Amyl and the Sniffers em São Paulo: Catarse Coletiva no Cine Joia
Resenha - Amyl and the Sniffers (Cine Joia, São Paulo, 06/03/2025)
Por Guilherme Montin
Postado em 14 de março de 2025
Nos botecos e izakayas daquele bairro com nome do sentimento adorado pela vocalista da noite, sentia-se a vibração e a expectativa pairando no ar de uma noite quente e abafada de Março. Haviam amyls de todas as idades, de sniffers então… os banheiros estavam cheios.
O segundo show em solo nacional, o primeiro show solo e esgotado. A Paulicéia se animou para ver a Desvairada E Seus Asseclas de nariz grande e funcional. E tudo valeu a pena.


O Cine Joia tem um nome adequado, de fato é uma jóia cintilante em meio a uma cidade com pouquíssimas boas opções de casas de shows de médio porte. A disposição de um cinema antigo ajuda, com seus grandes tablados descendentes até o palco que ajudam na visão daqueles que são verticalmente desfavorecidos… não é meu caso. Egoísta e alto, em mais de um sentido, me dispus na segunda fileira após pagar o usual preço facada em 2 latas de cerveja necessárias pra abater o calor infernal e adequado pro que viria.
A abertura se deu pela banda Klitoria. Nunca tinha ouvido falar, mas aparentemente… bem aparentemente… e las ganharam uma votação pra abrir um show tão importante e esperado. Procurei ouvir a banda antes do show, coisa que sempre o faço. Nos meus textos tento manter mais a classe do que no balcão, então me limito a dizer que é uma banda de músicos ok e músicas de uma falta de criatividade galopante, como se ser agressivo fosse o bastante, mas tudo o que parece é música pra adolescente, beira o constrangedor mesmo. Surpreendentemente o show em si, apesar das músicas ruins, foi bom. A banda claramente se preparou, o mise en scene da baterista-vocalista (que, junto com o guitarrista, são as salvações técnicas) com a banda disposta em volta dela, trouxe algo de interessante. Ali não é perda total: só falta crescer criativamente. Mas definitivamente não foi a escolha correta pra abrir tal show, prova foi o comentário da baterista-vocalista logo após a segunda música, que teve que parar pra "limpar as mãos pq o creme que passei no cabelo ta escorregando na baqueta". É.


Finalizado o clitório, o lugar logo se transformou no purgatório que todos esperávamos. Com 15 minutos de um atraso charmoso mas inconcebível pra quem já foi colonizado pela Inglaterra, eles subiram ao palco. No palco: nada além de instrumentos, pedais e amplificadores. Nem telão, nem luzes, nem explosões, nem nada que pudesse nos distrair do que os 4 estavam lá pra nos dar. Sem frescuras, eles estavam a postos. A banda se divide em duas: os três australianos que conseguem parecer nóias e simpáticos ao mesmo tempo, tocando como se estivessem no porão de casa: olhando pra pontos fixos sentindo a brisa da música e sabe-se mais la do que.


E ela.
Amy Taylor é uma gigante caminhando sobre o palco, esmigalhando a possível atenção para outra coisa que não fosse ela, vê-la cantando é uma mistura de runaways com o futuro. Agaixa, pula, bate cabeça, da passinhos ao estilo Dolly Parton, sorri, aponta pra plateia e berra. Berra e berra. E sorri de novo, como sorri um sorriso que trafega entre o simpático e o insano. Uma rockstar puro sangue que teria sido exatamente quem ela é em 1975, 1985, 1995, 2005, 2015 e pra nossa graça brilha aqui em 2025, lembrando que ainda dá pra trazer uma juventude que andava achada demais e redescobre o prazer de se perder numa noite de distorção, cerveja e tudo o mais o que vier. Começaram com 7 pauladas dos seus 3 discos em sequência. Até um respiro em Chewing Gun. Pouquíssimas falas com o público, mas nem precisava, ela já dizia tudo. Os sniffers atrás gritavam em excitação vez ou outra, a plateia era outro show a parte: o sentimento de catarse tomou conta do ambiente do primeiro ao último acorde. Como pode uma banda australiana que tem apenas 7 anos e 3 discos ter todas as músicas cantada em uníssono por milhares de brasileiros? Ali tem algo diferente mesmo. Knifey é sempre um espetáculo, pra mim uma das letras mais absolutamente agressivas e poéticas da banda, e responsável por boa parte da fama, devido a aquela interpretação antológica em Glastonbury 2022. Vi meninas e mulheres com lágrimas nos olhos berrando a plenos pulmões. De sentar e admirar. Mas não dava tempo pq logo veio Some Mutts (Can't Be Muzzled) e o lugar veio abaixo pela 12a vez. Mais pauladas, inclusive U Should Not Be Doing That que, pra mim, é a música que ilustra melhor o crescimento de uma banda de rock de garagem pra uma banda verdadeiramente original, inovadora, e com potencial de virar tudo de cabeça pra baixo, no melhor dos sentidos: They Are Doing That. Veio o bis e o "olé olé olé olé Amyl Amyl" em que a banda subiu ao palco visivelmente emocionada e surpresa, cantando junto e admirando o que São Paulo lhes reservava. Balaclava Lover Boogie e Facts pra terminar em batimento máximo. O show termina, a banda se despede rápida e sorridente, as luzes se acendem e o sentimento de catarse termina com uma incredulidade coletiva do que tinha acabado de acontecer… todos sabiam: uma das novas maiores bandas do mundo havia destilado uma porradaria absolutamente incrível naquele pequeno palco, em 4 instrumento sem frescura e sem clichês. Amyl And The Sniffers é passado, presente e futuro do rock mainstream num mundo em que ele rareia... mas volta melhor do que nunca.

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