Uma celebração de uma nova estação para a Legião Urbana
Resenha - Legião Urbana (Iguatemi Bosque, Fortaleza, 25/11/2023)
Por Leonardo Daniel Tavares da Silva
Postado em 17 de dezembro de 2023
Seria euforia, energia aumentada, pupilas dilatadas, coração batendo mais forte e mais rápido, ou a falta disso tudo, o abismo que se cai, só tristeza. Mas não há tristeza nenhuma aqui. E a energia é toda sadia. Todos os olhares, todas as pupilas brilham enquanto no palco estão os membros remanescentes da LEGIÃO URBANA, a banda de rock brasileira que fez mais sucesso nas décadas de 80 e 90, quando o rock disputava de igual pra igual com outros estilos a preferência nos seletores de frequência. Um tempo diferente, questões diferentes, um país diferente. Não, o país é o mesmo. "Que País É Esse?". Apenas temos outras caras. Aqueles jovens de antes, sobre o palco e abaixo dele agora tem rugas, cabelos brancos ou cabelo nenhum. O país ainda é o mesmo. Mas hoje tudo o que importa é a celebração. Com foco no quarto e quinto discos da LEGIÃO URBANA, o aclamadíssimo "As Quatro Estações" e o impávido colosso "V", Dado Villalobos. Marcelo Bonfá e a Multi Entretenimento aqueceram corações e mentes no estacionamento do Iguatemi Bosque no dia 25 de novembro último. Continue com a gente pra saber como foi (com fotos de Chris Machado).
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A noite começou com o DJ Julinho Lemos, da Cidade 99, e IGOR MONTENEGRO, tocando canções suas e sucessos populares, como "Azul", dele, e "As It Was" (Harry Styles), o hino corno brilhoso gringo "Mr Brightside" (THE KILLERS) e a fafafafafa "Psychokiller" (TALKING HEADS). "Beggin'", dos 4 SEASOBS, que virou fenômeno com os italianos da Maneskin também apareceu na noite, que fechou com "Pro Dia Nascer Feliz". Aí que teve mãos pro alto, batendo palmas e acompanhando a música. O show foi competente, mas, focando principalmente em covers, sem trazer nada de original, nem nas covers nem no conteúdo próprio, fica complicado dizer que foi mais que uma enorme balada. Penso em como seria mais interessante ter, por exemplo, os SELVAGENS À PROCURA DE LEI, mega influenciados que foram pela banda principal da noite, a LEGIÃO, até para combinar com o mote que se ouviu nos avisos de segurança: "vamos fazer memórias juntos", trecho de uma das canções do SAPDL.
Vamos ao show da Legião Urbana, ou melhor, do que o destino nos deixou, agora que nem mesmo o nome os membros reminiscentes podem usar (devido a questões judiciais levantadas pelo filho adotivo de Renato). O show de Dado e Marcelo, apoiados por uma banda de apoio competentíssima, com o violão de Lucas Vasconcelos, os teclados de Pedro Augusto e o baixo de Mauro Bermann, além dos vocais do também ator André Frateschi, já começou com grandes clássicos da época em que rezávamos para o locutor da FM não falar nada durante as músicas. "Há Tempos", "Meninos e meninas", com o público cantando cada frase, e a menos radiofônica, mas não menos expressiva, "Sereníssima". Segue para "Eu sei", confirmando a sequência fortíssima de sucessos nesse início. E, não, no solo arrasa-quarteirão que você está tu-turu-ruruando agora nenhum locutor apareceu para atrapalhar a gravação naquela sua fita cassete Basf de 60 minutos (podia ser TDK também).
O clima rock punk luau continua com "Quase sem querer" e dá vez à "Eu Era um Lobisomem Juvenil". Que lindo. Bicho do mato, bicho da selva de pedra acha lindo.
Na primeira comunicação com o público, Dado fala que "essa daqui (Fortaleza) é uma das sete cidades que marcaram sua história". É a deixa para "7 cidades" (em quantas 70 cidades ele deve repetir isso?). Ele próprio canta a canção. Não é o melhor dos cantores, mas tem verdade na voz.
Cá embaixo, muita gente na faixa dos 30, dos 40, dos 50. É verdade, a geração que nasceu quando o negócio era Fatboy Slim não aparece tanto, mas ainda há mesmo muita gente "querendo ouvir uma canção de quem deixou a segurança do seu mundo por amor". E ela vem. "O Mundo Anda Tão Complicado".
É impressionante como canções como "Teatro dos Vampiros" envelhecem com a gente. Elas não continuam adolescentes. Agora falam dos sonhos perdidos dos então adolescentes. Os significados agora são outros. O ônibus perdido dá lugar ao pneu furado. A mesada pouca, quando existia, agora é a bola de neve do cartão de crédito. O fora que machucou tanto virou separação, divisão de bens, pensão e se meu filho pode dormir ou não na minha nova casa. As canções envelhecem com a gente. Criam rugas. Embranquecem os cabelos. Mas agora falam de sonhos perdidos. Da primeira vez, que foi a última chance. E nenhuma palavra foi modificada. Só o que elas significam se modificou.
O ator meio que quer fazer charme chamando a leve brisa de "o melhor vento no melhor litoral", mas não importa. A canção é pra radioheadear lembrando de 1993. E é pra radioheadear "dicumforca" mesmo, ainda mais quando Dado mete um solo que ele próprio não sabia fazer naquela época.
Para "Por Enquanto" ficam no palco só o tecladista e o baixista. Chega Bonfá para cantar (a bateria fica gravada). O resto da banda só retorna para dizer que, ao invés de irmos pra casa, "o senhor da guerra não gosta de crianças". Crianças palestinas e judias que o digam.
"Tempo perdido" bota todo mundo no jogo de novo. E Dado, mais uma vez no microfone, entoa "Índios".
Em "Será", o povo se esgoela mesmo. Fica podre da garganta. E acha bom. E cantam também "Faroeste Caboclo", errando a letra aqui e ali, mas sem cansar, de bem antes da "cidade linda" até o clímax de quem é "santo porque sabe morrer".
Em 2023, "(1965) Duas Tribos", até teve quem tentasse puxar coro de Sem Anistia para um ex-presidente que apoiava a ditadura militar, mas não funcionou muito. A galera estava mais interessada no Autorama e nos modelos Revell. A referência aos soldados só vem, na música de mesmo nome, por parte de Frateschi. "Somos solda-a-dos / roubando jo-o-ias", mas pouco aconteceu. Não vimos coro. Não vimos indignação. Não entendemos. O que está acontecendo?
Enquanto uma gravação nos engana com "Love Song", Frateschi e Bonfá trocam de lugar para "Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar". O ator não manda mal nas baquetas. E nem é tão exigido, né? E a voz de Bonfá é doce, um barco que passeia levemente perto de uma praia. E na hora da oração é claro que o público é quem reza
André Frateschi comenta: "Eu poderia estar aí e vocês aqui. Eu sou legionário desde que eu sou pitoquinha. Inacreditável uma noite como essa estar acontecendo em 2023". De fato, o ator é jovem o suficiente pra não ter tido idade pra ir sozinho nos shows da Legião quando ela existia, mas já tem idade pra ter tido os mesmos problemas que tivemos com fitas cassete e locutores de FM.
O show segue com "Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto" (cantada por Dado), "Pais e Filhos" e "Monte Castelo". Aqui, na canção homônima de um bairro nosso (o nome vem de uma batalha na Itália, na verdade), temos Bonfá no pandeiro e Mauro Bermann em outro teclado. O estacionamento do Shopping Iguatemi foi transformado numa igreja, os teclados se transformam no enorme órgão da Igreja de São Bento.
[an error occurred while processing this directive]O quinto elemento, a quinta estação (do nome da turnê) é o espírito. A quinta estação é o bis, o metal que enfrenta as nuvens, o ouro contra o azul, o céu que traz a chuva e leva os poetas. "Eu gosto de acreditar que ele está com a gente. Hoje ele é raio, relâmpago e trovão. Viva Renato Russo. Viva Renato Rocha. Viva Legião Urbana", eles concluem.
Não teve "A Montanha Mágica". E essa foi a falha capital de um show praticamente sem defeitos. Muita gente sentiu falta de outros clássicos, mas todo mundo já saiu de casa avisado que a turnê focaria no "As Quatro Estações" e no "V", o terceiro e quarto álbum da Legião. A inclusão de algumas canções do primeiro e segundo álbum acabaram sendo lucro. Ah, e nada também de "Feedback Song for a Dying Friend".
Mesmo assim, "minha laranjeira verde está tão prateada". Foi mesmo a "lua dessa noite, o sereno da madrugada". Voltamos para casa "com sorriso bobo, parecido com soluço". E "o caos segue em frente, com toda calma do mundo".
Agradecimentos:
Multi Entretenimento, em especial a Pedro Aryell, pela atenção e credenciamento.
Chris Machado, pelas imagens que ilustram essa matéria. Confira mais logo abaixo:
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