Vince Locke: o mestre das capas do Cannibal Corpse
Por André Luciano Maria
Postado em 07 de fevereiro de 2021
O artista de Michigan, Vince Locke, começou sua carreira nos quadrinhos em 1986, ilustrando o celebrado "Deadworld", para a Arrow Comics. Dono de um traço convidativo e que parece se adaptar ao sabor da cena, Deadworld logo se tornou o maior sucesso underground.
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Fã assíduo de rock setentista, Vince Locke é muito aclamado por sua contribuição em um outro gênero, digamos, um pouco mais extremo do som pesado, o Death Metal. Particularmente tendo criado aquarelas ultra violentas que foram usadas como capas dos álbuns da banda estadunidense Cannibal Corpse, praticamente cobrindo toda a sua discografia. Tudo isso tendo iniciado com um contato por telefone vindo de Chris Barnes, vocalista do Cannibal Corpse na época e fã de Deadworld.
Logo no álbum de estreia da banda, "Eaten Back to Life" (1990), o traço de Locke se destaca no gore da capa. Nessa época, o artista já fazia parte de DC Comics, como um dos arte-finalistas do arco "Vidas Breves" do icônico Sandman, obra que instantemente colocou Neil Gaiman no pináculo do panteão sagrado dos quadrinhos ocidentais. O álbum entra para a sua lista de banimentos em países como a Alemanha. A censura da capa durou até 2006 naquele país.
O segundo álbum, "Butchered at Birth" (1991), teve o mesmo destino no país germânico. No clássico selo, que por um saudoso tempo simbolizava um novo fôlego de vanguardismo nos quadrinhos adultos. Como um meliante reincidente, Locke manteve participação no rodízio de artistas de Sandman e sua fama com as capas proibidas o torna uma das bem lubrificadas engrenagens que formariam a Vertigo, montada pela visionária Karen Berger.
"Tomb Of The Mutilated" (1992) é o terceiro álbum de estúdio do Cannibal Corpse, novamente com as digitais de Vince Locke na capa, que trazia dois cadáveres em decomposição fazendo sexo oral. Essa capa foi outra a ser censurada em vários países, forçando o grupo a lançar uma versão alternativa, a qual foi lançada no Brasil pela gravadora Roadrunner Records. Este trabalho foi marcado como o último do guitarrista e fundador Bob Rusay, que acabaria abandonando a carreira de músico tempos depois. A banda ainda faz uma aparição no filme "Ace Ventura: Um Detetive Diferente", estrelado por Jim Carrey, tocando justamente "Hammer Smashed Face", e levando o Cannibal Corpse ao status de primeira banda de Death Metal a aparecer no Top 200 da Billboard.
Nos quadrinhos, Vince Locke seguiu fazendo trabalhos para Deadworld e para a Vertigo, mais exatamente Hellblazer - Love Street e American Freak: A Tale of the Un-Men, onde é responsável pela arte, junto de Dave Louapre.
O quarto álbum do Cannibal Corpse sai dois anos depois do terceiro. "The Bleeding" (1994) mantém a tradição gore das capas de Locke, alcançando a marca de mais de 98,300 cópias vendidas, quinto disco de Death Metal mais vendido da história dos EUA e também o último com o vocalista original, Chris Barnes.
Em 1996, a banda lança "Vile", com George Fisher nos vocais. Apesar da grande amizade de Vince Locke com Chris Barnes, antigo vocalista, a saída dele da banda não afetou a parceria com o mestre das capas. "Quando Chris Barnes estava na banda, ele tinha ideias definidas do que queria na capa. Ele me contava suas ideias e eu partia delas. Eu geralmente fazia mudanças, mas elas começaram com suas ideias. Ultimamente, eu recebo um título de álbum e alguns títulos de músicas. Depois, trabalho ideias a partir disso. Mostro alguns para a banda e eles escolhem um e me dão sugestões sobre as mudanças que desejam" – disse Locke em uma entrevista para o site Voices From The Darkside.
Com certeza, em uma visão generalizada (e sem nenhum demérito) a maior mostra de desenvoltura do ofício deste artista é a graphic novel "A History of Violence", escrita por John Wagner (co-criador do Juiz Dredd), lançada pela DC Comics em 1997.
Vince Locke, como se fosse um sexto integrante da banda, volta para "Gallery of Suicide" (1998), "Bloodthristh" (1999), "Live Cannibalism" (2000). Além das capas, inúmeros produtos de merchandising da banda. São camisetas, bottons, patchs, pôsteres, etc, tudo leva a sua arte original, rendendo cifras satisfatórias para o artista, visto que o Cannibal Corpse sempre vendeu muita coisa, além dos discos.
Paralelo a isso, Locke continuava seus trabalhos para a DC Comics e para a editora inglesa 2000 AD. Sua arte deu forma a variados contos, tanto na Judge Dredd Megazine, como nas revistas-irmãs Tharg's Future Shocks, Tharg's 3rillers e Judge Dredd (cujo conto "O Estripador de Sexaroides", pode ser conferido aqui no Brasil em Juiz Dredd: Assassinos Seriais, da Mythos).
Em 2002, o Cannibal Corpse seguiu com sua prolífica carreira no álbum "Gore Obsessed", um nome muito sugestivo para todos os envolvidos. Porém, talvez sua maior distinção seja a bela e movimentada capa para "The Wretched Spawn" (2004), décimo álbum do Cannibal Corpse. Na capa em questão, fica evidente a meticulosidade em uma ilustração permeada de agilidade, e, para olhos mais rescaldados, uma revisitação visual a Deadworld, onde os notáveis talentos criativos de Vincent Locke ganharam vida.
Em 2005, "A History of Violence", foi transformado em um filme (Marcas da Violência, no Brasil), dirigido pelo diretor David Cronenberg, que tomou certas liberdades com o roteiro de Wagner, isso não tirou o reconhecimento que película ganhou no Festival de Cannes e Sundance - com Vince Locke como palestrante convidado -, e significativas indicações no Oscar (incluindo melhor roteiro adaptado), e, sobretudo, acabou despertando o interesse de um público não leitor de quadrinhos pelo tomo, que no mesmo ano foi laureado com o espanhol Prêmio Haxtur (categoria Melhor Longa História), e no ano seguinte foi indicado ao Prix du Scénario, do Festival d'Angoulême.
Em "Kill" (2006), apesar de haver uma arte de Vince Locke, a capa do álbum lançada no mundo parece ter aderido ao politicamente correto. Com uma roupagem que descaracteriza o próprio histórico do Cannibal Corpse, só temos letras formando a palavra "KILL" e o logo da banda. A arte de Vince Locke foi usada apenas na parte interna e para materiais de merchandising.
Como um belo "pedido de desculpas" para os fãs do gore de suas capas (e da música), "Evisceration Plague" (2009) vem com uma sensacional graphic novel feita por Vince Locke, além da capa do álbum.
Com tudo no seu devido lugar, Locke, a partir da última década, tem sua marcha de trabalhos bem seleta e reduzida, assim como o próprio Cannibal Corpse, que lançou "Torture" (2012), "A Skeletal Domain" (2014) e "Red Before Black" (2017). Além da longeva parceria com a banda, Vince Locke segue desenhando esporadicamente, concedendo seu trabalho para projetos, que incluíram ilustrações da primeira edição da Polluto: The Anti-Pop Culture Journal, robusta e bem acabada publicação de artigos culturais organizada por um coletivo de autores de vários meios, como Jeff VanderMeer e Rachel Kendall.
Locke é um dos grandes envolvidos no ambicioso projeto de Jasmine Aliara, Lyraka, ópera metal wagneriana com suas dimensões questionadoras e filosóficas se estendendo ao âmbito do multimídia.
Mesmo com seu trabalho na nona arte tendo diminuído claramente, não se pode dizer que seu comprometimento com a mesma esfriou. Obras pontuais e elogiadas, a exemplo da bela graphic novel de ficção científica da Top Shelf Productions, "Junction True", e "Saint Germaine", pela Image Comics, HQ que marca a reunião de Locke com Gary Reed, um dos amorosos pais da criança adorada e hiperativa, chamada "Deadworld". Por falar em Deadworld, a primeira obra de Vince Locke está saindo no Brasil pela Tai Editora.
Atualmente, Vincent Locke mora com sua esposa e três filhos em Michigan, onde continua a desenhar e pintar. Sua arte marcante e peculiar pode ser apreciada em www.vincelocke.com.
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