a produção mais pífia (por exigência do grupo, o trabalho de Roger Bain foi quase "anulado", deixando o som bem cru), o disco é considerado, por muitos, o que fecha a chamada trilogia de ouro do Black Sabbath, pois após ele o grupo passaria a incorporar novas sonoridades e instrumentos ao seu som, perceptivelmente mudando a sua direção musical, e deixando para sempre de ser a "principal banda underground" da primeira geração do heavy metal inglês. Conforme comentamos no capítulo anterior, foi um disco gravado às pressas e sem muitas firulas, justamente como os anteriores, e na base do "tapinha" sem parar, criando uma verdadeira fog ("névoa") de marijuana na Island Studios, onde foi gravado, totalmente no clima da faixa que abre o LP - "Sweet Leaf". As folhinhas verdes queimadas à exaustão também incentivaram um clima criativo interminável, estimulando o grupo a dar luz a alguns dos maiores clássicos do rock pesado: "After Forever" (uma elegia a Deus!), "Lord of This World", a apocalíptica "Children of the Grave" (mais uma crítica às guerras, dessa vez nucleares), e a difícil (para Bill Ward) "Into the Void", que inova, criando o crossover heavy metal-rap e algumas viradas típicas do thrash metal, depois explorados por inúmeras bandas dezenove anos depois, graças ao andamento rítmico doido e ao vocal neurótico que Ozzy imprime à música.
[an error occurred while processing this directive]O álbum é lançado em agosto de 1971. Nada de fotos ou ilustrações na capa - só o nome do disco, em letras enormes. Tudo muito simples e direto, na cabeça. Com ele, cada membro da banda, nas entrevistas que concedem, passa a dar declarações no sentido de mudar um pouco a imagem deles na mídia, contribuindo para despertar a atenção das pessoas de que o Black Sabbath é bem mais do que simplesmente estórias de horror e ritos de bruxaria, dando justificativas para os temas do novo álbum. "Nossa música parece ser mais maligna do que a de outras bandas, mas essa coisa de magia negra está saindo do controle. Estamos meio interessados nisso, e o pessoal nos dá crucifixos, mas é só", havia já declarado Geezer, certa vez, em 1970. As coisas agora, no entanto, estavam seguindo passos bem diferentes - a julgar pelos crucifixos ensanguentados do show em Michigan. Para o lançamento do novo LP, por exemplo, Bil Ward declara à Sounds: "Muitas pessoas estão sempre numa pior, mas não se tocam disso. Nas novas canções, estamos tentando transmitir um pouco disso às pessoas, ver se elas entendem que têm de enfrentar os problemas que cercam suas realidades". Tony Iommi, por sua vez, diria: "Muitas pessoas estão nos deixando pra baixo com essa cobrança de que somos uma banda deidicada à magia negra. Acho que elas estão nos confundindo com feiticeiros. A verdade é que não fazemos nenhum sacríficio no palco, e não estamos nessa de magia negra." E Geezer comenta: "De fato nós temos uns dois ou três números que são músicas sobre magia negra. Mas eles são mais contra do que a favor disso!".
Enquanto tentavam negar a fama que os elevou às alturas das paradas pop do ano anterior, o Black Sabbath prosseguia impassível em sua turnê de lançamento do "Master of Reality", muitas vezes realizando cinco shows por final de semana! O ritmo incessante das excursões, nos EUA, logo fez os membros da banda começarem a pirar, e a se sentirem inclinados a utilizar alguma substância que os deixasse ligadões a ponto de terem energia suficiente para cumprir todas as datas. Foi assim que o grupo deu boas vindas ao que eles passaram a carinhosamente apelidar de snow ("neve"), com a prestimosa ajuda de alguns roadies mais malandros, e de toda uma rede de "traficas" que recebeu a banda de braços abertos a partir do momento em que desembarcaram no aeroporto de New York - welcome, cocaine! Do novo vício, um poderosíssimo e perigoso estimulante conseguido em doses puríssimas, graças a conexões que Patrick Meehan e seus asseclas haviam estabelecido com gangues que traziam a coisa direto da América do Sul, surgiria um dos próximos sucessos da banda, a figurar em seu LP seguinte.
Ozzy, após snifar carreiras quilométricas da droga, se jão não era muito correto da cabeça, aí despirocava de vez. Uma noite, em Salt Lake City, ele e dois roadies, um deles improvisado (Greg, um americano que havia se juntado à trupe sabática), saem em um Mustang alugado, desenfreados pelas estradas dos subúrbios, com três garotas a bordo fazendo toda a espécie de loucuras possíveis. Uma delas, sentada ao lado de Ozzy, no volante (o que fazia com que a viagem parecesse um autêntico suicídio), se propõe a pagar-lhe um belo "trabalho de sopro". A menina cai de boca, e Ozzy, de narinas tão enbranquecidas quanto molhadas de whisky, que ele já estava jogando na cara a esmo, sem nem mais abrir a boca, simplesmente delira, berrando ensandecidamente e perdendo o controle da direção. Alguns latões de lixo em um beco escuro amortecem a estrondosa batida que poderia ter sido mortal. Sem ferimentos graves, mas apenas alguns arranhões, os roadies e as garotas saem esbaforidos do veículo, enquanto Ozzy jaz desacordado, caído sobre o volante. Greg, com o mínimo de consiciência que lhe restara, pega uma ficha em seu bolso e corre tropeçando até o telefone público mais próximo, a duas esquinas dali. "Pat, socorro! Vem voando até aqui, senão a polícia vai engaiolar Ozzy!", ouve Patrick Meehan do outro lado da linha, num telefone de hotel. Quando a primeira viatura passa por ali, por volta da uma da manhã, já não há mais um passageiro sequer nos bancos do Mustang arregaçado - Greg havia arrastado Ozzy para detrás do latão de lixo de um depósito a cinco metros dali, enquanto o "resgate" não chegava.
Muitas loucuras aconteceram durante esta tour americana de 1971, e o próprio vocalista, semanas depois do incidente, comentaria a um jornalista americano: "Olha, cara, precisamos de um descanso urgente. Nós nunca viajamos tanto quanto nessa turnê". O preço da fama, no entanto, ainda iria ser bem mais alto no decorrer dos anos seguintes.
Falando em arruaças de bandas pesadas dos anos setenta, uma coisa que pouca gente sabe, só os fãs mais antenados mesmo, é que os membros do Black Sabbath, a partir de 1971, acabariam estreitando relacionamento com o pessoal do Led Zeppelin, chegando a se tornar grandes amigos - especialmente os fanfarrões bateras Bill Ward e John Bonham, muito parecidos em vários aspectos (exceto que Ward, quando enchia a cara, era menos violento e explosivo que o brutal Bonham), e que chegaram a sair juntos para bebedeiras e farras homéricas várias noites. Os dois grupos teriam até mesmo chegado a gravar um hoje lendário material que já entrou para o terreno da mitologia rock faz tempo, mas que gente como Roger Bain insiste em dizer até hoje que realmente existe, e que raríssimas cópias devem estar nas mãos de algum engenheiro de som maluco que circulou por aqueles estúdios na época. O nome deste verdadeiro artefato é conhecido, pelos colecionadores de material do grupo, como "Black Zeppelin Jam", e reuniria cerca de seis músicas - todas, na verdade, versões de sons de ambas as bandas, mas intercaladas por longos intermezzos instrumentais e improvisados. Segundo algumas fontes, Jimmi Page, Tony Iommi, John Paul Jones, John Bonham, Bill Ward e Ozzy teriam dividido os microfones em duas noites de brincadeiras e drinks em um estúdio próximo ao bairro londrino de Surrey, em meados de novembro daquele ano.
A banda dá uma paradinha na maratona de shows para o Natal no final do ano, e Ozzy aproveita para passá-lo junto com sua nova família e seus pais, fazendo uma bela festa em família como nunca antes haviam tido - agora "Johnny" era famoso, o orgulho roqueiro de papai e mamãe Osbourne, e havia se tornado um pai de família, trazendo Thelma consigo. As primeiras crises entre o casal já começavam, fruto do ciúme de Thelma motivado pelo sem-número de estórias que rondavam o lar do casal sobre as groupies da estrada, mas durante as celebrações natalinas tudo parecia estar bem... até que papai Thomas Osbourne viu os olhos do filho. Ozzy estava sem dormir há dois dias e tragando um joint após o outro, ou seja: profundas olheiras e olhos vermelhos. "Meu Deus! Você tem certeza de que realmente está bem?", e Ozzy: "Não. Não mesmo."
1972 começa avassalador, com novas datas e apresentações por toda a Europa e EUA. Gigs para festivais com algumas das mais famosas bandas de rock estavam surgindo, e toda uma nova cena se criava diante do Black Sabbath e do mundo naquele ano que se iniciava: além do hard rock tomando definitivamente a mídia musical do mundo todo, o rock progressivo é uma nova realidade, e bandas como King Crimson, Yes, Pink Floyd, Genesis, Emerson, Lake & Palmer, além dos já velhos conhecidos Jethro Tull, passam a dividir com os pesos pesados a atenção dos fãs de "sonzeira" em vitrolas e concertos ao redor do globo. Uma delas, o Gentle Giant, é headline de um evento dedicado ao rock pesado e progressivo no Lyceum Ballroom ao lado do Black Sabbath que dá o pontapé inicial para um grande ano para a banda, importante por vários motivos. Alguns contadores alertam Tony e os outros para o fato de que, caso não quisessem ver suas economias indo pelo ralo, tinham que achar uma maneira de burlar o sempre pesado fisco inglês - muito mais pesado do que o som do Sabbath. Assim, seria legal que a banda, excursionando tanto para os EUA, arranjasse suas datas na terra de Tio Sam de modo que pudessem passar uns tempos morando por lá. Isso implicava na gravação do novo disco, que os rapazes estavam decididos a fazer para ser lançado logo no início do segundo semestre do ano, seguindo uma linha de trabalho que parecia estar se tornando fixa: estrada, reciclagem nos palcos da vida, uma paradinha nos estúdios no meio do ano, novo disco, e aí tudo de novo: turnê de lançamento, estrada... Patrick foi encarregado de arrumar tudo e pôr as coisas em ordem para que, já a partir de março, quando o Black Sabbath fechasse suas malas para enfrentar os yankees novamente, já ficassem por lá durante uma boa temporada.
Numa bela tarde de fevereiro, um galhofeiro e mamado Bill Ward, se desmanchando em gargalhadas, estaciona seu carro em frente ao consultório do Dr. William Leivehart Perkins. De dentro do carro, sai um esbaforido e assustado Ozzy Osbourne, que ainda não havia passado em casa para reencontrar Thelma. Para todos os efeitos, ele ainda estava viajando. De volta de alguns concertos da pequena tour inglesa, feita em cidades por onde o grupo havia passado em seu início de carreira (como Sheffield, Newcastle, Bradford e outras), Ozzy pelo jeito havia "matado as saudades" de algumas velhas admiradoras, porém, alguma (ou algumas) delas haviam lhe deixado lembranças: "Olha só, doutor. O senhor tem que dar um jeito nisso aqui! Eu sinto fogo nos pentelhos, estão a me matar!!!". O cantor havia pego um dos piores ataques de "chato" (ou o popular "piolho de saco") de que a equipe sabática tinha notícia, e já estava ficando cheio de feridas de tanto se coçar...
As datas americanas começaram na Carolina do Sul, em Fayatteville, no dia 1.º de março de 1972, e mais um sorumbático acontecimento marcaria a banda após essa apresentação. Enquanto estavam hospedados num pequeno hotel da cidade, começaram a ouvir, inicialmente, um murmurar coletivo, como se várias pessoas estivessem entrando em transe. A seguir, várias vozes femininas começaram a se levantar de modo macabro, entoando uma espécie de cântico. Ozzy, já desmaiado de brandy a uma altura dessas, acordou apavorado com a cantoria, assim como Tony. Geezer ficou ensandecido com aquilo - parecia que as pirações em torno da imagem de "banda satânica" não cessavam nunca! Algumas batidas em paredes foram ouvidas, e os cânticos ficavam cada vez mais altos, mais assustadores. Bill exclamou: "Pronto, é isso - vieram nos pegar! Agora acabou mesmo. Fomos mexer com o que não devíamos e vieram nos buscar. Estou até vendo as manchetes: banda satânica sacrificada em ritual maligno retorna ao inferno, de onde vieram!". Geezer vai até a porta do quarto em que estava e olha pelo buraco da fechadura, enquanto os outros hóspedes, todos da equipe da banda, já vão acordando e se perguntando o que diabos está acontecendo. Parecia que um grande número de bruxas, segurando velas e vestidas de batas e túnicas pretas, havia começado a cantar do lado de fora dos quartos. Faziam uma fila ao longo do corredor, do lado de fora dos quartos, e havia desde moças mais novas até mulheres de idade, bem mais velhas. Todas com um visual pra lá de arrepiante... Preocupado com a sua segurança, Geezer criou coragem e destrancou a porta, indo lá fora. Ouviram-se alguns berros e imprecações, e a voz de Geezer, num atípico tom de ódio, vociferando algo.
Após alguns instantes, os barulhos começaram a desaparecer. Quando o silêncio se instalou por completo, todos abriram as suas portas mais aliviados e ali estava Geezer, parado no corredor, conversando nervosamente com um dos guardinhas do hotel, inquirindo o homem sobre como aquela legião havia entrado ali. Patrick só chegaria no dia seguinte. Tony, assustado, pergunta a Geezer o que houve. "Uma legião de bruxas que vieram nos atormentar. Mas não se preocupem: eu as assustei de um modo que nunca mais irão voltar!".
Não se sabe exatamente o que Geezer aprontou para afugentar as tais bruxas. Os mais sérios, como Tony, dizem que o baixista recorreu a uma das preces contra bruxarias de seu repertório pessoal, a recitando até que as feiticeiras desistissem de seus planos e fossem embora. Outros, como Ozzy, espalharam boatos maldosos, dizendo que Geezer, na verdade, mostrou seu pênis para elas, o que as fez cair fora de medo. Apesar dos vários risos posteriormente, na hora, pelo menos, a situação não foi nada engraçada, mas bastante tétrica mesmo.
Durante as digressões norte-americanas, Patrick Meehan acerta todos os preparativos para as gravações do novo álbum, a se iniciarem em julho. Várias fotos do grupo são tiradas durante as apresentações na terra de Tio Sam, para compor as ilustrações do próximo álbum, e Tony Iommi, em Los Angeles para alguns dias de descanso, visita algumas casas com um corretor de imóveis que se tornara seu amigo, e que lhe apresenta várias das mais luxuosas mansões de Beverly Hills. Uma delas, um imenso imóvel com vinte e sete cômodos e uma gigantesca piscina e salão de jogos, deixa fascinado o guitarrista, que vai correndo contar para seus colegas que aquele seria um fantástico lugar para ficarem durante sua estadia nos EUA e ensaiarem as músicas para o novo LP. Após visitarem o lugar, Bill, Ozzy e Geezer, também fascinados, propõem uma idéia estonteante para o pessoal da Vertigo: já que eles iriam alugar a mansão e ficar lá, por que não já levar todo o equipamento de gravação dos estúdios direto para dentro do lugar, e gravar tudo lá mesmo? Afinal, o Deep Purple havia gravado o clássico "Machine Head" em um hotelzinho de Montreaux utilizando a unidade móvel dos Rolling Stones, e os próprios, por sua vez, haviam gravado todo o sensacional álbum "Exile on Main Street" na residência francesa de Keith Richard, não é mesmo? Um lance bem típico das extravagâncias das bandas dos anos 70, que demandava grandes gastos e mordomias sui generis, como pagar transportes de engenheiros de som e maquinário milionários, só para satisfazer os caprichos de ficarem alguns dias curtindo um solzinho e vida mansa enquanto a fita rolava. Tony se lembra das manhas: "Quando se tem dinheiro e se está no topo, é tudo muito fácil. Você diz para os executivos da gravadora que isso é o mínimo de que você necessita para estimular o seu potencial criativo, e lá vão eles te satisfazer: compram o que for preciso para você, organizam todos os detalhes necessários para que eles tenham o próximo sucesso, o próximo disco sold-out em mãos".
É óbvio que o Black Sabbath havia já mudado bastante desde os dias miseráveis de bandinha de blues e jazz rock de Birmingham. Pouco importava que o polêmico "Master of Reality", ainda que fosse um grande sucesso, não tivesse atingido as vendas milionárias de "Paranoid": rock pauleira era o que estava mandando, e gravar gente como Deep Purple, Grand Funk Railroad e Cactus havia se transformado em um negócio milionário. Há anos-luz dos tempos de dificuldade, Ozzy e seus asseclas eram agora ídolos do rock full-time, reverenciados nos palcos e perseguidos nas ruas por tietes como quaisquer outras grandes estrelas do passado (Geezer comentaria sobre isso: "Apesar do que você pode imaginar, não somos apenas mais um grupo pop teenie - nosso público não é só formado por garotinhas puberbas"). E agora, aqueles garotos ingleses, expostos 24 horas por dia às fantasias e facilidades da rica e faraônica vida de popstars nos EUA, pareciam realmente estar querendo curtir um pouco mais a vida. Tanto é que, quando exigiram da gravadora o aluguel e a gravação do novo disco em uma das mais belas mansões de Los Angeles na época, foi exigido que, em troca, disponibilizassem pelo menos algum material do novo álbum para que pudesse ser utilizado como single, em vista da recusa do grupo em fazer tal coisa para o disco anterior - e não titubearam. Não importava que soassem um pouco mais comerciais, tudo bem. Estavam na terra prometida da glória e das riquezas mesmo, tudo o que viesse era lucro. As prostitutas mais caras e inacessíveis da cidade estavam agora os visitando, sete noites por semana, fazendo exatamente tudo o que quisessem. As drogas mais puras e procuradas do continente estavam chegando para eles nas bandejas do café da manhã, com canudinhos de ouro e papel de seda turco. Todas as empresas de aluguéis de carros, hóteis, agências de shows, colegas de outras bandas e empresários do show business desejavam alguns minutos perto deles e os apludiam de pé. Às favas com a seriedade e a integridade underground: os caras do Black Sabbath, em pleno reinado do Led Zeppelin, haviam se tornado os novos "reis de L.A.".
Foi em meio a essa atmosfera dionisíaca que o álbum "Black Sabbath - Vol. 4" foi gravado. Já no primeiro dia de trabalho do novo disco, a sessão inicial registra uma canção totalmente diferente de tudo que o grupo já havia feito antes, composta em cima de uma brincadeirinha de Tony Iommi ao enorme piano de cauda colocado no hall de festas da mansão - mais uma exigência absurda de Tony, que, ao ser perguntado pelos empresários da Vertigo o que diabos um guitarrista como ele iria fazer com um piano daqueles, simplesmente respondeu: "Vou tocar, ora essa!". Foi utilizada uma letrinha rabiscada em um guardanapo que Ozzy usou ao tomar um coquetel enquanto relaxava na piscina, e que era uma variação em torno de um tema que a banda sempre tocava ao vivo durante a execução da música "Wicked World", e que se chamava "Sometimes I'm Happy" - um tema que nunca chegou a ser oficialmente gravado pelo grupo, mas que aparece na longa versão de "Wicked World" presente no disco ao vivo Live at Last. Do início da letra original ("Sometimes I'm happy / Sometimes I'm sad..."), Geezer mudou para "I feel so happy / I feel so sad...", e foi feito um lamento lírico típico das mais melosas canções de soft rock, estilo James Taylor e Bread, que infestavam o dial das rádios da época. Tony gostou do resultado final, e Ozzy, apesar de um certo estranhamento por estarem dispostos a gravar AQUELE tipo de música, entrou na viagem, relaxou com uns três baseados, e encarou as notas, vocalizando a música. Assim nasceu "Changes", a balada oficial do Black Sabbath, que até hoje faz parte de todas as sessões nostalgia e flash back de rádios FM, justamente por ser uma contrafação tão bem feita das canções românticas típicas da época. Ozzy admitiria, depois, que foi uma trip bem comercial mesmo, no sentido de produzir algo que vendesse, pois era isso que todos os "homens da grana", os produtores e executivos de gravadora, queriam.
A História do Black Sabbath
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