De suspensórios, Neil Young faz seu maior espetáculo
Fonte: Folha Ilustrada
Postado em 13 de fevereiro de 2003
IVAN FINOTTI
da Folha de S.Paulo
De suspensórios e com um cabelo tigela, Neil Young fez em 1978 a série de shows mais importante de sua carreira. Era a turnê que culminaria com o lançamento do álbum "Rust Never Sleeps", no qual Young gravaria algumas de suas canções mais marcantes. Destaque para a balada "My My, Hey Hey (Out of the Blue)" e sua irmã pesada "Hey Hey, My My (Into the Black)".
Young queria um documentário sobre a turnê, mas a produção, "Rust Never Sleeps", que sai agora em DVD no Brasil, acabou sendo a filmagem de um único show, o de São Francisco, realizado em 22 de outubro de 78.
Dirigido por ele mesmo, sob o pseudônimo de Bernard Shakey, "Rust..." não apresenta imagens de bastidores ou entrevistas com os músicos de sua banda, a Crazy Horse. Como disse Young na época, o registro "é melhor que o espetáculo ao vivo, especialmente para os amigos que não querem passar pela paranóia que rodeia esse tipo de espetáculo".
Seja como for, o show é um apanhado dos hits da carreira de Young (como "The Loner", "After the Gold Rush" e "The Needle and the Damage Done") intercalado com as novas canções de "Rust Never Sleeps". A trilha sonora do filme seria lançada em disco duplo no ano seguinte, sob o nome de "Rust Live".
São 18 músicas, incluindo "Thrasher" e "Welfare Mothers", que ficaram de fora na edição em vinil. No caso de "Thrasher", é fácil agora entender o porquê: Young esquece um trecho da quilométrica letra, mas segue.
O espetáculo traz alguns números um tanto teatrais. Os roadies (profissionais que cuidam e carregam os instrumentos), por exemplo, fazem parte do show.
Vestidos com túnicas marrons e com olhos luminosos (idéia copiada dos mercadores de andróides de "Guerra nas Estrelas", sucesso cinematográfico do ano anterior), eles se esforçam para erguer os aparelhos gigantescos que fazem parte do cenário. Mas a brincadeira cria momentos constrangedores, como quando os roadies dançam "Cinnamon Girl" no estilo caipira americano.
Young brinca ainda com a ferrugem (rust, em inglês), oferecendo à platéia óculos especiais, tipo 3D, para que todos possam vê-la. "Todas as bandas enferrujam e agora você vai poder ver Neil Young e Crazy Horse enferrujando no palco", diz um apresentador. Luzes cor sépia garantem o efeito especial.
Prestes a completar 33 anos, e sendo um astro do rock and roll, Young estava mesmo preocupado com seu envelhecimento. Na canção "My My, Hey Hey", ele saudava o estouro do punk, que prometia esmagar os velhos dinossauros do rock. Dizia, sem nenhuma ironia aparente: "The king is gone, but he's not forgotten/ this is the story of a Johnny Rotten" ("O rei se foi, mas não está esquecido/ esta é a história de um Johnny Rotten"). Rotten é o cantor da banda punk Sex Pistols, que já havia terminado.
Dizia mais: "It"s better to burn out than to fade away" ("É melhor queimar logo do que desaparecer aos poucos"), frase que estaria 16 anos depois no bilhete de suicídio de Kurt Cobain (1967-1994).
Ao admitir a própria ferrugem, Young parece ter encontrado, de alguma forma, um antídoto para a corrosão. O que explicaria por que é um dos raríssimos astros de rock a envelhecer dignamente.
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