Resenha - Aladdin Sane - David Bowie
Por Márcio Ribeiro
Postado em 25 de junho de 2000
David Bowie é 'catapultado' ao mega estrelato ao se reinventar em um personagem fortemente baseado em Marc Bolan e Iggy Pop. A maquiagem já fazia parte do rock, mormente com Marc Bolan, o criador da onda "glitter", mas ninguém havia levado a concepção às últimas conseqüências como Bowie. O sucesso alcançado rende uma excursão americana onde enquanto seu delírio épico Ziggy Stardust, o alienígena andrógino ('bisavô' de Marylin Manson), é reverenciado como "a segunda maior coisa depois de Deus," David Bowie o artista, dentro da sensibilidade que só os artista possuem, traça um perfil da América que ele veio a conhecer. Fortemente influenciado pelo livro "Vile Bodies" de Evelyn Waugh, onde visões de Armageddon, a eliminação da diferença entre os sexos, como também a conquista da vida sobre a morte e sobre o conceito que conhecemos como tempo. Todas as coisas resultam no disco Aladdin Sane.
O álbum teve todas as suas letras escritas durante a excursão americana. A sua banda é essencialmente a mesma com Mick Ronson, na guitarra, Trevor Bolden no baixo e Woody Woodmansey na bateria. No lugar dos teclados de Rick Wakeman, Bowie contrata Mike Garson que no piano, cria climas extraordinários, especialmente para canção título. Contribuem com backing vocals a Linda Lewis, os irmãos MacCormack e Juanita Franklin. Bowie além de cantar e assinar os arranjos, toca violão, teclados, gaita e sax. Ele ainda encontra fôlego para co-produzir o disco ao lado de Ken Scott.
O álbum abre com Watch That Man, que é Bowie claramente bebendo das águas dos Rolling Stones. Um rocker bem empolgante, sua formula com backing vocals e sopros, é demasiadamente parecido com o clima de "Exile On Main Street", que os Stones estão fazendo nesta mesma época. A comparação é inevitável o que não tira o mérito da interpretação bem empostada do cantor.
A próxima faixa é uma obra prima. O título da canção, Aladdin Sane é na verdade um trocadilho com a frase "A lad insane", um rapaz insano. Ao lado do nome, existe três datas em parênteses, 1913 - 1938 - 197?. Os primeiros dois anos tem em comum serem anos vésperas do inicio da Primeira e Segunda Guerra Mundial, respectivamente. É apenas natural supor que a terceira lacuna, especula sem determinar a véspera da Terceira Guerra Mundial.
A canção foi escrita em parte, inspirado no livro "Vile Bodies" de Evelyn Waugh e posteriormente acabou por ditar o estado de espirito de todo o álbum. O livro conta a historia de uma Inglaterra as vésperas de uma guerra fictícia porém abominável. O povo acostumado demais a se preocupar com futilidades como champagne, roupas e festas, está totalmente despreparadas para realidade que virá a tona. De uma hora para outra, as pessoas são jogadas em um holocausto horrendo e lutam para reaprenderem, mesmo que por falta de opção, a viver em um mundo menos galmurosa e mais realista. Bowie percebe uma linha de similaridade com as pessoas do seu tempo, mas em especial, com a América que ele está conhecendo. Como adendo final, Bowie canta o inicio de "On Broadway", clássico dos Drifters de 1960.
Drive In Saturday parte do pressuposto, que o povo depois do holocausto, agredido pela radiação que ataca os órgãos sexuais e atrofiam os instintos, acaba por esquecer como amar com relações sexuais. Sobra como opção tentar reaprender assistindo filmes nos drive-ins mundo afora.
Outra faixa, Panic In Detroit nasceu de um bate papo com Iggy Pop, que contava sobre sonhos de rebelião dele, Iggy, e de seus amigos de escola, contra essa cidade. Imagens de jovens entrincheirados com metralhadoras nas mãos, chiclete na boca e uma boina na cabeça sendo encarregados a defender o sonho de derrotar o sistema mesmo que a bala. Depois que Iggy foi embora Bowie escreve a letra imaginando Iggy Pop como um Che Guevara americano, membro da Gangue Nacional do Povo, fazendo bolas de chiclete, dentro de um caminhão à diesel. Mick Ronson nos oferece um ritmo bem pesado, a la Bo Diddley. O suingue nos remete a agressividade quando adiante outra guitarra sua, ultra destorcida, nos chicoteia com dissonâncias criando um clima de frenesi superbo.
Cracked Actor nos apresenta como personagem, um ator envelhecido e decadente, mal intencionado e mercenário.
Na concepção original do álbum, Time abre o segundo lado trazendo de volta Mike Garson com seu piano que nos remete direto para o teatro. Bowie interpreta e questiona no melhor estilo Brecht - Weill, a máxima de Shakespere, ao refletir que o mundo não é um palco e sim o camarim. E ao pisar no palco, o tempo para. A frase (...) demanding Billy Dolls (...), é uma referência a Billy Murcia, baterista do New York Dolls que acabara de morrer em Londres no verão.
Let's Spend The Night Together, canção heterossexual da década de sessenta, apresentada aqui com uma versão espacial e futurista, Bowie parece tentar implicar a idéia de que ela fora composta referindo-se a homossexualidade. Enquanto a banda ataca com pique, ela é instigânte. No final o tempo cai assim como um pouco do interesse.
Jean Genie novamente oferece outra batida e riff de puro Bo Diddley. Uma das melhores músicas do disco justamente pelo riff hipnótico como um mantra e pesado como Ronson sabe ser.
Finalmente fechando, Lady Grinning Soul, em uma das interpretações mais bonitas de David Bowie em toda sua carreira. Essa balada é lindamente arranjada com violões de seis e doze cordas, além de um piano riquíssimo, novamente nas mãos de Garson.
Uma álbum conceitual? Não exatamente. Mas certamente uma experiência musical da qual o ouvinte não conseguirá ficar indiferente. Vale a pena conferir.
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