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The Mandrake Project não envergonha, mas certamente não marcará a história de Bruce Dickinson

Resenha - Mandrake Project - Bruce Dickinson

Por Marcelo R.
Postado em 15 de abril de 2024

Nota: 6 starstarstarstarstarstar

Matéria originalmente publicada na página Rock Show

Adianto-me, já de partida, precavendo o espírito do leitor: vou cutucar um vespeiro.

Antes, porém, uma ressalva: Bruce Dickinson, personalidade que dispensa apresentação, não precisa, já há muito, provar nada a ninguém.

Focando exclusivamente na trajetória musical do cantor – afinal, sabemos da sua longa e invejável biografia nas mais diversas atividades extramusicais –, Bruce Dickinson emprestou sua voz a registros que se tornaram clássicos históricos absolutos e inquestionáveis do rock e do heavy metal. Não é possível nominá-los aqui, mesmo que apenas ilustrativamente, sem tornar esse parágrafo excessivamente longo. Essa festejada trajetória é autoexplicativa àqueles que lhe acompanham o longevo percurso, seja no Iron Maiden, seja em sua carreira solo.

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Ainda, vale rememorar que Bruce Dickinson enfrentou, há alguns anos, tratamento contra câncer na garganta, o que lhe poderia prejudicar ou, talvez até mais tragicamente, lhe impossibilitar as atividades de canto. Incrível e bravamente, Bruce Dickinson venceu esse processo, física e psicologicamente excruciante, e regressou à cena. E o mais impressionante: cantando ainda melhor!

Pois bem. Feitas essas considerações iniciais, necessárias para destacar a inegável relevância artística e a bravura da história de superação de Bruce Dickinson, lançarei, adiante, minhas impressões sobre o seu recém-lançado álbum solo, The Mandrake Project.

Foto: Reprodução
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Após longuíssimo hiato desde o último registro, Tyranny of Souls, datado de 2005 (particularmente, meu álbum solo favorito do artista), Bruce Dickinson lançou, recentemente, novo material, The Mandrake Project, que será acompanhado por turnê mundial (com direito a visita ao Brasil para uma série de shows, em um dos quais estarei presente).

A expectativa, desde o anúncio do lançamento de The Mandrake Project, era bastante alta, sobretudo considerando o nível de qualidade dos três últimos álbuns do vocalista: Accident of Birth, The Chemical Wedding e Tyranny of Souls.

Algumas canções foram homeopaticamente liberadas, aperitivos ao lançamento do álbum. Inicialmente, Afterglow of Ragnarok foi disponibilizada, ao final de 2023. Posteriormente, em 2024, Rain on the Graves.

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Após a primeira audição, nenhuma delas empolgou. Nas subsequentes... tampouco.

Quem, porém, acompanha o Iron Maiden sabe que a banda tem o [péssimo] hábito de lançar, como singles, canções que não são necessariamente as melhores do material vindouro. Com o The Mandrake Project, essa era justamente a minha esperança.

O material foi, então, lançado e... água no chope.

Não é que The Mandrake Project seja particularmente ruim ou que agrida aos ouvidos. Longe disso. A questão, aqui, é que o material, no geral, não empolga. Ou, na melhor das hipóteses, empolga muito pouco, em breves momentos e em recortes específicos. E, inegavelmente, isso é um tanto frustrante, considerando que o artista dispôs de, e os fãs pacientemente aguardaram por, quase 20 anos para esse lançamento, o que evidentemente lhe permitiria melhor maturação. Era o que se esperava, ao menos...

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Não se pretende, aqui, analisar o álbum faixa a faixa, até mesmo para não tornar essas impressões enfadonhas. A ideia é a de imprimir uma visão geral de The Mandrake Project.

Vejamo-la.

O álbum inaugura com Afterglow of Ragnarok, previamente lançada como single. A faixa estrutura-se sobre bases pesadas e cadenciadas e é antecedida por uma introdução obscura e soturna. Os elementos típicos das canções da carreira solo do Bruce Dickinson estão lá, mas a sensação é a de que lhe falta sabor, tempero que lhe confira gosto à receita. Sem outros ingredientes, a faixa parece um tanto insossa às papilas gustativas. Afterglow of Ragnarok é apenas uma canção padrão de heavy metal tradicional. Um lugar-comum, e apenas isso.

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Many Doors to Hell, que vem em sequência, possui andamento mais acelerado e alguns arranjos mais vivazes e menos pesados, que remetem às influências de hard rock, vez ou outra identificadas na discografia de Bruce Dickinson (como em Tattooed Millionaire). A canção não é exatamente primorosa, mas proporciona momentos agradáveis.

Resurrection Men é, em relação ao que se ouviu até então, uma evolução em The Mandrake Project. Analisando com franqueza, Resurrection Men, na verdade, promete mais do que oferece. Com uma introdução interessantíssima e sonoramente bastante aprazível – remotamente assemelhada, numa avaliação puramente pessoal, a um ritmo flamenco –, a faixa é aberta com um clima folk, trazendo ao ouvinte a impressão de que, ao menos aqui, outras influências serão, finalmente, experimentadas e incorporadas (conferindo a The Mandrake Project, assim, respiro de criatividade).

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Cessada, porém, a atmosfera que funcionou como introdução à canção, Resurrection Men sequencia-se com arranjo e estrutura meramente normais de heavy metal tradicional, desprovidas de qualquer ideia que, particularmente, confira à faixa destaque ou impressão especial. Não é, repita-se, uma canção ruim, mas, novamente, não há nada memorável aqui. Há, em última análise, verdadeira quebra de expectativa, já que a canção possuía ótima premissa e partiu, em sua introdução, de ideia bastante interessante e promissora, desaguando, porém, em algo absolutamente comum e mediano.

Fingers in the Wounds é, talvez, um dos cumes do álbum. A canção é pesada, envolta por uma aura eletrizante e ritmada com um andamento situado entre o cadenciado e o veloz. Dessa combinação resultou uma faixa épica, que certamente funcionará muito bem ao vivo e empolgará o público, com a sua vibrante vivacidade.

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Fingers in the Wounds não é, igualmente, uma canção particularmente memorável e certamente não ocupará espaço no rol de clássicos inesquecíveis da carreira solo do Bruce Dickinson, mas, por certo, representa um bom momento em meio à audição de The Mandrake Project.

Eternity Has Failed é a mesma canção que o Iron Maiden, anteriormente, aproveitara no álbum The Book of Souls, com uma ligeira alteração no título (If Eternity Should Fail) e em alguns outros detalhes. A faixa é excelente, embora a versão retrabalhada pelo Iron Maiden soe-me melhor aos ouvidos, sobretudo no quesito da produção, menos abafada e menos seca.

Mistress of Mercy, embora conte com uma performance elogiável de Bruce Dickinson – com um alcance de tons e notas elevadíssimas –, soa tão genérica, insossa, sem peso e sem inspiração, que não merecia figurar sequer como Lado B do álbum. Pareceu-me uma faixa tipicamente filler, daquelas que servem apenas para ocupar espaço e alongar o tempo do material.

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As canções derradeiras de The Mandrake Project, mais lentas, são bem intencionadas e entregam momentos apreciáveis, embora, repita-se, o álbum esteja desprovido, também aqui, de qualquer clímax.

Shadow of the Gods resgata, intencionalmente ou não, agradável e saudosista memória afetiva de Accident of Birth, especialmente diante das primeiras palavras de seu verso inaugural. Essa canção também pode ser considerada um destaque no álbum, com sua bela e sentimental introdução sequenciada por uma explosão sonora de peso e agressividade.

A estrutura complexa de Shadow of the Gods é formada por alternâncias de movimentos e ritmos, imprimindo-lhe, assim, tom heterogêneo, cativando o ouvinte pela imprevisão e surpresa. Ao lado de Fingers in the Wounds, a faixa Shadow of the Gods é a minha favorita de The Mandrake Project.

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A canção derradeira, Sonata (Immortal Beloved), possui premissa interessante. Trata-se de uma canção longa, com quase 10 minutos. Com um ritmo que desfila entre o cadenciado e o lento, Sonata (Immortal Beloved) é, a um só tempo, sombria e bela.

Permeada por arranjos que lhe conferem tons românticos e dramáticos e, ainda, envolta por uma atmosfera de suspense, a faixa agrada justamente pelo seu clima gélido e obscuro e, também, pelas alternâncias de ritmos.

Sonata (Immortal Beloved) conta, ainda, com um belo e sentimental solo de guitarra inserido nos últimos minutos da canção, que lhe acompanha até o final. Desfecho digno e elogioso – o mais próximo de algo que se possa chamar de "memorável" –, ao cabo de uma audição apenas morna.

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E assim se encerra The Mandrake Project.

Um comentário lateral, apenas de passagem: por algum motivo, Sonata (Immortal Beloved) me lembrou, em sua estrutura, de A New Moonlight, do Andre Matos (faixa essa que, por sua vez, é versão/regravação estendida e retrabalhada da faixa Moonlight, do Viper).

A produção de The Mandrake Project também deixou a desejar. Esse ponto, pelo que li em outras resenhas e comentários, dividiu opiniões. Particularmente, pareceu-me que o som, em The Mandrake Project, está um tanto abafado e, leigamente falando, comprimido. Essa foi, ao menos, a minha percepção.

Por fim, após todas as considerações acima formuladas, vale destacar, com especial ênfase, que, embora a qualidade das composições esteja bastante aquém em relação aos álbuns anteriores do artista, o desempenho vocal de Bruce Dickinson continua formidavelmente surpreendente.

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O sexagenário vocalista, bravo vencedor de uma batalha contra câncer na garganta, está em plena forma e ainda domina, com segurança e maestria, técnicas e habilidades que impressionam e emocionam. Como um bom vinho, o tempo só fez – e está fazendo –bem ao sempre tão obstinado e imponente Bruce Dickinson.

Em suma: The Mandrake Project não é álbum ruim, mas está bastante longe da categoria de memorável (embora não lhe tenha faltado tempo à maturação).

As canções soam, no geral, meros padrões do estilo, com algumas exceções de excertos/recortes específicos encontrados por garimpagem durante a audição.

Sem clímax, sem um grande hino e sem desenvolvimento mais cuidadoso de algumas das boas ideias/premissas encontráveis, aqui e acolá, em momentos específicos, The Mandrake Project, embora não envergonhe – longe disso! –, certamente não marcará a memória dos apreciadores do trabalho do Bruce Dickinson, tão pródigo em clássicos.

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The Mandrake Project é um álbum mediano, morno, com pouca inspiração ou criatividade, mas que, claro, proporciona alguns bons momentos. Vale, assim, a audição. Faça-o, porém, precavido(a), sem grandes expectativas.

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Sobre Marcelo R.

"Marcelo R. é natural de Itu. Da fama de sua cidade, herdou alguns exageros, como o gosto pela música e pela literatura. Ávido leitor e aficionado por uma imensa gama de subgêneros do rock, possui especial paixão pelo metal nacional, do qual é incansável apoiador. É colecionador de discos, já tendo completado algumas discografias, como a do Katatonia e a do Bruce Dickinson. Nas horas vagas, é um despretensioso escritor, aventurando-se especialmente em resenhas de livros e de música. Colabora com a página Rock Show, sediada no site Medium. É formado em Direito."
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