Pearl Jam: "Spin the Black Circle", fina ironia de Eddie Vedder
Por Diogo Araújo
Postado em 22 de junho de 2006
"Spin the Black Circle": um hardcore com muita pegada, ótimos riffs, guitarras estourando e um espancamento público de bateria, traz à sua frente os vocais dilacerados do Vedder. Não bastasse a perfomance impecável da banda e o encaixe perfeito da música no setlist de Vitalogy (é a segunda música, entre "Last Exit" e "Not For You") o melhor está no seu recheio; a letra é uma das maiores sacadas do Ed.
Em muitos versos temos uma primeira impressão sobre a música que se descompacta e ambigüiza, até se esfacelar, ganhando contornos de genial ironia quando o refrão se coloca... (gritado em golfadas quase que percussivas).
See this needle
A-see my hand
Drop, drop,
Dropping it down
Oh, so gently
É mais que óbvio emprestar a estas palavras a significação de uma alusão às drogas injetáveis. Há um olhar que seleciona ora uma agulha, ora a sua própria mão pulsante. Tudo ganha força nos versos seguintes, onde os efeitos expansivos da droga parecem surtir grande efeito.
Oh, here it comes
I touch the plane
It turns me on
Won't turn you away?
Eis o convite que termina a primeira estrofe. Vem o refrão. Mas esqueçamos dele por enquanto... Porque tudo parece se confirmar nas palavras seguintes:
Hmmm pull it out
A paper sleeve
Oh, my joy
Only you deserve conceit...
E, mesmo na ponte seguinte, novamente a alucinação química parece estar no auge:
Oh I'm so big...
My whole world
I rather You, rather you
Than her
Novo refrão e um grito espremido precedem um riff estonteado num cromatismo da secção harmônica... É como se o narrador tivesse perdido o seu norte. A música se retoma a seguir, o depoente se recompõe... Há as palavras do êxtase total:
You're so warm
Oh the ritual
When I lay down
Your crooked arm
A quentura, o ritual e o braço torto e flácido do entorpecido extasiado; é mesmo uma ode ao consumo dos injetáveis. Só pode... Mas o que dizia o refrão mesmo? O que redunda o próprio título da música? "Spin the black circle." O disco preto gira. Gira o disco preto.
Nem ode desbaratada, nem apologia ao uso dos alucinógenos... químicos. A música era sempre sobre o amor nostálgico aos discos. Sobre o ritual de tirá-los de suas grandes capas e colocá-los embaixo da agulha dos velhos aparelhos de vinil. Sobre baixar o "braço" curvo, torto que "segura" essa mesma agulha. A agulha lê a música, o fanático ouvinte se extasia, se entorpece de som e ritmo. Também sobre preferir a compania dos discos do que a dEla. Só os discos merecem conceito e a gentileza de deslizar sobre a mão, trazendo a impressão de que podemos desafiar a gravidade junto aos aviões e o nosso corpo "expandido".
Fina ironia de Ed Vedder, grande homenagem e amor pelas bolachas sonoras.. Uma inscrição no encarte de Vitalogy completa o sarcasmo genial;
Cd is like bad acid... Viva la vinyl.
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