Líder do MC5 diz que prefere Free Jazz a Ramones
Fonte: UOL Música
Postado em 26 de julho de 2005
ANTONIO FARINACI
Editor de UOL Música
No próximo dia 13 de agosto, São Paulo recebe o lendário grupo MC5 para uma apresentação única no país. Considerado um dos precursores do rock punk, o grupo fez história com uma carreira curta porém intensa. Já de cara, o som cru e enérgico do primeiro disco da banda, "Kick Out the Jams", de 1968, assegurou ao MC5 seu posto ao lado de bandas como Stooges (de Iggy Pop) e Velvet Underground (de Lou Reed e John Cale).
Direto de Los Angeles, o guitarrista Wayne Kramer, um dos integrantes originais do quinteto, falou com UOL Música sobre o recente retorno da banda, sobre os shows no Brasil e compartilhou suas lembranças sobre os primórdios do punk rock.
No Brasil, a banda se apresenta com Kramer na guitarra, Michael Davis no baixo e Denis Thompson na bateria, todos da formação original (o vocalista Rob Tyner morreu em 91 e o guitarrista Fred "Sonic" Smith, em 94). Completam o grupo, Mark Arm, do Mudhoney, o guitarrista Marshall Crenshaw, e "um convidado especial".
Na entrevista, Kramer surpreende ao revelar que nunca gostou muito do som básico de três acordes, genericamente associado ao punk rock. "No começo eu nem gostava muito dos Ramones", admite o guitarrista. "Depois passei a admirar o grupo por sua pureza, mas não pelo lance dos três acordes, que nunca me despertou nenhum interesse".
Segundo Kramer, o MC5 estava mais interessado nas experimentações musicais de jazzistas como Sun Ra, Ornette Coleman e John Coltrane: "Nós nos inspiramos neles para tentar avançar com o rock", explica.
Era de uma corrente também jazzística que Kramer e seus colegas se valiam para descrever o punk ainda sem nome que o MC5 fazia: "Nós chamávamos de 'avant-rock'. E este era um movimento musical não tanto do rock, mas do jazz, relacionado ao free jazz".
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
No começo da carreira, o MC5 se lançou como uma banda "anti-hippie", contrária à cultura "paz e amor". Quais os valores que vocês pregavam?
Wayne Kramer - Eu sempre achei que paz e amor eram coisas boas, mas que têm de ser amparadas por ativismo político. É preciso assumir responsabilidades pela mudança.
Eu nunca fui realmente "contra" os hippies, mas achava que era preciso realmente fazer alguma coisa.
O MC5 esteve sempre ligado à atuação política dos White Panthers, grupo radical fundado por John Sinclair (empresário do grupo) que pregava "sexo nas ruas" e o fim do capitalismo. Qual era a ligação real do grupo com os Panthers?
WK - Nós éramos os White Panthers! (risos) O partido dos White Panthers era um veículo para expressarmos nossa frustração com os rumos que o país estava tomando na época (1968 a 1974). Ao contrário de hoje, quando há uma certa confusão a respeito daquilo que está acontecendo, tínhamos todos a mesma opinião de que o país estava indo para uma direção errada.
(NR: A Era Nixon, 1968 a 1974, é associada ao conservadorismo político e retrocesso nas áreas de direitos humanos, nos EUA. O período ficou marcado pelo caso Watergate, que levou o presidente à renúncia, em 74. O partido dos White Panthers surgiu em 68 e pregava uma "revolução cultural". Em 69, após um ataque com coquetel molotov a um escritório da CIA, atribuído ao grupo, um dos líderes dos Panthers foi preso. A sede do partido foi invadida pelo FBI no final de 1970.)
E você ainda tem uma atuação política hoje em dia?
WK - Claro! Depois que você começa, não dá mais pra parar. Eu atuo aqui em Los Angeles, com o Tom Morello (guitarrista do Audioslave) e com o Serj Tenkian (guitarrista do System of a Down) em campanhas de ampliação do acesso à justiça para trabalhadores, em outras campanhas de justiça trabalhista na Califórnia e também colaboro com programas de assistência a prisioneiros de guerra no Iraque.
O primeiro disco do MC5 foi lançado em 1968, mas vocês já estavam fazendo esse tipo de música enérgica pelo menos desde 1965. Nessa época, que nome vocês davam ao tipo de música que vocês faziam?
WK - Nós chamávamos de "avant-rock". Nós queríamos expandir a música para além dos limites que ela tinha alcançado até então. E este era um movimento musical, não tanto do rock, mas do jazz: do free jazz de Ornette Coleman, Sun Ra, John Coltrane e Archie Shepp. Nós nos inspiramos neles para tentar avançar com o rock na mesma direção.
Vocês chegaram algum dia a aplicar o nome "punk" para o MC5?
WK - Não, esse termo só apareceu em meados dos anos 70, e o MC5 parou de se apresentar em 72.
E desde quando a banda está de volta?
WK - Há uns dois anos começamos a tocar ao vivo novamente, Michael Davis (baixista), Denis Thompson (baterista), eu e alguns amigos. Enquanto a banda esteve parada, lancei cerca de 10 discos solo nos EUA. Além disso, tenho meu trabalho como produtor e faço trilhas para cinema, aqui em Los Angeles.
Como você viu o surgimento do punk, em meados dos anos 70, e o que você acha das bandas que nasceram já sob a égide do punk rock, como Sex Pistols e Clash?
WK - Eu gosto muito de Clash e Elvis Costello. Mas eu achava que algumas músicas de outros grupos eram muito retrôs, muito presas às convenções dos três acordes. Sex Pistols e The Damned, por exemplo, eles não estavam levando a música adiante. Como artista, eu sempre quero ouvir coisas novas. Eu não acho interessante ouvir os mesmos três acordes de novo.
Então você devia detestar os Ramones!
WK - No começo eu não gostava muito deles mesmo! (risos) Mas depois comecei a gostar, pela pureza deles...
Mas não pelos três acordes...
WK - Pra dizer a verdade, não! Isso não me desperta nenhum interesse.
Em meados dos anos 70 (de 1974 a 1976), você estave na prisão (por tráfico de cocaína). Nesse período você continuou a fazer música?
WK - Sim. Eu encontrei na prisão um grande mentor musical, Robert "Red Rodney" Chudnick, que tocou trompete com Charlie Parker. Ele me ajudou a crescer como músico. Ele também era um "hóspede do governo" (risos)! Para mim é muito importante continuar estudando música. Eu estudo até hoje.
O que você ouve hoje em dia?
WK - Eu tenho ouvido muito uma cantora country chamada Allison Krauss. Acho a voz dela linda. Gosto também de Eminem, de Dr. Dre...
E no rock atual?
WK - O problema é que não está acontecendo nada de muito interessante no rock agora...
Você gosta de grupos como LCD e Yeah Yeah Yeahs?
WK - Eu gosto do "espírito", mas gostaria que eles estivessem fazendo algo que fosse mais original, em termos musicais. Toda a idéia do MC5 era fazer algo novo. Não estou dizendo pra ninguém fazer o que o MC5 fez, mas quero alguém que cante a sua própria história, com a sua própria voz.
Qual foi a última banda de rock que você ouviu e gostou?
WK - (Após pensar muito) Há duas semanas, ouvi uma banda inglesa, de Oxford, chamada Case Suitable for Treatment. Eles são espetaculares. Fazem uma música avançada. Eles não têm medo de se aventurar para além dos limites do ritmo e da tonalidade. Eles têm um componente de "perigo" na música deles.
Como é um show do MC5 hoje? O que vocês vão mostrar no Brasil?
WK - Eu faço a lista de músicas pouco antes do show. Vamos apresentar alguns sucessos e músicas que as pessoas não conhecem. Todo esse trabalho tem sido um processo, um "work in progress". Às vezes mudamos os arranjos, às vezes não. É imprevisível.
Vocês têm planos de gravar?
WK - Temos escrito algumas músicas novas para um próximo disco. Mas não temos pressa de gravar.
Depois do show vocês vão passear no Brasil?
WK - Eu adoraria, mas acho que não vai dar tempo. Eu tenho que voltar correndo pra Los Angeles. Eu tenho aulas. Estou fazendo um curso de composição para trilha sonora de filmes.
MC5 no Brasil
A banda toca às 2h30 da madrugada de sábado (13) para domingo, no festival Campari Rock.
O ingresso, de R$ 70, dá direito a assistir toda a programação da noite, que inclui shows de Objeto Amarelo, Daniel Belleza & os Corações em Fúria, Autorama, Los Pirata e Mercenárias, entre outros.
Fábrica Lapa
Av Mofarrej, 1267 - Lapa
São Paulo
Veja programação e pontos de venda no site oficial do Campari Rock.
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