Resenha - Jogo Sujo - Identidade
Por Rodrigo de Andrade (GARRAS)
Postado em 06 de fevereiro de 2007
"Jogo Sujo", segundo álbum da banda Identidade, é o disco de Rock desse verão. E tinha tudo pra ser. Após uma respeitável consolidação no underground (e olha que o respeitável circuito alternativo do sul do país tem um baita histórico) tava mais do que na hora de largarem o sucessor de "Identidade Zero" (trabalho de estréia da turma, ainda de 2002).
No cenário local (Porto Alegre e interior do RS), quem precisava conhecer o quinteto já conheceu. Eles têm aí um sustentáculo que garante a possibilidade de se aventurar em vôos mais longos. Mas sem dar um passo maior que a perna, com "Jogo Sujo", lançado agora (final de 2006), a banda dá sua cartada definitiva. Um disco de qualidade, irrepreensível, muito melhor que o anterior, e sem desvirtuar a proposta original do grupo. Aliás, algumas das músicas (o terço final do álbum) são justamente da época em que Identidade Zero foi lançado. Então, os fãs não têm com que se preocupar. Muitas das composições originais foram sendo apresentadas ao vivo e aprimoradas no decorrer desse tempo que separa os dois títulos da discografia deles.
Mais que um apanhado de boas canções, "Jogo Sujo" tem qualidade de sobra pra peitar o mercado nacional. O CD saiu pela Good Music, selo do Nei Van Soria (ex-Cascavelletes). O encarte é caprichado, com todas as letras, informações técnicas e ótimas fotos do grupo. De quebra, o clipe de "Jogo Sujo" (excelente, diga-se de passagem) está lá no disquinho, como faixa multimídia, (mas você pode conferir com qualidade tosquinha no You Tube).
O som (que no final das contas é o que importa, não é mesmo?) mostra um amadurecimento incrível. Mas nada de rebuscado, a fórmula continua sendo a mesma do álbum anterior. Entretanto, a categoria dos guris está no foco que tomaram! Se em "Identidade Zero" era óbvia a inspiração do tal rock gaúcho, em "Jogo Sujo" eles percorrem toda a linha que leva direto à principal influência daquele estilo, relacionada corretamente com a raiz de sua própria sonoridade: os Rolling Stones e, de maneira precisa, exata, o espírito cretinamente chuckberryano dessa vertente.
Aliás, a fonte stoneana dos guris, ao contrário do clichê habitual, é muito mais setentista (com toques ronniewoodianos) do que sessentista. Rocks diretos e vigorosos dão a tônica. Faixas como "A sós sem pudor", "Ninguém é de ninguém", "Nosso tesão não vai ter fim" são belos exemplos disso, e mostram como a Identidade sabe dialogar de maneira relevante com a tradição. Riffs marcantes, cozinha embalada e vocais esgoelados. "Jogo Sujo" não dá nome ao disco por acaso. Forte! Rockão de verdade! "Tô cansado de esperar", com King Jim encarnando o Bob Keys no sax, até parece algo do Sticky Fingers, ou do Exile.
Essa verve do espírito decadentista do rock é o que confere calor pra personalidade dos caras. Um troço que esfumaça o ar quando se escuta o som. Uma aura que só de estar na frente dá pra sacar: o espírito de "It’s Only Rock’n’Roll, But I Like It" de se levar a vida com um cigarro caído no canto da boca. Uma seqüela de olhar cínico, uma ressaca hard-glam que deixa com aquela cara stoner punk, de roupa amassada, dor de cabeça, cheiro a sexo e álcool. Tudo que resulta de viver o rock de guitarras agressivas, embebidas em blues bêbado. E a banda adora explorar esse estereótipo cafajeste.
Uma completa assimilação de álbuns menos óbvios, mas igualmente ótimos, se refletem nas composições. Ao misturar isso tudo aí acima com coisas como DANCE e Lucy Jones, não tem como não lembrar do que se estende de "Goat Head Soup" até o "Emotional Rescue" (a Cachorro Grande já bebeu muito dessa fonte sem chamar atenção). São temas dançantes que as minas adoram! Bizarros construtos de matizes disco-boogie, que misturadas com os ganchudos rockinhos básicos funcionam bem na noite, em festinhas, shows e muquifos de vários tipos.
Aliás, as garotas têm uma séria queda por todo esse lance meio safado, que pouco tem de sexismo. Chega a ser clichê a idéia de roqueiros feios e magricelos, de cabelos desbaratinados e roupas amassadas serem peças descartáveis para malucas querendo igualdade ao direito de serem sujas e depravadas. E uma coisa deve ser dita sobre a Identidade. Não é a toa que os guris têm tantas fãs. A produção artística deles é quase toda voltada para o público feminino. Canções sobre relacionamentos, declarações de amor ou amizade para garotas, além de todas as personagens das músicas serem mulheres... Confira ouvindo uma faixa como "Belos Retratos".
Não por acaso, "Miss sixty" é o tema chave do álbum. Dela foram tiradas as vinhetas que abrem e fecham o disco, soando como uma gravação em vinil, acompanhada só por piano. É dá música os versos "Vou te escrever mais um cartão / Que é pra você levar contigo / Pra nunca esquecer, do seu amor do seu amigo / Vou te comprar um casaquinho / Que é pra você não sentir frio, quando estiver tão longe / tão longe assim de mim".
E tem até história digna de lenda clássica envolvendo o álbum. O computador onde o disco ia ser masterizado e mixado foi roubado! Sem as masters, "Jogo Sujo" teve que ser todo regravado! E depois, no início da tour de divulgação da banda (no Expresso do Rock) o ônibus dos caras também sofreu um ataque que resultou em algumas caixas de CDs afanadas.
A banda caga mole pros estorvos e segue fazendo rock autêntico mundo afora. Colhem os frutos de quem oferece um trabalho legítimo, com conhecimento de causa, cara (e fígado) para agüentar. Ouça com volume alto e sem gelo.
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Identidade — Jogo Sujo (2006)
01 - Vinheta
02 - Jogo Sujo
03 - Belos Retratos
04 - DANCE
05 - A sós, sem pudor
06 - Miss Sixty
07 - Nosso tesão não vai ter fim
08 - Lucy Jones
09 - Tô cansado de esperar
10 - Roleta Russa
11 - Ninguém é de ninguém
12 - Srta. Molly
13 - Cão e Gato
14 - Tento Convencer
15 - Vinheta
Banda:
Lucas ‘Cabelo’ Hanke – Guitarras
Doce Solano – Guitarras e backings
Eduardo Dolzan – Bateria
Fernando Dametto – Baixo e backings
Evandro Bittencourt - Vocal
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