Transatlantic: qualidade do álbum supera seu formato inovador
Resenha - Absolute Universe - Transatlantic
Por Victor de Andrade Lopes
Postado em 15 de fevereiro de 2021
Nota: 8
Numa manobra que entrará para a história, o supergrupo euro-estadunidense de rock progressivo Transatlantic lançou um trabalho em nada menos que três edições diferentes.
The Absolute Universe, escrito originalmente em fins de 2019, nasceu como um disco duplo. Alguns meses e um início de pandemia depois, o vocalista e tecladista Neal Morse (ex-Spock's Beard, The Neal Morse Band, Flying Colors) ouviu seu novo "filho" e determinou que aqueles 90 minutos de música deveriam virar um disco só. Nem todos os demais integrantes compraram a ideia de início, mas o vocalista e baterista Mike Portnoy (ex-Dream Theater, ex-Adrenaline Mob, Flying Colors, The Winery Dogs, The Neal Morse Band, Sons of Apollo), o visionário, veio com a solução: por que não lançar os dois?
E assim, o vocalista e guitarrista Roine Stolt (ex-Kaipa, ex-The Tangent, The Flower Kings, The Sea Within) "apadrinhou" a versão longa (batizada de Forevermore), enquanto que Neal tomou para si a "responsa" de criar a versão não apenas resumida, mas também "alternativa", termo que aqui significa "com vocalistas, letras e instrumentações diferentes para não parecer apenas uma versão 'radio edit' de um álbum inteiro". Esta edição recebeu o nome The Breath of Life. E como se não bastasse, criaram ainda a versão Ultimate, uma espécie de média entre as duas.
O resultado disso tudo? A princípio, uma bagunça. Cada vez que os integrantes divulgavam o produto em suas redes sociais, recebiam uma enxurrada de perguntas sobre como diabos ele "funcionaria". Eu mesmo levei um tempo para determinar de que maneira ouvir o trabalho para resenhá-lo. Acabei por escutar as duas versões principais e me vejo agora com a difícil missão de "traduzir" a jornada auditiva aos meus dois ou três leitores fieis.
Em termos estritamente musicais, o lançamento é "fácil", seja lá até que ponto eu possa usar este termo para qualificar a música de um quarteto que envolve as três lendas supramencionadas e que completa sua formação com o igualmente lendário vocalista e baixista Pete Trewavas (Marillion).
Digo "fácil" porque tirando alguns momentos dos quais ainda falarei neste texto, a música não traz nada que ninguém esperaria. São quatro grandes músicos expoentes do rock progressivo moderno fazendo música de qualidade inegável. Diferente do Sons of Apollo, em que os cinco monstros parecem competir (ainda que sadiamente) a cada compasso, aqui temos quatro moderadores constantemente impedindo que um ou outro soe muito fora da curva.
Isso não impede, absolutamente, que cada um brilhe como pode. Falar de Mike é chover no molhado. Neal é um dos melhores tecladistas vivos de que o mundo do rock dispõe hoje, e isso sem abusar de "frituras" e várias camadas de efeitos pré-programados. Com a velha combinação cordas, órgão e seu indefectível timbre eletrônico, ele faz faz água virar vinho.
Roine faz sua guitarra valer por três e Pete, com suas linhas inteligentes e proeminentes, conquistou o coraçãozinho deste futuro baixista que vos escreve. E juntos, os quatro criam harmonizações vocais que não devem muito àquelas das grandes bandas de rock clássico.
Numa situação um tanto inédita, o supergrupo dá à luz um lançamento que é longo não pelo tamanho das faixas, mas pelo número delas (14 na versão encurtada e 18 na estendida, sem nenhuma que supere os dez minutos).
Em suma, a banda acertou novamente no que diz respeito à música em si. Mas ainda é válido o questionamento sobre o sucesso de se lançar um disco neste formato possivelmente inédito. Palmas para a InsideOut Music, que abraçou a ideia, mostrando por que é uma gravadora diferenciada no mercado. Palmas para os próprios músicos por terem se arriscado assim em termos mercadológicos.
Mas não vejo ainda motivos para aplaudir a iniciativa em si. Aplaudo, este sim, o crítico Grant Moon, da revista Prog, que fez a pergunta de um milhão de dólares em sua análise: será que um bom produtor não teria conseguido achar o ótimo álbum que existe entre estes dois bons discos?
Veja bem, um fã de carteirinha do grupo ouviria até 60 versões diferentes. Mas nem todo fã é de carteirinha. Numa era em que as pessoas sequer se dignam a ouvir uma música até o fim, fico imaginando quantos realmente terão saco de tentar descobrir qual versão preferem, se é que há esta competição entre versões.
Por outro lado, é bom lembrar que o álbum pode ser "consumido" de várias formas: ouvir a versão curta primeiro e depois a longa, fazer o inverso, ou então tentar ouvir as duas versões de cada faixa. Não sei se há uma forma "recomendada", mas creio que é o fã que comanda isso a partir da compra da obra. Isso me leva de volta ao questionamento de Grant.
Ressalto que após minhas audições, concluí que quem ouve a versão encurtada sem saber da existência da outra provavelmente se sentirá satisfeito, não perguntará se tem mais. Por outro lado, quem ouve a versão estendida não vai enjoar e dizer que poderia ter sido menor.
Cumprindo aqui a promessa que fiz alguns parágrafos atrás, falo de algumas faixas que se sobressaíram neste "mar" de 32 canções. "The Darkness in the Light" (seja qual versão for) é uma das mais "charmosas", com destaque para a metade rítmica do Transatlantic. Impossível não se apaixonar pela levada dela.
"Looking for the Light" (seja qual versão for) tem passagens agressivas o suficiente para quebrar o tom geralmente sereno do quarteto. E falando em serenidade, "Owl Howl", com sua mistura de jazz, progressivo e space rock, é uma das que mais faz jus ao próprio nome - "uivo da coruja", em tradução livre. Soturna como a simpática ave de hábitos soturnos.
"The World We Used to Know", outro destaque, chamará a atenção dos brasileiros ligados no rock nacional: a bateria introdutória é assustadoramente parecida com a entrada de "Será Que É Isso Que Eu Necessito?", dos Titãs (cujo baterista na época era Charles Gavin). E por fim, a baladinha pianística Solitude.
Numa resenha típica, há uma única pergunta a ser respondida: o álbum objeto da análise presta? Ah, este presta e muito. Mas no caso de The Absolute Universe, outra pergunta precisa ser feita: o formato inusitado deu certo? O tempo dirá. Minha aposta, inicialmente, é um sonoro não, ainda que a performance nas paradas indique o contrário.
Abaixo, o vídeo de "Looking for the Light":
FONTE: Sinfonia de Ideias
https://sinfoniadeideias.wordpress.com/2021/02/15/resenha-the-absolute-universe-transatlantic/
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