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Vinnie Moore: A viagem de um garoto rumo à liberdade

Resenha - Time Odyssey - Vinnie Moore

Por Rodrigo Contrera
Postado em 21 de maio de 2016

Todos nós temos "aquele" LP (para os mais antigos) ou CD (para os mais novos, mas não da nova geração) que marcou indelevelmente nossa vida e que nos deu força para continuar. Todos nós invariavelmente nos deparamos com alguém que não consegue ver a menor graça nessa peça conjunta. Todos nós repetidas vezes nos convencemos que levaremos para o túmulo os motivos para tamanha importância assumida por esse LP ou CD. Todos nós.

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Farei aqui uma exceção a essa regra, falando pormenorizadamente do CD que mais parece ter marcado minha vida. Um CD instrumental, de guitarra, do final da década de 80, hoje praticamente esquecido e que não parece ter deixado herdeiros. Mas um CD sem o qual talvez eu tivesse desistido da vida em que acreditava (e ainda acredito), embora, como é óbvio, a gente nunca possa saber o efeito de nossas escolhas: se para o bem ou para o mal.

O CD em questão é Time Odyssey, de Vinnie Moore, de 1988. Não tenho interesse em procurar referências estilísticas, biográficas ou históricas sobre o CD ou o guitarrista, como aliás nunca tive. Interessa o CD mesmo.

Antes de mais nada, uma contextualizada autobiográfica. Em 1988, eu estava no penúltimo ano de faculdade, Jornalismo. Trabalhava que nem um condenado em pequenas editoras ou empresas. Tentava aprender com o que me permitiam os serviços, que nada tinham de excepcionais. Em casa, as brigas grassavam. Meu pai havia sido diagnosticado como psicótico, mas não soubemos lidar com a doença. Ele queria vender a casa em outro país, nós não, ele bebia e fazia besteiras, todos brigavam o tempo todo.

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Eu acreditava que poderia ter uma carreira de sucesso. Acreditava no jornalismo, lia muito, mas sempre de forma insuficiente para mim (porque não acreditava no rigor daquilo que me davam para ler), fazia cursos extracurriculares diversos, e tentava jogar toda minha energia no estudo e nos serviços que me pagavam as poucas despesas. Aos poucos, começava a desacreditar em nosso entendimento em família. Vislumbrava ir para o exterior, mas não tinha dinheiro. Nunca havia namorado, e a única garota que se apaixonara por mim não suportou o tranco. Estava sozinho. E assim me sentia. E a solidão que eu sentia era devastadora. Mas, embora não expressasse, precisava de um apoio. E descobri o apoio na música. Neste CD.

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Ocorre que eu não podia comprar o CD. Primeiro, porque ele não existia no mercado nacional. Segundo, porque, se existisse, custaria o olho da cara (como décadas depois vim ver, na realidade). Como vim saber do CD e como é que eu o ouvi? Por meio de fitas K-7. Lá na 24 de março, e também perto da Praça Patriarca, existiam umas lojinhas, em que iam todos os metaleiros fanáticos, e em que essas raridades eram encontradas. A gente podia ouvir a fita K-7 lá mesmo, para verificar a gravação, encomendar a gravação, e esperar uma semana ou até quinze dias para que os caras gravassem a fita em uma fita virgem. Foi assim que eu fiz com muitos, digo muitos, guitarristas e bandas. E foi assim como este CD.

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Mas eu não tinha uma tocador, digamos profissional, de fita K-7. Eu ouvia a fita num gravador de mão, porque não tinha dinheiro sequer para comprar um equipamento melhor. E colocava no máximo, claro; e ouvia no meu quarto, com a porta fechada, sendo que o quarto não tinha janela. Eis as condições. Mas não podia reclamar. Foi assim que eu me esfalfei nesta preciosidade cujos méritos irei ressaltar tentando mostrar-lhes por que um CD nem tão excepcional assim pode significar simplesmente a liberdade para um garoto como eu, naquelas condições.

1. Morning Star (0:00)

Eu precisava acreditar, mas nada me permitia acreditar. Este começo parecia representar para mim o sol da manhã - que eu não conseguia ver do meu quarto. E o jeito pouco simpático de o guitarrista fazê-lo, com acordes compassados e aparentemente sem élan, mas com contraponto, me aproximava do Sol, da música clássica, uma inspiração patente, e da energia de que eu precisava para entrar em mim mesmo, com minhas convicções, sem ligar para o resto - para todo o resto que me rodeava.

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Mas após a breve introdução, e uma pegada leve da bateria, surge uma balada, com notas longas e breves. Lembro-me bem de que era nesse momento que eu "dançava" com as notas em minha mente. Pois foi assim que eu me acostumei a gravar, como se fosse um autômato, todas as notas que ouvia (prática que usei também com o jazz de Art Blakey), e a repeti-las, assobiando. Comentei, em outro texto, como eu havia desacreditado da palavra.

Simplesmente nada pegava em mim. Eu duvidava do que me diziam, do que ouvia na rua, do que ouvia na tv, no rádio, e especialmente na minha família. Pois era agora, assobiando, que eu me punha a... comentar o que queria... sem comentar, mas simplesmente repetindo, pela beleza da melodia, ou da harmonia, ou dos solos. Era assim que eu começava a falar por mim mesmo que a vida valia a pena ser vivida. Pode parecer melodramático demais falar assim, mas era assim que EU VIVIA. Pois quem sabe, lá no fundo, eu quisesse mais morrer.

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Eu ouvia a fita tantas vezes quantas podia. Ouvia em seguida, com as faixas em sequência, chegava até o fim e ouvia o lado B (que hoje não existe, claro). Os nomes das músicas eu escrevia no papelzinho da fita K7 (que ainda possuo). E tentava repetir especialmente os solos. Eu sentia que era nos solos que ele, digamos, realmente "falava". O que me agradava especialmente nos solos dessa faixa é que eles não pareciam "dizer" muita coisa; era como se repetissem a mensagem inicial de um dia que se iniciava, "comentando" do seu jeito em que consistiria essa chamada estrela da manhã. Hoje reparo como alguns deles, mais para o meio da música, abusavam de alguma distorção ou de alguma nota aguda, o que pode ser interpretado como um abuso de virtuoso, mas eu nunca pensei assim. Encarava aquelas notas como dadas, como feitas, nas quais eu não poderia mexer, assim como depois eu passei a encarar as argumentações como cadeias nas quais não se poderia também mexer, como se isso fosse um crime de lesa-majestade. E assim entendia esta faixa, que apenas prenunciava algo que iria ser mais agitado, mais envolvente e quem sabe mais traumático.

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Mas, por que esse guitarrista? Ocorre que eu estava meio cansado de guitarras distorcidas ou solos para fazer de conta que havia um macho-man por detrás dele. Eu queria, para me expressar, de notas límpidas, com o mínimo de distorção e uma caracterização clara, em que cada coisa estivesse no seu lugar. O Vinnie me fornecia isso, assim como o desafio de assobiar os trechos mais ligeiros. Era uma diversão, em suma. Como um garoto que assobia uma melodia na rua.

2. Prelude/Into the Future (3:24)

Mas, como eu já disse, eu era um jovem com muita energia. Lia bastante, e tinha a pretensão de ler para além das linhas (literatura), embora minhas leituras fossem mais da ordem do jornalismo, das revistas e de apenas um ou outro literato (em geral, menor - a ligação com a literatura séria seria posterior). E tendo tanta energia não tinha muita paciência com acordes, seja lá com qual instrumento fosse, que demorassem muito, que quisessem passar alguma "mensagem", que estivessem para o ser humano como o lirismo de um Chet Baker, que iria ouvir alguns anos depois. Eu queria rapidez e ritmo, mas sem solos ensimesmados.

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Esta faixa entrava com instrumentos clássicos, quase uma orquestra, anunciando algo que parecia que iria arrasar. A entrada me enchia algo o saco, mas a bateria dava, então, a ideia de que tudo isso não era à toa. E não era. Eu me lembro bem: ouvia, com impaciência desmedida, a abertura, o chamado Prelúdio, e não via a hora da música em si, cujo título que prenunciava a vida, praticamente. E o que era a música, em si? Uma guitarra que brincava, que parecia andar por entre os trastes querendo dizer-me, olha, não é sério, não, a vida ainda te espera. E nisso eu viajava em paisagens imaginárias, que poderiam me fazer crer que, sim, havia esperança. Claro, havia também o recurso das guitarras gêmeas, que todos sabem foi em grande parte instalado no rock contemporâneo por um Thin Lizzy de grande memória, e do qual eu tinha maior testemunho no Iron Maiden. Ocorre que aqui as guitarras pareciam brincar uma com a outra, e não disputar espaço, como em geral parece nos outros grupos. Os timbres também eram aqui mais suaves, e não dava também para levá-los a sério, pois era, como já disse, uma brincadeira de criança, que não fazia uso da energia de um rock para valer - que iria ouvir bastante tempo depois.

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Mas não era apenas isso que me cativava. A entrada do solo de uma "terceira" guitarra se fazia rasgando, claro; e a intromissão de um teclado para dar contrapontos de quebra da melodia me tiravam do sério. Era como se o tempo estivesse se encarregando de dar o toque à minha alma: como se dissesse: é agora que vai. Como não entendo suficiente de música para dizer-lhes a que momentos da música estou me referindo, lhes digo apenas que é nos seguintes trechos: 5'53 e 6'15. Nesse momento, ouvindo a fita do começo até o fim, eu começava apenas a me animar. Mas já estava fora do âmbito daquele universo opressivo de uma família que só me jogava para baixo. Eu me afastava da depressão que iria me afetar inapelável muito tempo depois. Eu fugia, como no meu primeiro texto para o teatro (hoje sou dramaturgo, dentre outras coisas).

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3. Beyond The Door (7:48)

Eu já estava assoberbado de notas, quando ouvia sozinho, tocando a fita naquele gravador de mão, quando entrava na lista esta pequena coisinha com alguma inspiração árabe (aparentemente, ao menos é o que eu inferia na sensualidade da base rítimica, deixando a introdução para trás, e ouvindo o breve intróito do que parecia um teclado) com uma guitarra mais ensimesmada - algo de que não gostava, já disse. Mas como não haviam exageros, e eu precisava passar pela música para ouvir o resto (claro, poderia usar um forward, mas sempre dava errado), continuava. Ocorre que com o tempo eu notava um caráter mais dramático em toda a peça, que me conduzia sem querer rumo a camadas mais profundas de mim mesmo, e isso eu apreciava. Eu parecia aos poucos navegar em minha própria vida, meus dilemas, algo que ficava claro em determinados solos, que dialogavam com a base de tal forma que me passavam mensagens claras, do tipo vai, vai que é tua. Há chance. Claro, no fundo, eu sabia que nada concretamente mudava em minha vida ao ouvir isso. Mas a ilusão se mantinha, e eu estava nesse afã pretendendo apenas afundar em meu universo onírico, nada mais que isso. Era a liberdade que me era possível. A única. E nisso a música me ajudava, e mais, quase se bastava. Era só eu me deixar levar. Até a porta se fechar (como no efeito final).

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4. Message In a Dream (13:18)

Ocorre que eu, embora vivesse nos anos 80, quase nos 90, e sabendo que a tecnologia se aproximava - e apostando muito nela, queria também algo que pudesse me motivar a entrar, de forma sensível ou sensitiva, nesse universo. E era aqui que eu encontrava isso, quase que por milagre. Pois os teclados da introdução remetiam-me exatamente a isso; e a música posterior, compassada, com uma guitarra mais tranquila e pouco subjetiva, faziam o mesmo serviço. Algo da melodia parecia me levar a mundos distantes, e nisso eu poderia me lembrar da Voyager, empreendimento que tanto marcou meu imaginário (inclusive nos livrinhos que lia na infância, e que falavam dos universos distantes, e por universos não me refiro ao Universo, mas a universos, a estranhezas, a novidades, a coisas inusitadas, que poderiam me fazer crer que o mundo não era apenas esta tristeza que eu via). Esses universos, ou parte deles, eram-me "imaginados" pelo solo que vinha em 15'37 e que não se espraiava, como sempre, em notas em exagero, mas que se continha e que pareciam me levar a mundos internos que cabia-me investigar. Mas eu iria fazer isso de forma inerte, sem graça? Claro que não. Pois então era quando, em 17'05, a música se agitava e me revelava tudo aquilo que poderia ser me ser realmente revelado pelos novos universos: a conquista, o ânimo, a alegria até. E era quando eu entrava quase em êxtase, ao imaginar, como garoto que era, tudo aquilo que eu poderia eventualmente ter, se resistisse, se lutasse, se me deixasse levar por aquilo que eu era, e eu me sentia uma pessoa boa - talvez não o suficiente, mas era como eu me sentia, quase ingênuo, vale dizer. Como na época e depois tudo iria meio que comprovar. Eu assobiava, então, sem parar, e imaginava um mundo diferente do que tinha, e do que poderia até imaginar. Claro, o título, "Mensagem em um sonho", levava-me longe por si só. Mas acreditem, não era isso que me fazia viajar - mas o contraponto da tristeza que vivia e daquilo em que eu ainda acreditava, embalado por notas que diziam aquilo que eu não tinha coragem ou quase convicção de ME dizer.

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5. As Time Slips By (22:29)

Mas eu também era sonho, como todos imaginam o sonho - algo em vigília, caindo de cansado, estranhado comigo mesmo e com o mundo. E esta pérola fazia as vezes do que eu poderia imaginar de um sonho bom. Porque meus sonhos eram ruins. Eu dormia num quarto de empregada, que como já disse não tinha janela, distante do Sol e de qualquer amostra que poderia trazer o mundo até mim. Era, até certo ponto, uma espécie de refúgio, mas também de prisão. E eu tinha asma, e sofria dela o tempo todo. Mal conseguia respirar muitas vezes, e não me lembro se usava bombinha ou aquele aparelhinho com remédios. Só sei que eu usava um ventilador, dos menores, para jogar ar em mim, e não adiantava. Tanto que o aparelho, por ficar tanto tempo ligado, simplesmente fundiu, o plástico derreteu e ficou impossível de usá-lo. Todas minhas tranqueiras ficavam no quartinho, e eu me matava para arrumar tudo, e não adiantava. Era pouco demais, e eu acumulava o que podia para ler, para fingir acreditar em que tudo isso poderia mudar. Mas eu não conseguia. Então meus sonhos não eram bons. Eu não sofria ainda de insônia - como muito tempo depois e ainda hoje sofro -, mas sofria muito com a situação de dormir ali, tanto que muitas vezes nem conseguia (isso sem contar o ruído das brigas ou do meu pai delirando). Então eu também precisava acreditar em sono e em sonho, e esta música servia.

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Note-se também que a música era a última do lado A, e que portanto me deixava num estado de letargia, como se tivesse enfrentado um dragão e precisasse descansar.

A música, com acordes bastante lentos, convida ao relaxamento. Tem algo de zen, inclusive, característica que desde sempre não me atraiu em nada, pois nunca considerei que a vida tenha de ser contemplativa ou mesmo ensimesmada. Já a guitarra, que surge logo em seguida, assume uma potência suave (sei que parece estranho), mas é como sempre vi, e ainda vejo: ela conduz, ela diz a direção, ela diz o tom e suaviza o caminho. É uma espécie de flauta daquela parábola dos ratos que tenta nos dizer qual o sentido da vida, ao menos naquele momento, que seria calmo e sem constrangimento. Passam os minutos e a guitarra é acompanhada por outra, que assume um solo no limite da calmaria, e que - pasmo - me traz ainda mais esperança. Porque essa calmaria da música não é inerte, ela diz algo, e diz que vale a pena (também aqui). O solo final transparece isso até a medula, e aprendi a decorá-lo de cor, até o exato momento em que o som desaparece. Nesse momento, eu deveria estudar ou pensar em algo mais, não me recordo. Mas me preparava para a porrada a seguir, virando a fita K-7 e atrasando-a um pouco, porque sei que as músicas sempre terminavam antes do fim do lado da fita.

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6. Race with Destiny (29:12)

E a porrada era esta. Uma parábola sobre correr contra o próprio destino (eu coloco contra, mas o título mostra claramente que é com ele, "with). Pois eu me sentia correndo comigo e contra mim mesmo, ou contra tudo o que me rodeava. E esta porrada não deixava barato, porque parecia - como ainda parece - esgotar, literalmente esgotar, meus sentidos no que diz respeito ao que eu entendo por vida, e vida é guerra contra nós mesmos.

Pois eu nunca fui um sujeito calmo. Embora tímido, sempre quis as garotas mais bonitas (se consegui ou não, é outra coisa claramente diferente). Eu sempre quis ser o melhor da classe (mesmo que isso não significasse ser o mais popular, o que é, venhamos e convenhamos, mais conveniente). Eu sempre quis sair na frente. Sempre quis entrar primeiro no ônibus, sempre quis falar o que achava e tentar fazer com que os outros assentissem, mesmo que eu não tivesse razão. Não fui e não sou uma pessoa muito fácil. Todo mundo sabe, e quem me encontra, ou quem me conhece bem, sabe melhor ainda. E mais: eu vi um golpe de Estado. Tenho em mim a descrença desse negócio de falar o que deve ser, de fingir acreditar em ideais, ou mesmo de acreditar neles e cantá-los. Pois eu fui criado numa civilização que citava o índio quando mostrava-o empalado, em que respeitava o aborígene somente se ele estivesse abaixo dele, e recurvado, e em que o maior cantor da época morreu com as mãos decepadas (tocava violão - refiro-me a Victor Jara). Pouco importa se eu concordasse com isso (eu não concordava e nem concordo): mas vi isso de perto, e isso fez de mim um sujeito duro, sem ilusões (podem reparar o sacrifício que deve ter sido para mim fazer 12 anos de Filosofia, calado, e ainda por cima pós em Ciência Política). E meu trato com o mundo nunca foi fácil. Franzino, eu sempre ficava de fora do futebol e não conseguia fazer exercícios com os outros garotos, ao menos do jeito que alguém poderia esperar. Era um sujeito pequeno e frágil, mas não deixava de ser cruel. Uma vez me desenharam, e eu parecia Scarface com gangsters do meu lado. Só para sacarem o drama.

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Esta música era toda uma corrida sem tréguas e sem direção. Tudo era para a frente, e sem qualquer indício do que viria a seguir. Claro, como todas as outras músicas, esta consistia em linhas melódicas que eram repetidas seguidamente pela guitarra que dizia o que era para se ouvir, mas aqui havia uma diferença: uma base rítmica poderosa, sem que a bateria ou o baixo necessariamente sobrepujassem o tema, e que parecia não ter norte definido. Ocorre que tinha, e ele dizia respeito a "para a frente", "agora retroceder", "não é bem isso que era esperado", "não importa, continue em frente" que a gente percebe claramente enquanto a guitarra pira e parece responder por nós mesmos frente ao destino. Eu poderia lhes dizer, passo por passo, como cada trecho da música é claramente entendido por mim, e sempre foi entendido da mesma forma, mas deixo-lhes essa curtição, caso a queiram para si. Agora imaginem a piração que deve ter sido ouvir ad infinitum essa faixa para um garoto como eu, animado como era, sem escrúpulos aparentemente, tendo visto e vivido um golpe e escapado ileso, sabedor do medo causado por ouvir um F-5E quebrando a barreira do som bem na nossa cabeça somente para causar ainda mais medo, e tentando (o garoto) acreditar na vida, naquilo que ela poderia lhe fornecer, mas (ainda o garoto) com excessivo medo do que lhe rodeava e sem conseguir fazer nada para aquilo diminuir. Pirante. Pois é. Claro que tem também a sequência de solos de guitarra e o momento em que tudo parece se tornar uma espécie de filme, com conclusão e tudo (por volta dos 33'50). Mas isso era menor para mim, melhor mesmo era acompanhar a vida andando indômita, sem que nada pudesse pará-la a não ser o seu próprio fim (estamos num filme que acabará com uma morte (a nossa), claro). E quando acaba, como acaba a música, então? Acaba acabando, com os resquícios (inúteis) de algo que já era (no caso, o teclado que parece algo deixar ileso, mas não consegue). Como cada morte no fundo simplesmente é.

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7. While My Guitar Gently Weeps (35:48)

Claro que todo guitarrista que se queira provar roqueiro que se preze tem que tocar algo da tradição do rock. E o Vinnie não é diferente, ao fazer sua versão deste clássico dos Beatles. Acontece... que eu não o conhecia. Simplesmente porque eu nunca tinha sido - embora agora seja, embora em parte - da tradição do rock. Por um motivo simples: o rock bebe dos clássicos do blues, do ideario do blues, de estilo de vida, de postura, de imposturas, e eu não tinha, quando ouvia estes guitarristas, e mesmo muito depois, nada disso. Eu simplesmente ouvia porque achava bonito, e para mim Beatles não era nada atraente. Não minto, e insisto até hoje - contrariamente ao Lemmy, um ídolo posterior, por exemplo, que começou e terminou entronizando-os como a maior banda do planeta. Não me atraíam aquelas músicas, aquele jeito de tocar, aquele visual de bons moços (inadequado, porque de bons moços tinham bastante pouco), as garotas indo atrás, absolutamente apalermadas, e os refrões, e os riffs, e tudo mais. Nada me atraía. E coincidentemente ou não esta música deste CD era a que menos me atraía. Eu nem sabia o que significava, se significava algo, e eu a ouvia, contente com os solos, enquanto esperava a próxima. Estranho mesmo dizer isso, pois ela é uma bela versão - embora menor, mas é a verdade. Seja como for, não é chata o suficiente para eu encará-la como uma peça egolátrica de algo que não me dizia respeito. Pelo menos isso.

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8. The Tempest (40:29)

Pois bem. Eu era e me sentia uma criança, e de certa forma creio que era, dado o medo que eu sentia do mundo, a insatisfação com a família que eu vivia, a virgindade que eu nutria - era mesmo virgem -, a ideia de amor romântico na qual eu sequer pensava, por absoluta falta de experiência, e tudo o mais. Mas eu não sentia essa infância em mim. Fazendo faculdade, sendo considerado o mais chato da turma, não tendo namorada, realmente acreditando no que me diziam (e errando feio), quase sem amigos e sem falar com ninguém, eu queria nutrir em mim o sentimento que vivenciava, mas que não conseguia. E esta música, que nada tem a ver com isso, fazia com que isso revivesse em mim - e ainda consegue.

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Já no começo da música eu "via" uma criança que simplesmente vivia e fazia suas coisas. Eu quase chegava a ver fisicamente essa criança, e ela não fazia nada demais, como não fazem as crianças reais. As crianças em última instância só brincam, todos sabem disso. E hoje, que vejo crianças - que conheço bem - no meu prédio brincando aqui ao meu lado (moro num prédio que tem um jardim de jogos bem do lado, dá para ver por minha janela), quando estou estressado desço e simplesmente fico ali, morgando. Pois considero que se tem algo de humano que deve ser sagrado é isso, o momento da infância. Eu não falo com as crianças, que fique bem claro. Não falo e todas elas me conhecem pelo nome. Nunca fazem nada de errado quando estou por lá mas também sabem que eu nunca, jamais, irei repreendê-las por algo que não valha realmente a pena. Sou hoje uma espécie de guardião desses meninos e meninas, de todas as idades, que simplesmente brincam enquanto eu, uma espécie de Shrek, fico ali, tentando pensar e relaxar e ver ao longe, para me inspirar e voltar a escrever.

Tudo nesta obra-prima para mim é e sempre foi perfeito. Mas destaco dois momentos em especial, que é quando o rock é retomado após o solo acústico, no primeiro terço da faixa, e em especial em 45'02, quando a guitarra, eletrificada mas sem qualquer distorção, como que retoma o tema inicial e traduz, a meu ver com profundidade extasiante, os movimentos de uma criança pequena, quase bebê mesmo. Claro que depois, quando a guitarra assume um ar mais majestoso, é que eu choro - como chorava, por atingir o ápice de uma espécie de catarse majestosa. Depois a música entra numa pegada mais blues e termina como se estivessemos fazendo um rescaldo da tempestade do título.

9. Pieces of a Picture (49:18)

Ocorre que quando entrava nesta pecinha, aparentemente assemelhada a qualquer coisa de um Mussorgski, no caso, a Quadros de uma Exposição, eu estava realmente esgotado, e precisava do intervalo de simplesmente ouvir notas ao léu, como aqui aparecem. Esta faixa, a mais fraca do CD todo, a mim não causa qualquer impressão, como de se imaginar, e não me enlevava de forma alguma, mas servia como contraponto a toda a riqueza anterior e momento de preparo para o auge, que viria a seguir.

10. April Sky (55:32)

E havia um motivo a mais para eu chegar ao final do lado B da fita deste CD. Que era o seguinte: por um motivo que eu ainda não sei bem qual é, esta faixa, e só esta da fita, estava acelerada. O cara que gravou a fita deveria estar de saco cheio e querer adiantar a bagaça, só pode ser. Só sei que eu adorei. Eu ouvia esta pecinha, que é do Bach, e inicialmente eu não sabia, embasbacado com o registro agudo da guitarra, e - ao menos no começo - sem saber que ela estava errada, que estava num registro acelerado. E eu amava porque me enlevava ao céu em minha crença de algo que eu não imaginava - minha salvação.

Posteriormente, eu me tornei - devido a determinadas influências, inclusive, como filósofos e escritores diversos - fã absoluto de Bach, a ponto de considerar que todo o resto não passa de merda (e mutatis mutandis, chego quase a pensar isso mesmo, muito embora quando o diga eu o faça mais para chamar a atenção ou marcar presença - ou exigir prova em contrário). Creio até que quem afirma isso deve ter algum problema emocional, ou mesmo psíquico, pois considero, usando de bom senso, que quem não percebe as camadas emocionais em músicas diversas e bem mais singelas, deve ter algum parafuso emocional a menos. Mas seja como for: eu não sabia que era Bach, ele me conduzia a uma espécie de catarse, eu fiquei sem saber uma penca de tempo e mais, vocês não poderão aqui, infelizmente, ouvir exatamente o que eu ouvia e entender por que essa música neste momento era tão importante para mim. Uma pena.

Epílogo

Já hoje, o que sou? Sou um homem de 48 anos, separado, vivendo sozinho, com meus livros, e muitos amigos de bar que demoro para encontrar. Com muitas amigas perto. Com outros amigos também no prédio e uns desafetos. Com funcionários que me reconhecem e que gostam bastante de mim, e com atividades sendo feitas em todo o município com meu grupo (virtual mas real) de teatro. Repleto de crianças ao redor, que me reconhecem e respeitam, mas que falam comigo sempre de igual para igual, me chamando para atividades em que precisem de um adulto legal que elas respeitem. E um homem com um passado sendo tirado a limpo, tendo retomado contato com a família, e entrando em paz consigo mesmo. Com relacionamentos mal-conduzidos, mas amizades sólidas, aprendendo os horrores que nunca tive coragem de aprender. E com problemas. Muitos. Mas com muito amor. Como quase sempre insisti. Mas do qual havia desistido uma vez com vergonha. Num momento que não volta mais.

Espero que tenham gostado da viagem. Até mais.

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Sobre Rodrigo Contrera

Rodrigo Contrera, 48 anos, separado, é jornalista, estudioso de política, Filosofia, rock e religião, sendo formado em Jornalismo, Filosofia e com pós (sem defesa de tese) em Ciência Política. Nasceu no Chile, viu o golpe de 1973, começou a gostar realmente de rock e de heavy metal com o Iron Maiden, e hoje tem um gosto bastante eclético e mutante. Gosta mais de ouvir do que de falar, mas escreve muito - para se comunicar. A maioria dos seus textos no Whiplash são convites disfarçados para ler as histórias de outros fãs, assim como para ter acesso a viagens internas nesse universo chamado rock. Gosta muito ainda do Iron Maiden, mas suas preferências são o rock instrumental, o Motörhead, e coisas velhas-novas. Tem autorização do filho do Lemmy para "tocar" uma peça com base em sua autobiografia, e está aos poucos levando o projeto adiante.
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