Detroit Rock City: melhores bandas dos 60s da terra dos motores
Por Paulo Severo da Costa
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As pessoas que morrem em Detroit e, em seguida, vão para o inferno, provavelmente, acham que estão no céu. Eu sei, porque eu já estive em Cleveland" - a frase sarcática de JAROD KINTZ coaduna com o imaginário coletivo - fria, industrial e recordista nos indíces de violência e pobreza dentre as maiores cidades norte-americanas, a metrópole pode ser, a grosso modo, considerada como um exemplo de ambiente inóspito dentre os pequenos oásis de alienação que parecem povoar a má vontade ianque.
Se é fato que a cidade que "perdeu" VICENTE FURNIER para PHOENIX (e, por respeitar a história de ALICE COOPER- a banda- que por ter iniciada suas atividades naquele local, não foi incluída aqui) jamais teve o apelo dos excessos de L.A. ou a aura da angústia grunge de Seattle, assim como nos subúrbios de Manchester, no panorama decadente da Nova Iorque dos anos setenta ou na aridez proletária de Birmingham, a dificuldade deu a luz à um epifenômeno criativo do rock n´roll dos anos sessenta.
"Me mudei daquela merda de cidade porque não aguentava mais a negatividade daquele lugar"- nas palavras de JACK WHITE, nativo da ‘Motor City" e conhecido por sua veemente repulsa à cidade, "Detroit é o lugar mais deprimente em que já estive". Talvez seja esse o fator distintivo do ambiente que, se foi iluminado pela Motown,ou pelas baladas heartland de BOB SEGER, também traduziu o rancor das ruas para os acordes envenenados de GORE GORE GIRLS, THE VON BONDIES e THE DETROIT COBRAS. Contudo, para compreender a fúria irritadiça dos nomes relevantes das últimas décadas, a história mostra que o som dos pistões remete à década em que, nas palavras de OLIVER STONE, "a história do mundo contemporâneo começa de verdade" .
Com o nome retirado da fictícia gangue do romance homônimo de IRVING SCHULMAN, o THE AMBOY DUKES, é, provavelmente, uma das menos lembradas bandas de proto-metal; historicamente ofuscadas pelo brilhantismo do BLUE CHEER e do VANILLA FUDGE. Mesmo com um som ácido e potente, com o sucesso do single "Journey to the Center of the Mind," de 1968, tendo lançado ninguém menos que TED NUGENT e promovido discos bem interessantes, o AMBOY (que durou de 1964 a 1975) parece ter sido relegado à uma categoria definida por DAVE WHITE como: "Eles foram bem sucedidos comercialmente, influenciaram seus pares, futuras gerações, têm nomes reconhecíveis...mas, por uma variedade de razões, quando são mencionados, a pergunta começa com: "O que aconteceu com ...?". Mesmo com a maré contra, a banda segue mencionada como influência seminal de grupos como THE FLESHTONES, DREAM SYNDICATE e HAWKIND.
Em termos de ficha policial corrida, o MOTOR CITY FIVE - MC5 - mostra que, além de seminais para o punk, overdoses e prisões por arruaça eram coisa para o time juvenil do rock n´ roll. Esquerdistas radicais, traficantes e junkies ao extremo, eles deixaram claro que, se o caminho para o topo do rock n roll é longo, ele também é dolorido como uma paulada na orelha.
Em um curto período de duração inicial (de 1964 a 1972), as apresentações do MC5 foram descritas pelo aclamado (e odiado) colunista ROBERT BIXBY como "uma força da natureza catastrófica que a banda mal era capaz de controlar". Se IGGY POP rolava por cimas de cacos de vidro e vomitava no palco toda noite, as guitarras de WAYNE KRAMER e FRED "SONIC" SMITH funcionavam como metralhadoras cuspindo riffs a torto e a direita. Influenciados por forças tão diversas quanto CHUCK BERRY e marxismo, o som da banda casava a política reacionária e a violência das ruas em um som nocivo, barulhento, maravilhoso.
Kick out the jams, motherfuckers!" – vamos detonar filhos da p..." - era a singela mensagem do MC5 a seu público no debut da banda - dez anos antes dos PISTOLS serem banidos da mídia inglesa por dizerem "escroto" em rede nacional. Depois de três álbuns clássicos, o grupo se separou e cada um foi cuidar da vida: KRAMER puxou uns anos de cadeia por tráfico de entorpecentes, o vocalista ROB TYNER morreu de ataque cardíaco com quarenta e seis anos, "Sonic" Smith morreu de overdose com quarenta e cinco, o baixista MICHAEL DAVIS morreu de cirrose hepática e o baterista DENNIS THOMPSON (mais conhecido como "Machine Gun")... está vivo. E reativou a banda em 2003 que já contou com LEMMY e IAN ASTBURY como vocalistas em participações especiais.
"IGGY POP se tornaria notório pela performance manchada de sangue ou manteiga de amendoim e o stage diving. RON e SCOTT ASHETON formaram uma seção rítmica ridiculamente primitiva, espancando acordes sem nenhuma finesse - em essência, os Stooges foram a primeira banda de rock & roll completamente despojada de ‘swinging beat" que sintetizara o R&B e rock and roll dos primórdios. Com essa definição, STEPHEN ERLEWINE definiria o que todo mundo entendeu anos depois; o STOOGES foi a primeira bnda punk da história. Provenientes de Ann Arbor, parte integrante da grande Detroit, o combo (cuja era inicial compreende o perído de 1967 a 1974) simboliza a costura na colcha de retalhos entre o garage/hard/punk, unindo o choque performático com a muralha noise que sustentou os clássicos ‘The Stooges’(1969), "Fun House"(1970) e "Raw Power"(1973).
Retornando às atividades em 2003, o grupo mostrou vigor em "Weirdeness"(2007) e, já sem RON ASHETON (falecido em 2009), "Ready To Die"(2013). Como o tempo é inexorável, SCOTT ASHETON faleceu em 2014. Como DAVE ALEXANDER (que saiu da banda em 1970) já havia falecido em 1975, os dois sobreviventes, POP e JAMES WILLIANSON continuam tocando; algo como os últimos bastiões de uma época singular; porém provindos de uma terra que, para além da fumaça encapsulada dos motores a diesel, continua fértil para o rock n´roll.