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Indústria fonográfica: crise ou necessidade de transformação?

Por Marcelo Sanches
Postado em 17 de março de 2004

Volta e meia nos deparamos com reportagens ou estatísticas assombrosas a cerca da crise da indústria fonográfica. Empresários e executivos ligados às chamadas majors – EMI/Virgin, WEA, Universal, BMG, Sony Music, responsáveis por 90% do mercado consumidor de discos - vem a público esporadicamente para acusar a pirataria em CD-R ou a tecnologia dos arquivos em MP-3 de serem os algozes das gravadoras, que de fato experimentam uma queda generalizada de vendas de CDs em todo o planeta, e com igual intensidade no Brasil. Por aqui, a queda estaria na casa dos 52% acumulados nos últimos anos.

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A COBRA MORDE O RABO

O discurso de crise torna-se um tanto contraditório, porém, quando analisamos um pouco mais de perto as ações das grandes companhias diante dos avanços de outras mídias que veiculam a música gravada. Primeiro, porque insistem em desprezar a nova realidade do consumo e da cada vez mais avançada troca de informações, realidade esta representada pelos arquivos em MP-3 e pela Internet. Depois, porque acusam única e exclusivamente a pirataria de ser a principal vilã da queda das vendas. Esquecem-se de que são elas mesmas produtoras de novas mídias que proporcionam esses meios de reprodução ilegal? Será que a cobra finalmente está mordendo o rabo? O feitiço estaria virando contra o feiticeiro e o monopólio estaria sendo ameaçado por seu próprio desenvolvimento tecnológico?

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CD-R, MP-3, INTERNET: OS "VILÕES"

Vamos começar pelo formato de CD-R, a mídia mais usada pelos pirateiros que copiam os discos originais; entre os fabricantes estão a Philips e a Sony, que além dos CDs-R também produzem softwares, computadores e gravadores de CD que evidentemente constituem equipamento primordial para a cópia dos produtos oficiais. O CD-R exclusivo para áudio da Philips (braço eletrônico da Universal) vem com um dispositivo que impede a cópia digital de um gravador para outro, alem de ter embutido em seu preço os royalties que (dizem) vai para editoras, artistas e as próprias gravadoras, o que pressupõe um acordo de cavalheiros entre todas as empresas. Apesar disso, o produto referido não consegue impedir a cópia se ela for realizada através do processo analógico. Torna-se necessário, porém, lembrar que o papel vivido hoje pelos CDs-R como fonte de reprodução ilegal de música foi protagonizado nos anos 70 e 80 pela antiga fita k-7 (também produzida por empresas ligadas às gravadoras), sem que esta tenha provocado tanta polêmica quanto o seu similar digital atual, não impedindo também o crescimento da indústria fonográfica no Brasil, que em 1978 computava 15% positivos –o dobro da taxa de crescimento industrial no mesmo período-, fazendo do Brasil o sexto mercado consumidor mundial e o país escolhido para sediar uma reunião de federações mundiais de produtores de disco naquele ano. O vilão daqueles tempos era o petróleo, matéria prima que encarecia os produtos e provocava inflação. Paradoxalmente ao que era previsto pelos analistas econômicos, contudo, o que se viu foi que com o desenvolvimento do hábito de se permanecer em casa –em função da redução forçada de gastos-, a classe média passou a consumir mais discos, até então um produto barato em comparação à outros bens de consumo. Além do mais, as fitas k-7 eram um recurso para se ouvir música no carro ou em espaços que não o de casa, e naturalmente era necessário comprar o disco para depois grava-lo; a qualidade do áudio de uma fita dificilmente suplantava o do disco de vinil. Hoje, a situação é bem diferente, pois temos a Internet e um enorme avanço tecnológico que transformou radicalmente os meios de comunicação, reduzindo o espaço e a distância entre o produto gravado e o seu consumidor. Se antes havia um deslocamento físico entre a minha casa e a loja de discos do bairro, hoje esse processo foi aniquilado. Pela primeira vez em sua história, a indústria da música vê-se num impasse, pois não conseguiu ainda desenvolver uma tecnologia e uma legislação suficientes para barrar a moderna troca de informações representada neste caso pelos downloads ilegais em MP-3, que na América do Norte provocaram a queda vertiginosa dos antigos singles.

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A resposta da indústria aos downloads ilegais até agora foi tímida. Modelos de distribuição oficial de música pela Internet, como o I-Tunes (da Apple Computers) e sites das próprias gravadoras, oferecem ainda poucas músicas consideradas de ‘ponta’, oferecendo apenas uma espécie de ‘gancho’ para convencer o consumidor a comprar o disco. Apesar de estarem à quilômetros de distância do que é baixado ilegalmente , o número de downloads oficiais é bastante satisfatório, apontando um horizonte novo que poucos executivos da área, no entanto, conseguem enxergar. As maiores distribuidoras paralelas de arquivos musicais –Kazaa, Morpheus, entre outras- já se ofereceram para entrar em acordo e também para criarem possíveis parcerias que viessem a minimizar o impacto da pirataria digital, mas as majors permanecem irredutíveis em não afrouxar as amarras e dividir seu monopólio, fazendo com que a briga descambe pelos tribunais afora, chegando ao ridículo de, nos EUA, abrir processos contra crianças de 12 anos de idade que baixam arquivos pela rede.

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ADAPTAÇÃO INEVITÁVEL

No 38º MIDEM, encontro dos maiores produtores de discos do mundo realizado no último dia 28 de janeiro em Cannes, na França, a conclusão final foi a de que é urgente a adaptação da indústria à era digital, com previsões realistas que adiantam o fim do CD como mídia distribuidora de musica. Entre as causas desta transformação inevitável, está, alem da piratariaem CD-R, a localização do jovem consumidor –aquele com menos de 30 anos de idade-, que não compra mais discos com o objetivo de acompanhar uma obra conceitual ou um trabalho autoral mais apurado; a crescente velocidade da troca de informações e a característica efêmera das relações midiáticas atuais, além do desemprego, fizeram com o que o jovem –em outros tempos consumidor de compactos simples e singles- encontrasse na Internet o modelo ideal para satisfazer sua fugaz necessidade de consumir um hit ou dois.

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BANALIZAÇÃO DA MÚSICA

Não nos esqueçamos também da excessiva massificação da música popular, que transforma bailarinos, cantores precoces e corpos esculturais em artistas da música, deslocando o seu sentido como arte e estética para segundo plano, em benefício de rostinhos bonitinhos e roupas engomadas e da vida pessoal das estrelas. Em outras palavras, o jovem consome mais atitudes e posturas com as quais se identifica do que exatamente a música como manifestação artística, e isso a jornalista e crítica Ana Maria Baiana expôs com precisão em um artigo recente, chamado "O Dia Em Que A Música Rachou", publicado em julho do ano passado no site "Comunique-se". Vendem-se atitudes e modos de vida, categorias sociais que tem na música uma de suas marcas, ao lado de roupas e estilos de penteados. Para confirmar que não se trata de simples coincidência, basta consultar o site da ABPD –Associação Brasileira dos Produtores de Discos- e constatar que a MPB melhor trabalhada, gênero que ainda comporta uma produção mais direcionada ao lado estético, poético e possivelmente ‘conceitual’, vendeu apenas 8% do total consumido no ano de 2001. O pop/rock romântico e o sertanejo, estilos sempre presentes nos programas de TV e em emissoras de rádio mais populares, renderam 44% desse bolo.

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NOVOS RUMOS E ACORDOS

Esses indicadores apenas apontam para o óbvio: é preciso uma adaptação à nova lógica de relações sociais, midiáticas e mercadológicas. Se o jovem é consumidor ativo do MP-3, nada mais prático do que criar uma alternativa que venha a abastecer as expectativas mais específicas desta faixa etária (até os 30 anos), oferecendo repertório mais completo em condições viáveis. Para tanto, é absolutamente necessário dar as mãos ao ‘inimigo’ neste momento, ou seja: entrar em acordo com a Sharman Networks, empresa australiana de softwares que controla o Kazaa, por exemplo, que já se disponibilizou para um possível entendimento amigável com as majors. As vantagens de uma nova forma de comercializar música via Internet seriam muitas. Vejamos: em primeiro lugar, não se investiria tanto dinheiro em artistas de qualidade duvidosa, criando assim um meio de testar sua duração no mercado, pois a produção poderia se limitar à algumas canções consideradas de apelo mais comercial que não exigiriam a confecção de um álbum inteiro para se jogar na praça. Há sempre uma ou duas músicas de real sucesso mesmo num CD de um artista bem popular; as gravadoras poderiam reduzir seus custos ao produzir essas duas canções e comercializá-las em MP-3, impedindo ao mesmo tempo que se pirateasse o CD todo, como hoje é prática. Em segundo lugar: haveria uma verdadeira democratização dos meios de divulgação da música em geral, pois diversos artistas –independentemente de estilos- poderiam usar dessa redução de custos e conseguir maior espaço junto às grandes gravadoras para divulgar seu trabalho com maior amplitude, ganhando o apoio dos departamentos de marketing das majors e da mídia em geral, pois os custos estariam ‘enxugados’ dos longos períodos em estúdios e de tudo o que envolve hoje a confecção de um disco inteiro e sua distribuição. As gravadoras estariam mais próximas de um formato de um site do que propriamente de gravadoras, e selos menores que hoje lutam arduamente para sobreviver dentro dos 10% restantes do mercado encontrariam também maiores condições de organizarem-se e investirem em novos nomes, já que ainda dependem das maiores distribuidoras para divulgar seus produtos. O Brasil ainda tem, certamente, um número de internautas bem pequeno em função da pobreza e do acesso zerado dos jovens das faixas mais pobres à rede. Mas acordos com entidades públicas e ONGS poderiam ser feitos no sentido de oferecer a Internet gratuitamente à essa faixa desprezada pela lógica de mercado, em espaços públicos como bibliotecas e escolas das redes municipais e estaduais, o que poderia acontecer através de sistemas de redução de impostos e leis de incentivo envolvendo as gravadoras. Por que não? Uma das causas alegadas para o alto preço dos CDs não é justamente o excesso de carga tributária? Uma outra alternativa seria também oferecer ao consumidor a oportunidade de montar seu próprio CD, baixando do site da gravadora as faixas que lhe interessarem, montando assim sua própria coletânea, como já o fizeram alguns sites como o Music Maker.com nos EUA, que no entanto não ganhou divulgação o suficiente para transformar-se em opção consistente. Vale acrescentar que nestes casos, a permanência do formato CD-R torna-se fundamental. Produzindo esta mídia e inserindo em seu preço final os direitos autorais e os pagamentos dos profissionais envolvidos, as gravadoras certamente não sairiam perdendo. O CD-R seria então uma mídia de apoio à veiculação e distribuição de música pela Internet, principalmente aos consumidores de classes sociais mais desprovidas e carentes, que não possuem computador em casa. Pela recusa das majors em debater com os softwares de MP-3 sobre um possível entendimento entre as partes é que esse processo já se difunde, mas de maneira ilegal e injusta para com músicos e artistas em geral. É claro que tal negociação dependeria de acordos e arranjos totalmente inéditos que teriam que ser discutidos entre as várias classes que participam da realização de um produto fonográfico hoje: músicos de estúdio, compositores, produtores, técnicos, fotógrafos, artistas gráficos e demais profissionais envolvidos. Alguém duvida que, se unidos em um comum acordo que beneficie todas as partes -- o consumidor e os artistas, as gravadoras e as empresas de softwares de MP-3-- uma solução será encontrada? Insistir no oposto desta tendência que o MP-3 e a Internet oferecem é investir, repito, na pirataria e numa limitação viciosa de espaços, que acaba proporcionando uma expressão vulgarizada por interesses que são sempre limitadores da música como manifestação de legítimas tradições regionais e de uma arte com alta qualidade artística e estética, empobrecendo-a e banalizando-a. Se a mídia bombardeasse menos o consumidor procurando mante-lo sempre sob controle, como acontece há tempos, e apostasse ao contrário numa democratização da oferta, poderíamos ter uma diversidade maior, que com certeza traria benefícios incalculáveis para a divulgação e realização de trabalhos musicais. Tudo isso, repito, envolve uma vontade política de todas as partes, e cabe perfeitamente aqui a afirmação de que não são apenas os executivos e empresários os responsáveis pela ‘crise’ (prefiro dizer ‘necessidade de mudança’) que infelizmente, produziu até aqui mais choradeira do que soluções práticas, mas também uma grande parte dos músicos e compositores brasileiros, que talvez estejam mais concentrados em seus umbigos do que nos possíveis consumidores de sua arte, mais acomodados em sua fama e vaidade no que na chance que seus talentos oferecem para que colaborem com a transformação do mundo em algo mais prazeroso e justo, senão o próprio, pelo menos esse da indústria fonográfica.

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Sobre Marcelo Sanches

Marcelo Sanches é compositor, jornalista, radialista e pesquisador musical, além de apaixonado por rock and roll.
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