Glenn Hughes: qualidades do show superaram os problemas
Resenha - Glenn Hughes (Ilha dos Pescadores, RJ, 17/12/2010)
Por Vitor Bemvindo
Postado em 22 de dezembro de 2010
Colaboração e fotos: Luiz Felipe Freitas
O MOFODEU completou nesse ano o seu terceiro aniversário. O primeiro show que cobrimos depois de inaugurar o programa foi o de GLENN HUGHES no Circo Voador, no dia 28 de outubro de 2007. Na "resenha" sobre aquele show (que pode ser lida aqui), utilizei os adjetivos "incrível", "inesquecível", "excelente", "vigoroso", entre outros, para tentar descrever a experiência. Passaram-se mais três anos, e a experiência se repetiu, na última sexta-feira, na Ilha dos Pescadores, e mais uma vez terei que repetir tais adjetivos.
Muita coisa mudou nesses três últimos anos, principalmente na minha forma de se apreciar um show. Como podem notar na primeira "resenha", o lado fã transparece de uma maneira efusiva e a empolgação por estar diante de um ídolo pela primeira vez é evidente. O estilo irônico e quase irresponsável na análise daqueles fatos também são pontos que não se pode esconder naquele texto.
Apesar de um pouco menos irresponsável, continuo, no entanto, um apaixonado pela música e por grandes artistas de que marcaram a história do Rock. Os leitores que já se depararam com minhas análises devem ter notado que nunca me revisto de uma pompa de crítico para denegrir a imagem de grandes nomes, nem uso da soberba de muitos para achar defeitos em tudo que presencio num espetáculo. Ao contrário, a paixão pela música é a principal marca do meu texto.
Por isso, não há como não falar apaixonadamente do que presenciei no último dia 17 de dezembro. Estive diante de um grande nome da história do Rock que, apesar de pouco lembrado, foi responsável por grandes inovações no Hard Rock. Glenn Hughes foi pioneiro em introduzir no rock pesado levadas com swing típico do soul, do rhythm and blues e do funk. Apesar de ser britânico e branco, Hughes parece ter sua alma nascida no Tennessee, no berço de uma família pobre descendente de escravos africanos que fizeram a América crescer com seu suor e sangue. Não tivesse ele nascido na terra da Rainha, talvez tivesse conseguido um contrato com a Motown nos anos 1970.
Se o Funk Rock introduzido pelo TRAPEZE (banda da qual Glenn Hughes foi fundador) não transformou a história da música, foi importante por seu lado inovador e experimental. Essa característica marcaria a carreira de Hughes, sendo sempre a sua marca registrada nos seus vocais e na sua maneira de tocar contrabaixo.
Essa característica foi responsável pela radical transformação no som de uma das mais conceituadas bandas de Hard Rock setentista, o DEEP PURPLE. Após sua entrada no grupo, em 1973, o mundo conheceu um pouco do Funk Rock, antes restrito ao underground.
Por essas e outras é fascinante estar diante de uma figura como essa. Apesar de estar no local inadequado, com uma plateia em número restrito e com o som indigno de sua magnitude, é impossível sair do show de Glenn Hughes sem ter a alma lavada.
Para a apresentação na Ilha dos Pescadores, Hughes contou com a ajuda de sua banda de apoio para a sua carreira solo, que conta com Søren Andersen (guitarra), Anders Olinder (teclados) e Pontus Engborg (bateria). Se o grupo não está à altura dos grandes nomes que estiveram ao lado do vocalista/baixista, tampouco se pode dizer que se trata de meros incompetentes. Os músicos, ao contrário, trouxeram uma sonoridade bastante interessante para a apresentação, com um peso "metaliano" que fez um ótimo contraste com o swing do baixo e da voz de Hughes.
O show começou com a "Muscle and Blood", um hard rock tipicamente oitentista com um riff pegajoso, herança da parceria de Hughes com Pat Thrall. Com peso dado pelo seu grupo de apoio, a canção ganhou uma roupagem bem mais interessante.
O funk rock tomou conta do ambiente quando Hughes e companhia retomaram a primeira canção do Trapeze da noite: "Touch My Life" (do álbum "Medusa", de 1970). Logo depois o pequeno público presente explodiu pela primeira vez, com "Sail Away", um dos destaques do clássico "Burn" (1974), do Deep Purple.
A relação de Glenn Hughes com a plateia merece uma consideração especial. O artista parece ter o público na mão o tempo inteiro. A intimidade que ele cria com os espectadores faz com todos mantenham-se conectados com o palco de uma maneira quase que transcendental. A admiração estava nos rostos dos poucos felizardos que participaram daquele momento.
Toda essa admiração foi recompensada com mais uma canção do Trapeze. "Medusa", que dá nome ao álbum de 1970, foi recentemente regravada pela banda Black Country Communion, projeto de Hughes com o guitarrista Joe Bonamassa, o baterista Jason Bonham e o tecladista Derek Sherinian. A versão executado aqui no Rio se assemelhou muito com a que saiu no disco "Black Country", lançado nesse ano.
Em seguida vieram dois petardos de sua carreira solo: "You Kill Me" ("The Way It Is" – 1999) e "Can’t Stop the Floor" ("Building the Machine" – 2001). Essa última canção, na minha opinião, um dos melhores trabalhos realizados por Hughes em seus projetos solos.
O Deep Purple voltou a ser lembrado com o melancólico blues "Mistreated". A participação do público, cantando a canção, pareceu surpreender os músicos da banda. O local pequeno favoreceu que o uníssono da plateia entoando tomasse grande vulto, deixando Hughes e seus companheiros visivelmente emocionados.
Logo após esse momento de êxtase, veio outro: "Keepin’ Time", uma obra-prima do álbum "You are the Music... We’re Just a Band" (1972). Mantendo o nível de empolgação nas alturas, seguiu-se "Stormbringer", faixa-título do álbum de 1974 do Deep Purple, que fez o público fazer a pequena casa de espetáculo tremer. A primeira parte do show foi encerrada com "Soul Mover", do álbum solo de mesmo nome, de 2005, que com seu refrão fácil, fez com todos os presentes cantassem em plenos pulmões.
Os músicos deixaram o palco por poucos minutos e, quando voltaram, trouxeram a poderosa faixa "Addiction" (que dá nome ao fraco álbum solo de 1996). Para encerrar, com chave de ouro, o que a maioria do público esperava: "Burn", do Deep Purple. Os comentários sobre a reação dos presentes é dispensável.
A apresentação de Glenn Hughes no Rio só faz reforçar a ideia de quem tem acompanhado a carreira do músico nos últimos anos: a de que ele está em plena forma. Os seus trabalhos solos lançados na última década são prova disso. Além disso, o recente lançamento de "Black Country" mostra que o artista ainda tem muita lenha pra queimar.
O local escolhido para o show demonstrou ser inapropriado. Além do difícil acesso, o local é demasiado pequeno e com uma acústica bastante prejudicada. Em algumas partes do show foi difícil compreender o que o cantor pronunciava, problema esse percebido pelos demais músicos que a todo momento sinalizavam para os técnicos com o intuito tentar solucioná-lo. Por outro lado, o pequeno espaço tornou o espetáculo mais intimista, reforçando a relação entre o artista e a plateia.
Vale ressaltar o empenho da produção do evento em trazer o artista ao Rio, mesmo sabendo das dificuldades de encontrar um local adequado para o mesmo e da carência de público para espetáculos desse tipo na Cidade Maravilhosa. Imagino que a Ilha dos Pescadores foi a solução encontrada pelos responsáveis pelo evento, e esse esforço é digno de elogios e não de críticas.
Em suma, as qualidades do show superaram todos os problemas e mais uma vez, as palavras para descrevê-lo não são outras senão: "incrível", "inesquecível", "excelente", "vigoroso", etc.
Set list:
Muscle and Blood
Touch my Life
Sail Away
Medusa
You Kill Me
Can't Stop the Flood
Mistreated
Keepin' Time
Stormbringer
Soul Mover
BIS:
Addiction
Burn
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