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Marty Friedman: O metal produziu rebentos bons nas seis cordas

Resenha - Dragon's Kiss - Marty Friedman

Por Rodrigo Contrera
Postado em 07 de agosto de 2016

Numa década que já tinha o grunge prestes a dominar todo o cenário rockeiro, em que os adeptos de outro estilo de vida (distante do mainstream) diziam-se porta-vozes de uma nova era, em que os grandes do rock glam (ou derivados do glam) pareciam perder algo do fôlego, e em que não tinham sido ainda devidamente digeridos os frutos tardios desses que seguiam os punks (após os Ramones e os ingleses que beberam deles, cada um do seu jeito), o heavy metal norte-americano produzia rebentos absurdamente bons de desempenho nos braços de seis cordas que pareciam advir de outros mundos.

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Eles tinham longas e altas cabeleiras e se vestiam como que reacendendo algo do glam. Mas não assumiam discursos de macho-man. Ficavam calados e deixavam suas notas falarem por si. Estudavam os clássicos eruditos (alguns vinham de conservatórios) e às vezes os citavam ou mesmo os reproduziam nos instrumentos originais. Mas gostavam de barulho, ah, como gostavam. Gostavam de exaltar seu domínio dos instrumentos, mas não pareciam se incomodar com o ego que pudessem ressaltar. Pois não eram egolátricos. Pareciam mais meninos tímidos, bastante excêntricos e de gosto visual duvidoso, e apareciam em poses marcantes. Mas não eram posers. Marty Friedman era um desses meninos.

Não consigo aproximar Marty de Vinnie Moore nem de Tony Macalpine, por exemplo. Moore e Macalpine pareciam mais comedidos, menos exaltados, menos barulhentos, e se bebiam dos clássicos pareciam gostar de aparentar bom gosto. Já Marty não, nem Jason Becker, seu futuro colega de Cacophony. Marty tocava já de um jeito mais lírico, por outro lado. Fazia seus barulhos, e compunha compulsivamente para atender demandas que não estavam em suas fontes. Mas parecia romântico. Parecia uma espécie de romântico brega, como se quisesse, no excesso de suas notas, exacerbar seu espírito e comentar algo que não estava sequer no registro das emoções. Emulava lutas contra dragões, mas não as representava nas suas melodias. Parecia comentar um mundo inexistente. Parecia querer encontrar um lugar onde ele não havia. O mesmo com Jason, cujo Perpetual Burn irei comentar posteriormente, num registro levemente diferenciado.

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Claro que se eu quisesse comentar o Marty em toda sua trajetória, que acompanhei muito irregularmente, eu iria me aproximar do entendimento de um rockstar como quase qualquer outro. Porque depois de Dragon's Kiss, e de Cacophony, Marty se enquadrou. Fez carreira solo e em bandas de forma a mostrar que era deste mundo. Inspirou-se (e fez muito sucesso) em terras japonesas, e meio que caiu no mundo do rock como qualquer outro guitarrista. Avançou em várias direções, e deixou diversos frutos. Mas meu comentário se restringe a este LP, fita e CD. Porque Dragon's Kiss me passa uma impressão estranha. E só consigo, se bem que com alguma dificuldade, aproximá-lo do rebento contemporâneo de Jason, e só dele. Dragon's Kiss não parece ter similar, nem sucedâneo. E confesso: é um dos poucos CDs que consigo reproduzir (mentalmente) em toda sua extensão, todos seus timbres, todos seus recursos. Porque me deixou uma tal impressão na vida que virou um de meus maiores clássicos. E de todos os tempos. Sem que haja muito motivo biográfico para isso, deixo bem entendido. Dragon's Kiss dialoga comigo não como um Iron Maiden, nem como um Vinnie Moore, nem como um Tony Macalpine. Dragon's Kiss dialoga apenas e somente em termos musicais, que eu entendo de forma eminentemente poética, embora deva, aqui, expressá-lo em prosa.

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Porque havia algo eminentemente sujo e ao mesmo tempo limpo nesse LP (que eu adquiria ouvindo cópias em fita K-7). Tudo nele, por um lado, é muito limpo - uma gravação simples, perfeita, mantendo os registros do barulho e do que não é barulho. Mas as guitarras bases parecem tão sujas, por outro lado. São bem claras, elas; aparecem claramente; passam exatamente a nota requerida; mas parecem mesmo assim sujas. Não parecem as guitarras base do rock tradicional. Parecem ter algo de animais domados; não expressam selvageria; expressam algo que parece sério; porque ouvimos, quando as ouvimos, composições que parecem nos dizer, "hey, estou falando a sério, estou levando a sério este negócio". Porque eu ouço e ouço as faixas no Youtube e não consigo identificar (alguém me corrija) algum erro, alguma nota sobrando, algo que eu considere que não deveria estar lá. Não, parece tudo completamente combinado, uma partitura fechada, tocada do jeito que deveria ser. Ou seja, é quase uma música erudita em forma de rock. Não é, como em outros, um rock com pinceladas eruditas. Tudo no CD reacende o jeito tradicional, erudito, de apresentar um novo disco ao mundo. Pelo menos é assim que eu o sinto.

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Mas é curioso. Eu leio os nomes de músicas que conheço há muito - mais de quase 30 anos - e, embora me advenham pensamentos quanto àquilo a que todas elas se referem, por outro lado eu não consigo conectar uma coisa à outra. Porque as músicas de Marty nesse disco não parecem descritivas. Não parecem realmente me dizer ou querer me dizer algo que aconteça a alguém neste mundo (nem a ele, em si). Muito ao contrário, as melodias - sujas ou limpas - parecem restringir-se ao universo da música, e não me emocionam. Me admira que eu realmente não me emocione. Adoro, mesmo, por outro lado. Não quero assobiá-las, por um lado. Quero ouvi-las, por outro. Reproduzo-as mentalmente, sem dificuldade. Mas não quero ouvi-las de outras formas (somente na gravação por estúdio). Elas parecem composições prontas, como eu já disse, feitas para exibição única. Porque elas parecem imortais.

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Eu sei bem que a maioria dos chamados entendedores ou comentadores de rock consideram Marty e o Cacophony meras notas de rodapé (quando chegam a isso) na história do rock, do heavy metal ou mesmo (tomando-a como um todo) a tradição do rock neoclássico, inaugurada, por muitos, pelo sueco Yngwie Malmsteen. Eu bem sei os motivos para isso e bem entendo o jeito meio arrogante ou desprezível com que esses entendedores e comentadores abordariam (porque sequer abordam) o assunto. Mas isso não me importa. Como se diz em espanhol (nasci no Chile), les doy un bleo (não dou a mínima). Porque sei também quão importante foi esse tipo de rock para certo tipo de rockeiro, para determinado tipo de admirador de música erudita e de rock, em simultâneo; porque entendo claramente o valor que a comunicação que esses norte-americanos queriam travar com o mundo representou para toda uma leva de sérios ouvintes, tanto de música erudita quanto de rock clássico e mais avançado. Porque sei também da ojeriza que esse público em especial nutria pelo punk, por certos aspectos do heavy metal, pela arrogância travestida em talento de muitos progressivos, e pela pose intelectual do rock dito artístico, ligado às mais tradicionais vanguardas (notem a ambiguidade) da sociedade contemporânea e da trupe que gosta de música de boa qualidade. Porque a nós, admiradores de tanta coisa boa, de Bach a Wagner, ou mesmo chegando a Schnittke, não convence que muito (talvez não tudo) do que ouvimos em Dragon's Kiss não seja de boa qualidade. Fruto de garotos, apenas, garotos em busca de se expressarem nos meios que tinham ao seu dispor.

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Nem vem muito ao caso, também, citar aqui, neste texto, as faixas que me agradam mais, ou as que me traduziam uma sensação, ou as que me mostram paralelos com onomatopeis (como em Jewel rs), ou buscas, premências, aproximações a coisas que de repente me são retiradas. Porque neste LP tudo meio que reacende a algo tão meu, tão particular, e ao mesmo tempo tão discretamente referente à energia de um garoto que busca se expressar que não vale a pena. Isso porque, digo pela terceira vez, as faixas não parecem descritivas, mais parecem arte abstrata, que se afasta da tela para se aproximar da retina e que passa a expressar aquilo que nós próprios preferimos ver (ao invés de algo que ela mesma traduza em si mesma). Porque isso é verdade.

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Vocês podem reparar que no Whiplash eu, há mais ou menos dois meses, me estendo em impressões muito particulares sobre bandas, rockstars, CDs e tudo o mais, tudo num registro eminentemente pessoal. Neste caso, mantenho a regra, só indo um pouco mais além, tentando adentrar em questões de ordem mais estética que referencial, para ver o que vocês eventualmente achar. Porque em termos de estética tudo é isso, como sabemos. O que vemos no Outro, quando o Outro é arte, e aquilo que outros vêem em nós enquanto Outros, se pudermos traduzir, de alguma forma, o que somos e o que fazemos... em arte.

Espero que tenham apreciado.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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