Blog N' Roll: um brasileiro no Rock and Roll Fantasy Camp
Por Flavio Simões Silva Araujo
Fonte: Blog - Flavio Jagger
Postado em 26 de dezembro de 2011
A aparência do Amp Studios em Los Angeles é de um verdadeiro bunker de guerra, mas o som ensurdecedor vem das mais de vinte salas de ensaio que integram o espaco. Entro em uma delas. Logo que plugo meu baixo, Vinnie Appice chega ao studio e me pergunta: "Primeira vez no Rock Camp? Minha também. Você sabe tocar Mob Rules?" - já tomando seu lugar na bateria. Depois de alguns minutos Billy Sheehan aparece e comecamos uma jam de Smoke on Water. Esse é o clima desta mistura de workshop e campo de ferias para roqueiros de todas as idades e níveis musicais. Quem ja viu o episódio dos Simpsons em que Homer aprende como ser um rockstar com os Rolling Stones tem uma vaga ideia do que estou falando.
O evento vem se realizando há dezesseis anos. A cada edição os participantes formam suas bandas, ensaiam com a ajuda do seu "personal rockstar" e se apresentam numa grande festa para o público - formado por convidados, vips e groupies em geral. Entre os instrutores estavam, alem dos citados Apice e Sheehan - Kip Winger, Lita Ford, Rudy Sarzo, Howard Leese, Bruce Kulick , Teddy Andreadis e Phill Sousan. O nosso era Chris Slade, baterista do AC/DC durante os anos 90, uma das melhores fases da banda, quando gravaram Razor's Edge e Live at Donington. Além de ser um cara extremamente simpático, ele mantem o mesmo pique dos tempos de Thunderstruck e Moneytalks, seja espancando a bateria ou regendo a banda como um maestro insano. "FANTASTIC!" Ele exclama cada vez que a banda acerta uma música. Foi emocionante tocar The Ocean do Led Zeppelin com ele, fazendo a mesma introducao e tocando com a mesma pegada do seu amigo John Bonham. (nos anos 80 ele tambem tocou com Jimmy Page e Paul Rodgers no The Firm).
Os participantes formam um grupo bastante heterogêneo - desde empresários e médicos de meia idade - fanáticos por rock, mas com pouca intimidade com seus instrumentos, até músicos profissionais que nao ficam devendo em nada para seus instrutores em virtuosismo. (Eu, meu irmão Cris e nosso amigo Mark fomos os primeiros brasileiros a participar).
A expectativa era grande nesta edição. Além do convidado especial (ninguém menos que Paul Stanley), que tocaria uma música com cada banda, era a primeira vez que a festa era realizada na lengendaria Mansão Playboy, com a presenca de Hugh Heffner e suas coelhinhas.
Os três dias de ensaio sao em si, uma festa. O rock não para, das dez da manhã até altas horas da noite. Todos fazem as refeições juntos, rindo de histórias como as do produtor Mark Hudson, que tem no seu currículo Ringo Star e Ozzy Osbourne, além de ser autor de Living on the Edge do Aerosmith. Uma figura, com sua barba colorida e suas imitações de Ozzy e Steven Tyler. Tudo, é claro, com direito a open bar, porquê, como disse um dos nossos colegas – "Isso aqui é o Campo do Rock, não dos colecionadores de selo!"
Cada banda tem pouco mais de dez minutos para se apresentar, entao a ideia é criar um set enxuto, sem tempo para a platéia respirar. Sob a supervisão de Slade, resolvemos tocar a intro de We Will Rock You, seguida de Born to be Wild, Honky Tonk Woman (eu no vocal) e Here I Go Again do Whitesnake. Esse seria o set que tivemos que repetir infinitamente nos dois dias seguintes. Para quebrar a monotonia há convidados surpresa, como Nils Lofgen, guitarrista da E Street Band, que acompanha Bruce Springsteen há mais de trinta anos. Nils também tocou com Neil Young e é um virtuose em vários instrumentos. Ele chega no estudio, cumprimenta a todos, pluga sua fender telecaster e faz um solo espetacular em Honky Tonk Woman. Ele conta que Keith Richards é um dos seus ídolos e está para ele como Chuck Berry para o próprio Keith.
Durante o almoço Jerry Shirley, legendário baterista do Humble Pie, chega para falar do seu livro- "Best Seat in the House" (ótimo título para a biografia de um baterista) e contar casos dos tempos em que tocava com Steve Marriot e Peter Frampton. À tarde você podia escolher entre uma das várias Master Classes - como "Song Writing" com Mark Hudson ou "Blues Piano" com o ex–tecladista do Guns n Roses Teddy "Zig Zag" Andreadis. Optei por "Frases de Baixo "com Billy Sheehan e Phil Soussan - baixista de Ozzy na fase Ultimate Sin e autor de Shot in the Dark - uma das minhas músicas preferidas do "príncipe das trevas"
A noite a jam é livre. Assisto um pouco a Rudy Sarzo e Vinnie Apice mandando ver em Raibow in the Dark e Holy Diver, como na época em que formavam a sessão ritmica do Dio, logo depois me junto a turma de Bruce Kulick pra tocar uma sequência de clássicos do KISS.
No segundo dia, chega o aguardado momento do ensaio com Paul Stanley. O protocolo é quase de uma visita de chefe de estado. Os roadies entram, preparam seu amplificador e guitarra, logo depois chega a equipe de vídeo. Fomos informados que ele não iria cantar, pois está se recuperando de uma cirurgia na garganta e que teriamos pouco tempo para um breve bate-papo, ensaio e fotos. Mesmo sem maquiagem e com roupas (um pouco) mais discretas, Paul é uma presença marcante. Cumprimenta cada um e apresenta seu fiel escudeiro, o atual baterista do KISS - Eric Singer (quase não o reconheci de boné e bem mais baixinho do que parece nos videos). Paul o cobre de elogios diz que o trouxe para intimidar nosso baterista. Ele relembra com Chris Slade quando o KISS tocou em 1972 juntamente com sua antiga banda Manfred Mann’s Earth Band ("O KISS era a banda de abertura!" - conta Chris com um sorriso sarcástico. Obviamente, depois que Paul foi embora...).
Finalmente ele pergunta o que a gente iria tocar. Parecia que ele não estava muito afim de tocar KISS, logo sugeri Honky Tonk Woman (não pediria pra Paul tocar nada que nao fosse tão ou mais clássico do que KISS). "Acho que já ouvi essa" - ele responde, para a diversão geral. Confesso que é bem intimidante tocar e cantar com Paul te encarando a meio metro de distância, mas sobrevivi. Ele se perdeu na progressão de acordes e fez feio ao tentar tocar o riff final da música, mas ele é Paul Stanley... Deu alguns toques legais sobre presenca de palco, autografou meu vinil de Dinasty e se mandou com sua entourage. Durante o almoco Paul estava mais acessível, circulando e conversando com todos. Ele deu certeza que o KISS volta ao Brasil na tournê do novo disco, que já está gravado.
Daria pra escrever alguns capítulos de um romance rock and roll sobre o que é tocar numa festa na Mansão Playboy. Mas como este blog é sobre música, dá pra resumir da seguinte forma: me senti num clip do Motley Crue nos anos 80, com todos os clichês do Glam Rock que minha geração cresceu adorando. É surreal tocar vendo um bando de coelhinhas semi-nuas cantando o refrão de "Here I go Again", olhar pra trás e dar de cara com Paul Stanley no mesmo palco e um punhado de rockstars que você admira curtindo o som na plateia. Saio direto pro camarim depois dos dez minutos mais rápidos da minha vida e dou de cara com Billy Sheehan: "Good job!" - ele me fala, dando um tapinha em minhas costas. "É, vai ser difícil voltar à realidade...", penso.
O último dia tem aquele clima bitter-sweet de despedidas. Vamos todos ao show-room da Gibson para um brunch e show acústico (a partir do meio dia, claro. A ressaca não permitiria nada mais cedo.) A confraternização no palco é total - tem canja de um dos Beach Boys, Kip Winger e Howard Leese tocando Bad Company, Lita Ford cantando Kiss me Deadly, Mark Hudson e Teddy Andreadis tocando soul music... Beth, a coordenadora do Rock Camp se emociona quando dedicamos a balada do KISS a ela. Para o grand finale, Kip pergunta se a gente sabia tocar Don't Stop Believin’ do Journey. Meu irmão comeca a introdução no piano e todos se juntam ao coro. Me senti naquele momento de final de filme dos anos 80, quando tudo acaba bem e os créditos comecam a passar na tela.
Depois da troca de e-mails e facebooks voltamos ao hotel. Subo o elevador com a Lita Ford e comento que estou indo ao show do Richie Kotzen naquela noite. Na mesma hora ela pega o celular e fala: "Richie, é a Lita, estou com uns amigos brasileiros que querem ir ao seu show hoje à noite, você pode colocar o nome deles na lista de convidados?" Assim, acabamos indo ao show no Avalon como VIPS, hehe.
No final, não havia distância entre aqueles rockstars dos clips superproduzidos e nós, meros mortais. Ficam as lembranças, como tomar cerveja com Chris Slade, ouvindo historias do AC/DC, tentar tocar Live and Let Die com o Kip Winger sem saber qual de nós estava mais perdido, ficar na fila do buffet atras do Paul Stanley... Eramos só um bando de músicos roqueiros tocando e trocando histórias com nossos pares, uma experiência única!
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