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Temple Of The Dog: uma análise contextual de "Hunger Strike"

Por Paulo Severo da Costa
Postado em 24 de outubro de 2016

No final dos anos oitenta, o glam metal ainda rendia números olímpicos; o thrash já tinha produzido muito de suas melhores obras, o heavy metal tradicional estava em um período de reformulação (adicionando sintetizadores e abrandando muito da fúria do início da década) e, assim, andava o mundo: alternando clássicos e lixo descartável. Ainda sim, uma terra infinitamente mais fértil do que a atual, conforme corroborou um saudosista DAVID LEE ROTH em 2004: "Quando eu morrer, espalhem minhas cinzas sobre os anos 80".

Como todo ciclo, entretanto, esse já estava em vias de oferecer o assento a outra perspectiva: o som vindo da chuvosa Seattle, onde bandas como GREEN RIVER, MUDHONEY e TAD iniciavam um blend impreciso que vagava do punk ao noise; de notas sombrias roubadas do doom à eletricidade hard dos anos setenta. Como acontecera com o termo "punk" dez anos antes, o "grunge" enquadrava, em termos de sonoridade, bandas que tinham pouca ou nenhuma identificação musical entre elas, como ALICE IN CHAINS e PEARL JAM. O termo, na verdade, foi criado pelo selo Sub Pop (gravadora que lançava bandas do underground americano) e, que no início da década de 1990, contratou EVERETT TRUE, repórter do Melody Maker, para uma reportagem sobre essas bandas. Vítima das circunstâncias, o grunge era, ao mesmo passo que achincalhado por boa parte da guarda metal, merecedor de declarações futuras como: " Duas das melhores vozes de rock que eu ouvi nos últimos anos vem de bandas grunge: EDDIE VEDDER e CHRIS CORNELL do SOUNDGARDEN"- dita por ninguém menos que BRUCE DICKINSON.

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Nesse período ainda nascituro, o grunge começou a tomar espaço (que transmutaria o underground em mainstream anos depois, vindo a soterrar o rótulo) e, em 1988 surgia o MOTHER LOVE BONE, liderado pelo carismático ANDREW WOOD, acompanhado de GREG GILMORE, BRUCE FAIRWEATHER, JEFF AMMENT e STONE GOSSARD. Depois do lançamento do único registro extendido ("Apple" de 1990), WOOD morreria em 16 de março do mesmo ano após uma overdose de heroína, aos 24 anos. "Andy estava começando a entrar em contato com seu talento e teria muito a oferecer como compositor e personalidade marcante no mundo da música", afirmou CORNELL, amigo pessoal de WOOD. Desse sofrimento foram escritas duas músicas em homenagem a ANDY (‘"Reach Down" e "Say Hello 2 heaven") , que se tornariam um tributo musical: o TEMPLE OF THE DOG, nome retirado de um trecho da letra de "Man of Golden Words do BONE.

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Acompanhado de AMMENT e GOSSARD, MATT CAMMERON (baterista do SOUNDGARDEN e, posteriormente do PEARL JAM) e MIKE McCREADY, CORNELL deu partida ao projeto. Com o fim do BONE, AMMENT, GOSSARD se uniram a McCREADY , trabalhando na idéia de um novo combo, para o qual viria a ser convidado o (então) desconhecido vocalista EDDIE VEDDER. Enquanto isso, os projetos caminhavam em paralelo. Inicialmente fora dos planos, a voz de VEDDER chamou a atenção de CORNELL, que escrevia a última faixa do álbum: "Ele cantou metade da música mesmo não sabendo que eu queria que essa parte estivesse lá; e cantou exatamente da forma em que eu estava planejando. Tudo instintivamente!". Essa faixa (registrada apenas porque o disco possuía nove músicas e CORNELL tem uma certa superstição quanto a números ímpares), era "Hunger Strike".

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"Eu estava querendo expressar a gratidão por minha vida, mas também meu desprezo por pessoas que acham que nada é suficiente, que estão sempre querendo mais. Não há nenhuma maneira para realmente se ter muito mais do que o normal; você precisa ter alguém de quem tirar. A canção é sobre pessoas que tiram de outras que já não têm nada". De fato, a letra explicita a cobiça de forma veemente em versos como "Eu não me importo de estar roubando o pão/Das bocas da decadência" ou "O fogo está cozinhando/Eles cuidam de seus bebês/Enquanto os escravos trabalham". CORNELL sangra os ouvidos quando grita, desesperançoso: "As bocas se engasgando/Mas estou ficando faminto" repetindo o verso à exaustão em cima do contraponto vocal grave de VEDDER.

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Harmônica e texturalmente, a faixa apresenta uma ideia simples que praticamente se sustenta em um riff dedilhado entre os acordes de Sol e Dó à nona (com exceção de um breve, mas providencial, breaking point). "CORNELL me mostrou o riff. Eu tinha uma Stratocaster reedição de 1962 e queria usar a posição de captação entre a ponte e o captador central- onde eu acho o som mais suave. Então, na parte mais pesada da música, eu jogo o som para o captador do braço do instrumento", afirmou McCREADY.

"Hunger Strike", a faixa feita apenas para completar um álbum, se tornou o primeiro single do disco homônimo da banda e foi complementado por um vídeo marcante, que lançaria o ainda incipiente PEARL JAM ao mundo. A propósito da retomada do projeto TEMPLE OF THE DOG em 2016, CORNELL arrematou: "Quando escrevi ‘Hunger Strike’, o SOUNDGARDEN era a primeira banda que chamou a atenção ao rótulo grunge de uma maneira significativa. Houve então um monte de picuinhas entre as bandas locais, o que era algo bem incomum em Seattle. Nós estávamos vivendo o nosso sonho, mas havia também sabíamos da desconfiança que isso gerava. Tudo aquilo nos faria um banda de rock comercial? Isso mudaria nossa motivação quando estivéssemos escrevendo uma música ou fazendo um disco? 'Hunger Strike' é uma afirmação que eu vou ser sempre fiel ao que eu estou fazendo. Independentemente do que venha a acontecer, eu não vou mudar o que faço de coração por sucesso ou dinheiro."

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Sobre Paulo Severo da Costa

Paulo Severo da Costa é ensaísta, professor universitário e doente por rock n'roll. Adora críticas, mas não dá a mínima pra elas. Email para contato: [email protected].
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