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Claro Q É Rock: Resenha do festival

Resenha - Claro Q É Rock (Cidade do Rock, Rio de Janeiro, 27/11/2005)

Por Rafael Carnovale
Postado em 05 de dezembro de 2005

A segunda edição do festival Claro Que É Rock prometia e muito para os fãs da chamada música "alternativa". Além de nomes consagrados como Nine Inch Nails, Sonic Youth e Iggy Pop and The Stooges, o festival traria a volta do Suicidal Tendencies, o rock brazuca do Cachorro Grande e o "manguebeat" rock da Nação Zumbi, além do poppy-punk do Good Charlotte (que de alternativo não tem nada, mas...). Um "cast" variado e bem diferente do usual, mas com a promessa de shows interessantes. Consta que o Nine Inch Nails viria com sua produção completa de palco.

Fotos: Rodrigo Scelza

O local para tal empreitada no Rio de Janeiro não poderia ter sido mais bem escolhido: a Cidade do Rock, embora seja localizada bem distante de todas as áreas possíveis e imagináveis da cidade, estava um tanto quanto abandonada depois do Rock in Rio em 2001, servindo para eventos "techno", que nada tinham a ver com sua proposta original. Porém nem tudo foram flores nesta trajetória. Há 10 dias da primeira data do festival em São Paulo (26/11), o Suicidal Tendencies cancelou sua apresentação, por motivos de saúde do vocalista Mike Muir. Em seu lugar foi escalado o Fantomas, projeto que reúne Mike Patton (ex-Faith No More), Dave Lombardo (Slayer), Buzz Osbourne (The Melvins) e Trevor Dunn. Porém o próprio Mike Patton afirmou que a banda teria pouco tempo para se preparar para os shows, pois trata-se de um projeto 150% experimental, com proposta de soar como uma trilha sonora de filme. Mas a curiosidade aumentou.

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O local teve seu espaço reduzido, para a instalação de vários banheiros químicos e alguns quiosques de alimentação e algo novo para os fãs cariocas: o uso de dois palcos. Dispostos nas laterais da Cidade do Rock (do palco aonde foi realizado o Rock in Rio só sobraram os alicerces), e uma estrutura de apoio a imprensa invejável, com computadores, alimentação e ótimas acomodações, o que permitiu que vários profissionais pudessem exercer seu trabalho de maneira adequada. Com o uso de dois palcos, a idéia era minimizar o intervalo entre os shows, e permitir maior agilidade, o que funcionou muito bem no show de São Paulo, realizado um dia antes.

Tudo parecia correr bem, mas o horário do início dos shows (17:00) ia se aproximando e apenas o segundo palco recebia movimentação adequada. Falava-se que a banda Os Cartolas (RS), vencedora do festival, iria se apresentar as 16:30 no palco 1, mas o tempo passava e nada acontecia. Logo boatos de que problemas com o transporte dos equipamentos para o festival começaram a ecoar pelo local, mas a única coisa que foi dita, e bem depois do esperado, era que os 4 primeiros shows seriam feitos no palco 1 (após uma movimentação exagerada para desmontar parte da estrutura do palco 2) e que a banda Os Cartolas não poderia se apresentar por problemas de agenda. O atraso chegou a 3 horas de duração, mas até aí é normal, problemas acontecem. Faltou a organização uma satisfação aos 15 mil fãs que estavam no local sofrendo os efeitos de um calor avassalador.

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Apenas às 18hs começou a soar música mecânica no local, e o Cachorro Grande subiu ao palco as 19:45, e foi ovacionado pelo público, que deixou clara sua insatisfação pelo atraso.

A banda, que entrou em cena trajando ternos pretos, pratica um rock cru e básico, mas muito bem executado e com bastante garra. "Você Não Sabe O Que Perdeu", "Agora To Bem" e "Hey Amigo" foram bem recebidas pela galera, que aplaudia a energia de Beto Bruno (vocal), Marcelo Gross (Guitarra), Gabriel Azambuja (bateria) e Pedro Peletas (baixo). A banda seguiu com sons próprios como "Besuntou", "Dia Perfeito" e "Vai Ter Que Dar", todos de seu primeiro CD. Após "Sexperience", a banda agradeceu a todos pela presença, louvou a chance de ver os Stooges e mandou uma versão matadora para "Helter Skelter" (Beatles), que incendiou o público. Uma apresentação matadora, um ótimo começo.

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No intervalo que precedeu este show da apresentação do Good Charlotte, começaram a circular boatos de que o atraso na programação mexeria com a ordem das apresentações. De fato alguns shows foram movidos para o palco 1, e o Nine Inch Nails não seria mais o "headliner", deixando o posto para a Nação Zumbi, que teria que executar seu show entre 3:30 e 4 da manhã. De novo, nada foi confirmado a princípio... mas não demorou muito para que tais boatos fossem ratificados com um comunicado oficial a imprensa, mas não ao público, que de nada sabia.

O show do quarteto Good Charlotte estava programado para 20:25, mas a banda só subiu ao palco as 21:15, com "Anthem". Os irmãos Madeen (Benji – vocal e Joel – guitarra) subiram ao palco com um visual a lá "Misfits", trajando camisetas que remetiam a banda de Gleen Danzig e Jerry Only. O show continuou com "Walk Away", "SOS" e "Predictable". A banda se sai bem na proposta de um punk rock mais chegado ao pop, mas a recepção do público foi um tanto fria. Mas músicas como "World Is Back" e "Lifstyles" e o "hit" "I Just Wanna Live" (com Benji declarando que gostaria de morar no rio, ser um cidadão carioca) agradaram aos fãs do quarteto, que, se mostrou eficiência e competência, demonstrou não ter sido uma escolha adequada para o evento em questão. O caso clássico da banda certa no local errado.

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Chegava a hora da Nação Zumbi? Nãoooooooooo... quem olhava para o palco 1 notava a presença de Mr. Patton, ajudando na montagem do equipamento de sua banda. Também poucos repararam que quem veio como baterista foi o lendário Terry Bozzio (Frank Zappa e Steve Vai). O Fantomas começou sua mostra experimental (porque isso não é show nem aqui nem na PQP!) por volta de 23:00. A banda se resume a Patton mandando "scratches" e efeitos (muitos com o uso de sua voz) acompanhados de maneira frenética por guitarra, bateria e baixo. No mínimo algo inusitado e inesperado, tanto que não se ouviam muitas palmas, não se sabia o que estava sendo tocado e faltou um telão para exibir um filme "B", que se encaixaria como uma luva na sonoridade do Fantomas. O melhor momento acabou sendo a tirada de Mike Patton, quando declarou "Rio de Jannneeeeeeiro... festival Claro que é ... Merda!", arrancando gargalhadas dos presentes. Uma alfinetada direta na organização, que se tinha uma proposta perfeita, errou muito na execução da mesma. O show durou apenas 30 minutos, e misturou desde rock até bossa nova, sendo interrompido bruscamente... vai entender o porque... mas em todo caso foi legal... eu acho.

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Logo após o show do Fantomas, fomos avisados que o show do Flaming Lips começaria em seguida no palco 2. Sim!!!! O palco 2 finalmente seria usado... e de repente, enquanto o público se deslocava para o dito cujo, ouve-se a voz de Wayne Conye (vocalista, andando dentro de uma bolha!) dizendo "Come On Pleople, Come On"... era a hora da segunda incógnita do dia: o trio Flaming Lips, que já impressionou com uma festa gigantesca no palco, com bolas sendo jogadas para a platéia, pessoas vestidas como bichinhos infantis, e um Papai Noel nos teclados (a cargo de Steven Drazd). A festa começou com "TA DA???", seguida do surpreendente cover para "Bohemian Rhapsody", que ficou excelente e levantou a galera. Com o jogo ganho, a banda seguiu com um espetáculo vídeo-musical (ensinando como se usa um telão de maneira eficiente e adequada), enquanto mandava músicas próprias como "Yoshimi Battles", "She Don´t Use Jelly" e "Do You Realize". A performance dos músicos é muito boa e o clima festivo reinou em uma hora de show. Para fechar o evento com força, um outro "cover": "War Pigs", que ficou muito bom. Um show que agradou, convenceu e emocionou a muitos. Uma grande surpresa.

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Faltava algo... desde o show do Cachorro Grande estava faltando algo (além do show da Nação Zumbi)... rock and roll. Por isso, o show de Iggy and The Stooges no palco 1 (que começou por volta de meia noite e meia), foi um bálsamo energético naqueles que queriam ouvir o bom e velho punk-rock, com um dos pais do estilo. Trajando uma calça funkeira modelo feminino (reza a lenda que Iggy viu os modelos de calças da Gang e comprou várias para uso próprio),e acompanhado por Ron e Scott Asheton (guitarra e bateria respectivamente) e Mike Watt, Iggy roubou a cena. Loiro, com sua calça funkeira e tresloucado ao extremo, deu um show de vitalidade e loucura. Nem parece que o cara tem 58 anos e esteve perto da morte algumas dezenas de vezes. Clássicos como "1969", "Dirt", "Now I Wanna Be Your Dog" (executada duas vezes) e"1970" foram executados com fúria. Os Stooges não se mexem muito, e o sinal da idade é visível nos rostos de cada um, mas Iggy é o demônio em pessoa: pula, saracoteia, rebola, canta "I´m a Gay Rockstar", se joga nos fotógrafos e na platéia, além de alternar gritos com melodia e rebeldia. Para aumentar a energia, o distinto chamou várias pessoas ao palco durante "No Fun" (muitos músicos de outras bandas estavam assistindo ao show), o que só fez aumentar a adrenalina dos presentes. Iggy ainda tinha uma espécie de "personal roadie", que toda hora passava pelo palco limpando tudo, e entregando o microfone ao doido de plantão (por sinal esse roadie quase toma porrada de um dos componentes da equipe técnica segundos antes do começo do show). O massacre seguiu com "Skull Ring" (faixa do mais recente CD solo de Iggy) e com "Rockstar", que encerrou 1:10 de puro rock. Ainda bem, pois estávamos esperando por isso...

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Juro que não gostaria de escrever isso... mas o momento seguinte foi decepcionante... e olha que estou falando do Sonic Youth, a nata do rock alternativo, que conseguiu arrebentar em festivais como o finado Loolapaloza, e possui uma discografia honrosa. Começando o show perto de duas da manhã no palco 2, Lee Ranaldo (guitarra), Thurston Moore (guitarra e vocal) a quase cinquentona e enxuta Kim Gordon (baixo e vocal), Steve Shelley (bateria) e Jim O´Rourke (guitarra) não fizeram jus ao poder de suas músicas. Se "Stones" e "Pattern Regonition" mostraram uma banda energética e vibrante, o resto do "set" foi fraco e decepcionante. Músicas como "Skip Tracer", "Dude Ranch" e "Expressway to Your Skull" são boas, mas cansativas demais para um festival. A banda literalmente abandonou os sucessos de "Goo" e "Dirty" para se focar em seu material mais recente e complexo, e toda a energia e força mostrada em palco resultou num show enfadonho e cansativo. Uma pena não terem tido um critério melhor na escolha do que iriam tocar... poderiam ter saído consagrados.

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Neste momento era divulgado um comunicado oficial informando que a Nação Zumbi não aceitou a "oferta" de tocar depois do Nine Inch Nails, cancelando sua apresentação. De fato o atraso de 3 horas prejudicou e muito o andamento da edição carioca, quase inviabilizando o uso de dois palcos, e mudando todo um cronograma, mas jogar a responsabilidade de tocar depois do "headliner" para os brasileiros, e as quatro da matina não foi uma idéia feliz... mas quem é o culpado? A banda? A organização? Essa eu deixo para vocês dizerem no mural, já que na hora que fomos informados do fato, não conseguimos ouvir a banda ou algum de seus representantes, embora tenhamos tentado.

Por volta das 3 da matina era a hora de um dos shows mais aguardados do festival. Trent Reznor sobe ao palco, com efeitos absurdos de iluminação e jogo de fumaça constante (a banda colocou barras de néon atrás da bateria, e vários "spots" em posições diferentes, criando o verdadeiro inferno musical) e a banda começa a tocar "Wish", um de seus maiores sucessos em terras brasileiras. Seguem com "Sin" e "March Of The Pigs", além de "Terrible Lie" e "The Collector". A energia de Trent no palco é algo absurdo, e olha que ele havia machucado a perna antes de começar o show, segundo informações. Para acompanha-lo, nada melhor que o tresloucado Twiggy Ramirez (ex-Marilyn Manson – um discípulo de Trent) no baixo, Jerome Dill na bateria, Aaron North na guitarra e Alessandro Cortino nos teclados e samplers. Novamente estávamos diante de um espetáculo vídeo-musical, porque os efeitos de luz davam a tônica das músicas. Trent não é de falar muito, e parece até meio frio com a platéia, mas a agitação de Twiggy e Aaron (que corriam de um lado para outro) e Alessandro (que quando não estava tocando se atirava no chão e ficava batendo cabeça) compensavam essa aparente frieza.

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Ao vivo, a banda manda muito bem em sua mistura de industrial com rock e metal, só que o som fica pesado, pesadíssimo, absurdamente agressivo."Closer" foi recebida com entusiasmo, assum como "Reptile", "Suck" e a maravilhosa balada "Hurt" (uma das músicas mais lindas que Trent já compôs, e ironicamente uma das mais simples). Para fechar um show mágico de uma hora e meia, nada melhor do que "Starfuckers INC." e "Head Like a Hole", seguidas da destruição de parte do equipamento pela banda, com Trent agradecendo a todos... um show monstruoso. A verdadeira trilha sonora do Apocalypse (e olha que Mr. Reznor sabe compor trilhas musicais). Juntamente com a crueza e energia de Iggy and the Stooges, o momento alto da noite... ou do dia, porque o show terminou as 04:30.

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Voltando para casa, cansados e destruídos pela maratona, podemos dizer que o Claro que é Rock foi bem sucedido, mas os seguidos erros da organização (relevados os imprevistos, que sempre podem acontecer) poderiam ter posto tudo a perder. No entanto os acertos devem ser ressaltados e a qualidade dos shows pesou a favor deste festival. Nada que possa ser corrigido numa próxima edição. Quem viu, viu...

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Sobre Rafael Carnovale

Nascido em 1974, atualmente funcionário público do estado do Rio de Janeiro, fã de punk rock, heavy metal, hard-core e da boa música. Curte tantas bandas e estilos que ainda não consegue fazer um TOP10 que dure mais de 10 minutos. Na Whiplash desde 2001, segue escrevendo alguns desatinos que alguns lêem, outros não... mas fazer o que?
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