O Preço: Botando a rebeldia pra fora
Por Nelson de Souza Lima
Postado em 24 de agosto de 2020
Rebelde por natureza o punk surgiu objetivando derrubar os muros da desigualdade. Com discursos, letras, riffs furiosos e muita atitude em prol de uma sociedade equânime as bandas punks (normalmente, já que tá tudo tão louco) são contrárias a governos totalitários. Seguindo esta linha a recém-criada O Preço mostra no álbum de estréia seu inconformismo, marcando terreno contra o atual ocupante da cadeira presidencial.
"Acho o Bolsonaro um pateta incompetente, tiozão do chinelo rider, mas essa é a minha opinião", diz o líder da banda, Christian Targa.
Mais conhecido como Gordo o cara empunha a guitarra e vocifera versos que escancaram as mazelas sociais sendo figura carimbada na cena punk rock. Por mais de 20 anos esteve à frente do Blind Pigs, grupo emblemático da época no underground brazuca.
Com O Preço o cara volta ao street punk, mostrando pros nutellas de plantão, como se faz punk roots. Riffs e solos cortantes de guitarra, bateria reta e baixo com linhas envolventes dão o alicerce para o vocalista evidenciar sua postura contestatória, botando a contumaz rebeldia pra fora.
"Ainda sofremos os mesmos problemas e dificuldades, nesse ponto nada mudou. Porém muitas coisas mudaram pra pior, é praxe usar as letras para protestar, montar linhas de raciocínio, conclusões, mas eu gosto de tentar escrever de uma forma que a pessoa tenha uma identificação imediata, independente de pra qual time ela torce, afinal os problemas são de todos, todo mundo no mesmo Titanic, mas também tento deixar claro de que lado estamos, o lado do bom senso, lado do povo, lado dos mais necessitados, lutar contra o racismo e contra as injustiças do mundo é uma obrigação de todos nós, independente da sua crença em A ou B", atesta Targa.
Completam o grupo Luccas (guitarra/vocal), Marcos Rolando (baixo/vocal) e Mário Rolim (bateria) , sendo este responsável pela identidade visual e todo material de divulgação dos caras. Abaixo a entrevista na íntegra que Christian Targa concedeu por e-mail, falando de punk, roqueiros reaça, governo sem direção e, claro, o álbum estreante D'O Preço. Confira
1- Começando pelo básico e direto. Como surgiu a ideia da banda e por que O Preço?
Christian Targa - O Preço começou a ser trabalhado logo após a minha saída do Blind Pigs, passamos por algumas formações até chegar na formaçåo que gravou o disco, mas logo após o lançamento nós chamamos o Luccas para compor a segunda guitarra e dividir alguns vocais comigo.
2- Você já tá na estrada há um bom tempo. Esteve à frente da Blind Pigs por mais de vinte anos. Como analisa a cena punk? O movimento está em qual momento? Uma vez que com o passar do tempo houve uma mudança no cenário com bandas novas surgindo e mostrando postura mais branda em relação ao sistema?
CT- Acho que o discurso ainda é o mesmo, lutar contra tudo que é errado no mundo, botar toda rebeldia pra fora, sobre tudo o que nos incomoda na vida, politicamente, psicologicamente, ideologicamente, já diziam os Garotos Podres, "eu não gosto do governo, não confio no presidente, eu não acredito na ordem e progresso", é incrível como essa frase e tantas outras do punk são atemporais, Ainda sofremos os mesmos problemas e dificuldades, nesse ponto nada mudou. A cena punk teve um boom nos fim de 98, 99 em São Paulo, com a abertura do Hangar 110, que fortaleceu muito todas as bandas do estilo, hoje em dia tem menos público nos shows, mas foi uma queda gradual ao longo dos anos, mas ainda existem pessoas de bom gosto musical por aí, ufa.
3- No caso d'O Preço a sonoridade é bem roots. Com riffs e solos diretos, baixo marcado e batera reta. As letras falam das mazelas sociais atirando contra políticos corruptos, irracionalidade humana, instituições bancárias e desigualdade. No atual momento fazem mais sentido que nunca. Fale sobre isso.
CT- Sim, como te disse acima, muita coisa no mundão não mudou, e muitas mudaram pra pior, é praxe usar as letras para protestar, montar linhas de raciocínio, conclusões, mas eu gosto de tentar escrever de uma forma que a pessoa tenha uma identificação imediata, independente de pra qual time ela torce, afinal os problemas são de todos, todo mundo no mesmo Titanic, mas também tento deixar claro de que lado estamos, o lado do bom senso, lado do povo, lado dos mais necessitados, lutar contra o racismo e contra as injustiças do mundo é uma obrigação de todos nós, independente da sua crença em A ou B.
4- A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder produziu uma situação esquisita entre os roqueiros. Muitos que "estavam escondidos no esgoto do autoritarismo" fizeram emergir seu discurso de ódio. O que pensa disso?
CT- É uma pena, o radicalismo, independente do lado, não leva a lugar nenhum. Eu até me esforço pra entender o porquê algumas pessoas votaram no presidente, mas não consigo entender por que ainda o apóiam, depois de tanta presepada, tanto descaso com a pandemia e com a própria cultura, da qual esses músicos fazem parte, mas, cada um acredita no que quer, desde que não afete ou acerte o próximo, desde que haja respeito, eu acho o Bolsonaro um pateta incompetente tiozão do chinelo rider, mas essa é a minha opinião.
5- Como foi o processo de produção do disco? Você é o letrista principal. Como foi chegar a estas quatorze músicas?
CT- Foi um processo longo de uns 2 anos, fazendo muita letra, muita música, aos poucos elas foram criando forma e passando por algumas "peneiras", aproveitando os arranjos de cada formação, até chegar o momento de gravar, fiz todas as músicas e letras com exceção de "Unidos Somos Reis" na qual foi feita pelo batera Mário Rolim , ai fiz algumas adaptações em letra e melodia, assinamos a música juntos, e com certeza virão mais dessas parcerias com os caras, é fundamental a participação de todos nos próximos processos de composição.
6- O disco foi lançado em 2019 e neste ano vocês divulgariam, principalmente em shows, contudo a pandemia paralisou todos os eventos. Como estão divulgando?
CT- Sim nós fizemos todo um planejamento de shows para 2020, mas quando a pandemia começou nós tivemos que cancelar mais de 14 shows só no primeiro semestre, SP, interior de SP e em outros estados, outras datas marcadas para o segundo semestre ainda serão adiadas, mas sem previsão. A banda no momento está cumprindo a risca a quarentena, apenas lançando produtos como bonés, camisetas, patches, também divulgando o disco nas plataformas digitais e os nossos dois clipes.
7- Uma vez que rádios comerciais dão pouco (ou nenhum espaço) pra divulgar o trabalho das bandas que buscam alternativas nas plataformas digitais. Vocês trabalham muito isso?
CT- Sim, temos alguns conhecidos que tocam nossos sons na rádio aberta, caso do mestre Clemente e o Thiago dj, mas somos mais tocados em rádios independentes, Antena Zero, Mutante Rádio, Real Punk Rádio, entre outras. Mas o nosso disco está disponível em todas as plataformas digitais, incluindo o Bandcamp, muito usado fora do Brasil. O disco foi lançado em uma parceria com a Detona Records e a Vertigem discos no Brasil, nos EUA pela Otitis Media Records do Texas, e na Europa pela Comandante Records, todos os selos fazem um belo trabalho conjunto de divulgação e distribuição, tive muita sorte em achar parceiros especiais para esse lançamento.
8 - No texto de apresentação é citada questão de liberdade e recomeço. Você tem no Preço toda a liberdade que não teve em outras bandas/projetos? O Preço tem a cara do Gordo?
CT- Eu sempre tive muita sorte também em trabalhar com pessoas que me deram total liberdade artística, gravei só o que eu quis gravar, como eu quis, foi assim a vida inteira, n'O Preço não seria diferente, 100% minha cara! Eu me considero um sortudo em ter essa liberdade, o aval dos selos, investidores, carta branca, me considero um afortunado por isso.
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