Como tentativa de dança da chuva frustrada inspirou um grande sucesso do rock nacional
Por Gustavo Maiato
Postado em 04 de agosto de 2025
Não é raro que a inspiração para grandes músicas venha de situações inesperadas, ou até mesmo trágicas. No caso de "Me Chama", um dos maiores sucessos do rock nacional nos anos 1980, a origem da canção combina tudo isso: um ritual frustrado, perdas pessoais e um mergulho profundo na solidão. Quem revelou essa história foi o jornalista Raul Ruffo, em publicação feita no Instagram.
Lobão - Mais Novidades

"Uma tentativa frustrada de dança da chuva inspirou um dos maiores clássicos do rock nacional dos anos 1980", escreveu Ruffo, antes de explicar em detalhes o que motivou Lobão a escrever "Me Chama". Segundo ele, o ponto de partida foi um filme com Dustin Hoffman. "Ele [Lobão] estava assistindo a um filme em que o personagem fica horas tentando fazer a dança da chuva, mas não consegue. Até que ele diz: ‘Nem sempre as mágicas funcionam’", relatou.
O filme em questão seria Pequeno Grande Homem (Little Big Man), mas Ruffo admite que a lembrança pode estar misturada: "O único filme que encontrei assim é esse, mas o ritual lá não é bem assim. É um indígena que faz um ritual para entregar um espírito e diz: ‘Pode ser que a magia funcione; às vezes, não’."

Apesar da imprecisão cinematográfica, foi essa ideia — de uma magia que falha — que acabou moldando o refrão angustiado da canção: "Nem sempre se vê mágica no escuro".
O contexto pessoal, no entanto, foi ainda mais decisivo. "Depois de ter a ideia da música, a mãe dele tirou a própria vida", contou Ruffo. "A namorada holandesa sugeriu que fossem para a Holanda, mas aí o pai dela morre. Ela fica na Holanda e ele volta para o Brasil."
Ao retornar, Lobão encontrou uma situação desoladora: estava sem grana, o telefone de casa cortado e mergulhado no escuro, isolado do mundo. "Ele estava no escuro, sem contato com o mundo, com saudades", disse Ruffo. Nesse cenário, surgiu a frase que abre a música: "Chove lá fora e aqui faz tanto frio".

"Ele decidiu pintar os rodapés da casa e resolveu escrever", completou o jornalista. O telefone, que estava cortado, só permitia receber ligações, o que se tornou outro elemento literal da letra. "Por isso ele clamava para a namorada Alice Pinkpank ligar para ele. Ele estava num completo abandono."
Sobre a construção do refrão, Ruffo explica: "Ele resolveu misturar a frase do ritual indígena: ‘Nem sempre se vê mágica no escuro’. A música nasce como um grito de socorro, de alguém completamente sem chão."

Lobão e "Me Chama"
A força emocional da canção é tamanha que acabou gerando um ruído até mesmo entre gerações musicais. Quando João Gilberto regravou "Me Chama", suavizou o arranjo e, para surpresa de Lobão, suprimiu justamente o refrão. "Perguntei onde estava o refrão, que dizia ‘Nem sempre se vê mágica no absurdo’. Ele disse que retirou porque não entendeu", contou Lobão em entrevista ao Corredor 5. "É uma música aflita e desesperada, de solidão e angústia profunda."

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