O CD ainda não morreu, mas vai morrer
Fonte: IG Pop
Postado em 30 de novembro de 2006
Sábado, pouco mais de meia-noite. Enquanto o céu desaba em forma de chuva, a excelente infra do Nokia Trends 2006 protege o público, e o prepara para uma boa escalação de shows, que haviam começado às 22h do sábado e só iriam acabar lá pelas 8 da manhã do domingo. Enquanto eu lamentava com amigos ter perdido o show do Soulwax que, segundo outros, tinham feito uma excelente apresentação, o Hot Hot Heat adentra o palco, e o que acontece a seguir coloca vários elefantes atrás da orelha deste que vos escreve: o público presente cantou todas (eu escrevi TODAS) as músicas do show com a banda.
Alguém pode até dizer que isso não surpreende, mas é preciso verificar que não estamos falando de uma banda badalada, que está toda hora na mídia, com disco novo na praça ou sendo motivo de investimento da gravadora. Deixando os méritos musicais da banda de lado (que são muitos), o último álbum de estúdio do Hot Hot Heat, "Elevator", foi lançado em abril de 2005, na gringa, e apesar de alguns bons singles (como "Goodnight, Goodnight"), não repetiu o blá blá blá do álbum anterior, o excelente "Make Up The Breakdown", de 2002, que cravou hits como "Bandages" e "Get In Or Get Out".
Ou seja, vamos desmembrar o parágrafo anterior: o disco novo dos caras é de um ano e sete meses atrás (um século nas contas da música pop), e os maiores sucessos do quarteto são de quatro anos atrás (quantas bandas surgiram e quantas outras acabaram neste tempo, hein?). E nenhum dos três discos oficiais do grupo foram lançados no Brasil. E eles não tocam nas rádios brasileiras. E eles não aparecem na MTV. E eles não tocam (tanto) nas baladas. Como é que uma banda com um currículo destes pode ter todas as suas músicas cantadas em coro pelo público? Um, dois, três: porque a Internet tornou o acesso às músicas da banda muito mais fácil.
Só essa análise que se pode tirar desta história acima? É tudo tão simples assim? Não, meu caro amigo, e é por isso que a sensação de ver pessoas cantando as músicas de uma banda que seu amigo do lado nunca ouviu falar mexeu com meus pensamentos. A popularização da música via MP3 – que resultou no assombro do público cantando todas as músicas do Hot Hot Heat, assim, aliás, como já havia acontecido com o Art Brut no Motomix 2006 – está causando mais mudanças nos hábitos dos consumidores do que todos nós supomos imaginar. A primeira grande mudança é a relação que nós, consumidores, temos com a música a partir desta nova era.
Quem se relacionava com o vinil, uma bolachona preta com uma capa de papelão, tomou um choque com a digitalização do CD, um disquinho de acrílico com uma folhinha de alumínio, e seu tamanho. A popularização do MP3 é outra coisa: agora, a música não tem mais rosto. A capa de um disco, que diminuiu nove vezes de tamanho na troca do vinil pelo CD, praticamente inexiste na era MP3. Música sem rosto. Agora, é possível guardar 10 discos diferentes em um único CD de 700 MB. Isso porque ainda não está sendo comercializado o DVD de 800 Gigas que a Iomega anunciou a patente em março. Imagina, 800 gigas! Eu conseguiria guardar em cinco discos de DVD os 5 mil CDs que ocupam toda a minha sala.
Isso tudo quer dizer que CD tal qual o conhecemos ainda não morreu, mas vai morrer, e logo. O CD vai morrer, mas não a música. E é preciso estar atento (e forte) para perceber que o CD é apenas um suporte de transporte do arquivo música, como eram o vinil e a fita K7. O CD é mais simples, mais prático, mas também mais caro, muito mais caro do que deveria custar. A popularização do MP3 é algo que veio para ficar. Logo, aparelhos vão sair de fábrica prontos para executar o arquivo (seja ele com extensão MP3 ou então WMA e outras variáveis). Até hoje não me preocupei em adquirir um iPod porque meu discman toca MP3. Dois CDs de 700 MB na mochila e estou carregando pra cima e pra baixo no mínimo 20 discos (e umas 230 músicas). Em casa, ouço hoje em dia muito mais MP3 do que discos de vinil ou mesmo CDs. Coloco o CD de MP3 no aparelho de DVD (um Pionner que reproduz MP3, WMA e outros) e, como ele está conectado no sistema de som da sala, sinto que estou ouvindo música como sempre ouvi. O suporte mudou, mas a música continua a mesma.
Gravadoras alertam o medo de perder o controle sobre a música (apesar de Gwen Stefani ter batido a marca de 1 milhão de downloads legais com a música "Hollaback Girl" – ou seja, ter vendido 1 milhão de vezes a mesma música) enquanto artistas reclamam que a música que eles fazem está sendo passada de mão em mão sem que as pessoas paguem por isso. No caso das gravadoras, é preciso agradecer por ela ter abastecido o mercado quando não havia mercado. É impossível imaginar a música brasileira sem todos os discos dos anos 60 e 70, por exemplo. Mas agora o tempo mudou, e as gravadoras continuam fazendo o papel de conectar o artista ao seu público. Elas só precisam se adaptar aos novos tempos.
Já sobre os artistas, vale lembrar que – no começo da história – eles ganhavam dinheiro fazendo shows de cidade em cidade. Não havia como registrar as canções para que as pessoas ouvissem (nem haviam aparelhos), então a lembrança que o público tinha de um show era única. O artista ir onde o povo está era uma regra de sobrevivência. Isso retorna agora, em um grau menor, já que um artista no ramo da música não produz apenas música (embora devesse, mas a discussão neste momento não é essa), mas também moda, além de poder unir sua obra a diversas outras situações. Mesmo assim, enquanto alguns poucos vivem sob a luz dos holofotes, outros milhares lançam bons discos, e devem permanecer num semi-anonimato, mas com um público fiel, como exemplificou o Hot Hot Heat, uma banda que de dez amigos seus que você perguntar, um deve conhecer bem, e que fez mais de duas mil pessoas entoarem suas canções como se fossem hinos. Sobretudo, um público jovem, que com certeza não tem a mesma paixão pelo objeto CD/vinil que a geração anterior tem. Pra quê ter cinco mil discos se você pode ter todos em MP3 espalhados em HDs, Ipods e CDRs? Comprar música pela Internet já virou uma realidade para muita gente, e logo irá pegar você também, caro leitor. O CD morreu, meu amigo. Viva a música.
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