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Dejane Grrrrl: "Toda ferramenta de conscientização é importante"

Por Pedro Hewitt
Fonte: FullRock
Postado em 19 de julho de 2019

Ciente de toda a loucura pós política e dores de cabeça do dia a dia, há um cenário intenso onde pessoas dispostas então movimentando pra valer o verdadeiro Underground, seja com eventos diversos, parcerias, formando bandas que possuem uma qualidade absurda, organizações impecáveis de movimentos culturais, enfim. Dejane Grrl é uma destas pessoas, que com muita honra tivemos um bate papo sobre seus projetos, iniciativas, opiniões e muito mais. Confira!

Pedro Hewitt – Com muito prazer faço essa entrevista dedicada não só a você, não só ao Underground feminino do Ceará, não só a do Brasil, mas do mundo todo. A representatividade de integrantes bateristas e percussionistas femininas pelo país anda ganhando cada vez mais força, você, Dejane, desenvolve diversas atividades na música, tanto dentro, quanto fora de palco. Como faz para dividir seu tempo em cada banda? Como é a convivência dentro de cada uma?

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Dejane: Às vezes é difícil conciliar os horários das bandas com a rotina de trabalho, por exemplo. Atualmente estou com 4 bandas, e em todas as bandas tem integrantes da região metropolitana e da capital. Eu mesmo moro na região metropolitana, então tento deixar o dia certo pro ensaio de cada banda. O mais complicado são os rolêsque as vezes chocam as datas, então acabo dando prioridade aquele que firmei primeiro.

Quanto à convivência, eu sempre digo que banda é a família que a gente escolhe. Então eu tento manter contato com a galera dentro e fora dos estúdios. Seja pra se reunir e jogar vídeo game,preparar um rango ou dar rolê.

Pedro Hewitt – O Coletivo Girls To The Front é algo muito especial para o cenário das mulheres. Fale mais sobre.

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Dejane: Particularmente, é uma realização! Eu sempre via festivais com essa proposta fora do estado; Ladyfest, Mulheres no Volante, o Vulva La Vida, e ficava pensando se um dia iria ver algo do tipo em Fortaleza. Quando rolou a primeira edição, o coletivo nem era formado ainda. Eu fui pra tocar e fiquei maravilhada com aquele rolê. Depois disso entrei em contato com Joicy (Que organizou e depois iniciou o coletivo), e junto com outras mulheres formamos o coletivo.

Eu tô tocando desde a adolescência e vejo a cena de mulheres crescendo, e isso é muito gratificante. Depois de algumas edições do Girls To The Front, outras galeras abriram os olhos pra esse lance de dar espaço e se ligar em tentar incluir banda de/com mulheres na formação.

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E essa é nossa proposta, dar visibilidade e oferecer um espaço seguro para nós, mulheres.

Pedro Hewitt - Além de integrar essa grande quantidade de bandas e o coletivo, você acompanha e vivencia a correria do Underground pela cidade, o que você acha que mudou ou precisa melhorar pela região? E pelo Nordeste? Seja em relação ao público, incentivo aos projetos e força de vontade para a mulherada.

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Dejane: Eu acho que hoje as pessoas devem estar mais atentas e pesquisar mais sobre bandas com mulheres. Porque às vezes usam o argumento que não há bandas com mulheres, quando na realidade só não se deram ao trabalho de pesquisar um pouco. A mulher sempre foi invisibilizada em tudo, não seria diferente no rock. Quando se pensa nas "principais bandas", dificilmente é citada uma de mulher. E quando perguntam sobre isso, muitas vezes lembram apenas de Joan Jett ou Janis Joplin, por exemplo. E claro que isso não seria diferente no underground.

Então pesquisem e apoiem bandas com mulheres. Tem uma página maravilhosa no facebook chamada "União das Mulheres do Underground – Brasil" que sempre tá apresentando bandas e mostrando lançamentos.

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Pedro Hewitt – Na mesma linha de raciocínio, o que você acha dessa galera que faz sucesso muito rápido hoje em dia, isto é, sobre o mercado mais acima?! E desses movimentos em prol do Rock atual, como coletivos, etc...? Em diversas regiões do país possui uma galera bem DIY, mas já vi uma pequena minoria que não valem a pena nem saberem da existência.

Dejane: Bem, tem uma galera que forma uma banda e as vezes acaba tendo o trabalho conhecido mais rápido que outras que já existem há um tempo. Mas não vejo isso como um problema. Porque acredito no Underground como cooperação, e não competição. Então se a galera forma banda ou coletivo, é sincero com aquilo que tá propondo, tem mais é que ser reconhecido mesmo.

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Pedro Hewitt – O bom que todos os projetos são diretamente ligados, levando em conta as manifestações e militâncias, analisando o mapa atual de bandas, crescendo no sentido das citadas, acha que os números condizem a realidade das mulheres negras?

Dejane: Não, não é proporcional. Eu afirmei que a mulher no Rock é invisilibizada, e acredito que isso é bem mais intenso com a mulher negra. O próprio movimento Riot Grrrl é bem branco, tem sua raiz bem branca. Eu li um zine chamado "Preta & Riot", da Bah Lutz (Banda Bertha Lutz) que falou que há uma pauta no movimento riot gringo, em que repensa a famosa frase da Kathleen Hanna em que ela diz "Girls to the front" para "all black girls to the front". Esse zine é bem interessante, surgiu de um desconforto da Bah, como mulher, negra, gorda e lésbica, falando sobre suas experiências e na outra edição ela faz um mapeamento de bandas com mulheres negras! Que iniciativa incrível!

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É triste pensar que o rock teve origem a partir de uma mulher negra, e que mesmo assim somos minoria.

Pedro Hewitt – O Diagnose é uma das minhas bandas favoritas do Nordeste Grindcore, sem dúvidas foi uma surpresa imensa em saber que você estava integrada nela, deu um UP gigante. Uma curiosidade que tenho desde então, como foi a transição da sua entrada?

Dejane: A banda estava parada há uns 6 anos, acho. E eu, Frank e Alisson tínhamos a Discräsia, e fazíamos um cover de "Trincheiras Urbanas". Um dia pedimos pro Jorge Matagato fazer uma participação em um ensaio. Acabou que a energia foi muito intensa! Tanto pra nós 3: Estar tocando com ele, que era algo muito especial porque sempre foi uma referência pra nós; quanto pra ele, que estava com saudades de cantar os sons da diagnose. Acabou que ele fez uma proposta pra gente pegar mais sons pra um show só. Mas tudo fluiu tão foda que a banda acabou firmando com essa nova formação.

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Estar na diagnose é uma das melhores coisas que me aconteceram. Não só porque eu admirava muito a banda, mas porque os meninos são como meus irmãos. E cada ensaio, cada apresentação é sempre incrível!

Pedro Hewitt - Você, mulher, forte, independente, presente nos palcos, fora dele, simpatizante da anarquia, enfim, o tal papo de preconceito, existe?

Dejane: Sim, existe demais. Quando você é mulher e se dispõe a fazer algo, parece que tem que ser 2 vezes melhor naquilo. Isso se aplica em tudo na vida. Seja no trabalho, faculdade ou na música. Às vezes rolam uns pequenos detalhes que a galera não percebe que também é preconceito. Por exemplo: a super proteção. Muitas vezes alguns caras se oferecem pra carregar meu instrumento, afinar meu baixo, ligar meu pedal. Poxa, eu tô alí do lado do meu companheiro de banda, e não vejo todo esse cuidado com ele. E fora aquele clássico de elogiar o que estou fazendo, comparando à um homem. "Nossa, você toca como um cara!". Ou outra que já ouvi foi "ah, ela toca assim porque é sapatão!". Como se ser lésbica me torna mais próxima de ser um homem. E como se ser homem fosse algo que merece ser elogiado.

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Pedro Hewitt – Qual a importância de se ter uma banda feminista de Hardcore/Grindcore/Punk/Metal no cenário atual?

Dejane: Quando pensamos sobre punk e suas vertentes, parece que de cara todas as questões serão abordadas nas letras. Mas isso não é o que acontece. É importante que existam bandas de mulheres e bandas feministas para que haja um diálogo sobre nossos corpos, sobre nossos espaços. O feminismo veio pra mim através da música, por exemplo. E temos aí um presidente que é uma ameaça clara as minorias, e se antes nem todo mundo tinha acesso à livros e uma boa educação, agora é bem pior. Então toda e qualquer ferramenta de conscientização é de mega importância.

Pedro Hewitt – Qual a importância do português hoje em dia no Underground?

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Dejane: Cantar em português traz um diálogo mais direto com quem tá ouvindo a música, e se ela é política, a pessoa já começa a contestar aquilo que estamos abordando. Eu sempre toquei em bandas que cantam em português, Dead Enemy é a primeira que tem letras em inglês (Risos).

Pedro Hewitt – Os ditadores de regras estão espalhados pelo Brasil todo, isso infelizmente afeta de várias formas as situações e até nos incentiva em continuar. Levando em conta os que falam de visual (Roupas, maquiagem, etc), você têm alguma preocupação com visual? Concorda que atitude e beleza são inconciliáveis em cima de palco?

Dejane: Isso é bem fora da minha realidade. Eu nunca me preocupei com a roupa que uso ou com cabelo e essas coisas. As roupas que uso em apresentações são as mesmas que uso em casa ou no trabalho (Risos)

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Como consegui viver de Rock e Heavy Metal

Pedro Hewitt – O festival que teve suas edições em várias partes do Brasil, Hardcore Contra o Fascismo (Organizado em Fortaleza pela Associação Cearense do Rock), ocorreu um caso um tanto inusitado. Membros radicais da extrema direita atirando de forma covarde e inútil contra famílias, crianças, membros de banda e avulsos curiosos. Diante tais acontecimentos já de conhecimento, as barreiras estão ativas para que essa corja toda seja revelada e excluída do nosso meio. Parece até que essa tal ‘’democracia’’ que eles tanto falam não existe para os que não concordam com as idéias, não respeitam, não querem ouvir, não querem saber, apenas atender do lado deles. Qual está sendo o maior obstáculo nessas horas para o nosso subterrâneo manter com a chama acesa?

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Dejane: Eu acho que a candidatura e eleição de Bolsonaro foi um divisor em tudo. Família, trabalho e na cena também. Eu sei que é desgraça atrás de desgraça, mas houveram 2 coisas que consigo destacar como algo positivo.

A primeira é que a máscara da galera caiu. Existia muita gente com ideais fascistas dentro mesmo do rolê, e mostraram a cara. Eu prefiro ter uma cena de 10 pessoas em que posso confiar plenamente, do que uma com 100 pessoas e dentre elas, algumas que tenho sempre que ficar com pé atrás!

E a segunda é que vi algumas pessoas que antes estavam no rolê apenas pra curtir o som, começarem a se conscientizar e politizar. Várias bandas também assumiram uma postura Antifa e acho que isso uniu e acendeu a cena. E o underground é isso mesmo, essa união, um espaço onde temos voz e somamos nossos gritos numa forma de destruir o que nos afeta, o que nos viola.

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Pedro Hewitt – Seus coletivos possui planos médios/grandes para o futuro? O que podemos esperar e o que pode falar?

Dejane: Houve agora a primeira parceria entre o coletivo Girls To The Front e a ACR (Associação Cearence do Rock) para a realização do FORCAOS, sua 20° edição. Essa edição que foi feita de forma completamente independente, apenas com parcerias das bandas, amigxs e colaboração financeira virtual (Através da Vakinha). Foi muito importante pra nós essa parceria. Porque o Forcaos é o maior evento de rock que temos em Fortaleza, e espero que ela continue.

Sobre projetos, 2 meninas do coletivo alugaram um espaço que funcionará como loja de artigos de rock, o que é muito bom porque existem mil lojas nesse formato, mas em poucas você encontra camisas ou cds de bandas de mulheres, e essa é uma das propostas. Funcionará também um café/bar, e aí entra outra causa; a alimentação vegetariana.

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Esse espaço servirá também como sede do coletivo, então alguns eventos ocorrerão lá. Incluindo o início da turnê da Eskröta no Nordeste.

Pedro Hewitt – É válido lembrar que você irá vir para Teresina dia 27/07 com a Dead Enemy (Como tu agüenta esses caras?! –Risos-) e tocar um Crossover intenso. Quais suas expectativas?

Dejane: Expectativa a mil! É meu terceiro rolê com os meninos, e a primeira vez que viajo com eles. É a primeira vez também que vou à Teresina, o famoso calor do inferno (Risos). Os meninos sempre falam de como o show aí foi brutal, então estou muito ansiosa!

Pedro Hewitt – Finalizo essa entrevista e deixo o espaço dedicado para você manifestar o que bem entender. Nos vemos! Pro front sempre! Dejane: Pedro, muito obrigada pelo convite para a entrevista, muito obrigada pelo apoio à Dead Enemy! Vai ser muito foda curtir esse rolê por aí! Galera que tá lendo: Formem bandas, apoiem a cena indo à festivais, comprando material das bandas. Leiam as letras!

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Fotos por: Divulgação - Natércia Design & Fotografia

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Sobre Pedro Hewitt

Estudante, Headbanger, amante de relações públicas, responsável pelo Infektor Self Festival & Toque Rápido ou Peça Perdão, trabalha desde 2015 com produção de shows em Teresina. Teve a oportunidade de trabalhar com grandes nomes do Metal como Onslaught, Air Raid, Enforcer, Fist Banger, Escarnium, entre outros.
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