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Metallica: filme reafirma banda na história

Por Nacho Belgrande
Fonte: Playa Del Nacho
Postado em 06 de outubro de 2013

Desde sexta-feira em circuito nacional de cinema, "Metallica Through The Never 3D" [abstenho-me de mencionar o idiótico e redundante título em português da película, que tem tanta finalidade pro público da banda como teria traduzir o nome dos álbuns da banda na capa de seus discos, tal como nos tempos da ditadura argentina] não é, como alguns poderiam esperar, um exercício de egos inflados e/ou um lançamento sem maiores riscos financeiros para que a banda lance mais uma compilação ao vivo.

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LONGE disso.

O filme, desde seu começo, sublinha o status permanente do Metallica, como tem sido justamente clamado pelo baterista e fundador da banda LARS ULRICH desde que ‘Metallica’ chegou às lojas em 1991 e que ele reiterou na semana passada: o Metallica é uma banda à parte de todas as outras, ela não vive em função de subgêneros, tampouco de modismos, nunca se submeteu ao modus operandi das gravadoras e sua trajetória já se mostra SIM, mais duradoura e vitoriosa do que a de qualquer outra banda da história.

Exagero?

Coloquemos em perspectiva a longevidade da banda. Não só a longevidade no sentido de relevância histórica e comercial, mas de vida útil também.

Tracemos um paralelo com outra banda dentre as ditas intocáveis: os ROLLING STONES.

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Os Stones começaram em 1962, e aos 31 anos de carreira, em 1993, preparavam-se para mais um álbum, ‘Voodoo Lounge’ e uma turnê cheia de estruturas faraônicas, cifras alinháveis com o PIB de alguns países latinos, tabloides, crossmedia com a vida pessoal dos músicos, e no palco, três remanescentes da formação original cercados por uma banda de apoio tocando o que o público pagante [‘oba-oba’ em grande parcela] quer ouvir: sucessos de décadas atrás.

O então novo álbum? Poucas faixas inclusas no repertório da altamente ensaiada turnê, e 90% da track list dele fadada ao esquecimento total e completo por parte de quase todo o público da banda [se você conhece algum fanático pelo grupo, peça a ele que escreva cinco letras de músicas lançadas pelos RS do meio dos anos 80 pra cá na sua frente]. Inovação ou novidades na sonoridade do grupo? Não é nem o que o público deles quer, tampouco o que alguém ‘largado’, usando o termo pra ser gentil, como Keith Richards, se propõe a fazer.

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O que resulta de um novo álbum dos Rolling Stones sempre? Uma turnê, um álbum ao vivo dessa turnê, um home vídeo, e relançamentos do catálogo antigo em novos formatos.

"Charlie Watts não toca ‘Battery’ toda noite" – Lars Ulrich, ao ser confrontado com o exemplo de ‘vigor’ dos Stones ainda hoje.

E daí temos o gigante do Thrash, com os mesmos 31 anos de idade.

O Metallica, ainda é, basicamente, o Metallica. ¾ da formação que gravou o primeiro álbum da banda ainda estão lá, e só não temos a line-up completa por infortúnios do destino. A banda, aos 31 anos de carreira, ainda ensaia exaustivamente e conhece todo seu catálogo a fundo, proporcionando aos fãs um show diferente do outro cada vez que sobe ao palco [eles não repetem o mesmo set list em uma turnê há anos] e num novo álbum é motivo de REAL ansiedade e curiosidade dos fãs. Ainda que haja uma celebração quase que romântica do período pré-1991 do grupo, ela é perfeitamente compreensível e bem-vinda pela banda, que lida com acusações descabidas de ‘vender-se’ ao mainstream há pelo menos duas décadas e meia, quando o clipe de ‘One’ chegou à MTV. Tarimbado pela fidelidade de seu séquito de admiradores e pelo cinismo dos onanistas púberes que permanecem tocando em garagens apertadas desde 1991 e não tem perspectiva sequer de participar de uma coletânea como "Metal Massacre"- que anunciou a chegada da banda californiana ao cenário musical – o Metallica mantém-se ativo, relevante, influente e o mais importante, ’sangue nos olhos’.

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A despeito da falácia demagoga dos que acusam James, Lars & Kirk de ganância desmedida, há de se respeitar a postura do grupo quando se sabe que:

- Ingresso comprado pra eles, é show caro e longo garantido.
- Cancelamento de show, com eles, só mediante internação hospitalar ou portaria do governo;
- Eles sabem das dificuldades e agruras que um fã tem para deslocar-se na ida e vinda de um evento como o deles, e SEMPRE sobem ao palco na hora, numa afirmação do reconhecimento ao esforço físico e monetário do público para estar ali;
- Eles nunca lançaram um ‘Greatest Hits’, visando arrancar um troco fácil dos fãs hardcore, ao contrário de agremiações como KISS e MÖTLEY CRÜE, cujo número de álbuns ao vivo e de ‘maiores sucessos’ rivaliza com a quantidade de álbuns de estúdio;
- Os lançamentos ao vivo do Metallica sempre são carregados de material de bastante valor agregado [vide o box ‘Live Shit: Binge & Purge’ de 1993] ou são confeccionados para datas especiais – como o Record Store Day;
- A banda é inteligente o suficiente para saber que as gravações de suas apresentações vendidas em seu próprio site serão disseminadas pelo globo em questão de horas, e não se incomoda com isso: é um modo de fidelizar seus admiradores, criar comoção na internet para que toquem em lugares nunca antes visitados – abrindo assim, mercados novos – e desonerando os fãs de pagar por bootlegs de má qualidade a piratas asiáticos, restando a eles somente aproveitar o show, sem se indispor com a segurança local.
- Os remasters da banda, tal como feito no mês passado, são lançados sem campanha nenhuma, ficando à vontade dos fãs procurar material que eles achem importante e validou – ou não – terem em sua discoteca. Vale lembrar que, desde o ano passado, o Metallica é dono de seu próprio nariz, não tem mais contrato com gravadora alguma e, portanto, TUDO sai do bolso deles, e qualquer medida que almejasse vil metal seria mais do que justificada.

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Essa mesma retórica que visa buscar manchas na discografia da banda perde cada vez mais o sentido, dado que o zeitgeist muito mais beneficia a banda do que a prejudica, e daqui a 100 anos, quando alguém se afinizar com a obra do grupo, não ficará preso à pequenez de bravatas do tipo ‘Ah, eles morreram pra mim depois que fizeram clipe’ ou ‘Eu não gosto mais deles porque agora tudo as mina da vila tem camiseta desses cara’. O conjunto do trabalho falará mais alto, e as diferenças que pipocam entre um álbum e outro do Metallica serão analisadas com curiosidade e isenção, não com necessidade de autoafirmação ou insatisfação com a própria realidade.

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E foi assim, na delicada – e para a maioria das bandas, esmagadora – situação de estar sem gravadora e com a capacidade de ousar sem medo, que o Metallica bancou a produção de US$ 80 milhões de "Metallica Through The Never", um trabalho que mesmo que não se pagasse de imediato, valeria como mais uma pedra colocada na estrutura que sustenta o grupo no topo –ou em outra dimensão – do entretenimento musical contemporâneo.

O filme, sendo você fã deles ou não, vale cada centavo. É uma produção em 3D, então nada mais razoável que você pondere antes de gastar o dobro de um ingresso comum e ainda ter que levar uma namorada, mas pense bem. Essa película vai entrar para a história, não só do Metal, mas também pra do cinema – por razões que discutiremos abaixo – e você vai poder ter em sua memória a lembrança de tê-la assistido quando foi lançada nos cinemas.

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"Metallica Through The Never" já sai com o jogo ganho num quesito em que tudo relacionado ao nome se destaca: a qualidade do som.

Se você não possui em sua casa uma aparelhagem MUITO BOA para desfrutar plenamente dos prazeres contidos em um Blu-ray [divisão à qual você, que comprou esses ‘home tchiatchi’ in a box, não pertence], permita-se sentar numa sala de cinema com acústica planejada e preste atenção à mixagem PRIMOROSA que a produção conseguiu. Tendo seguido o Metallica há quase um quarto de século, e ouvido registros da banda nos mais diversos formatos e aparelhos modulares, atrevo-me a dizer que não há uma gravação que remeta mais intensamente ao que Hetfield, Ulrich, Hammett & Trujillo são ao vivo. A banda sonora do filme é um assalto sensorial, e o entrosamento entre James e Kirk, adquirido ao longo de uma vida tocando juntos, salta aos ouvidos como só um roadie ou produtor pode ter experimentado antes.

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A produção de palco montada em Vancouver para três noites de filmagens deslumbra e entristece. Deslumbra pela riqueza de detalhes e alusões – conectando a temática da letra da música sendo executada à catarse e ao enredo do filme, e entristece por ser completamente INVIÁVEL de ser montada no Brasil, o que taca no ralo a possibilidade de vermos algo assim por aqui depois de alguns de nós termos ficado animados quando Lars declarou recentemente que a banda pensa em excursionar com esse palco dentro de alguns anos. Assistindo ao filme, você concordará: não existe local construído no país de Dilma, que comporte o que os canadenses [e um brasileiro que aparece sacudindo uma bandeira na plateia] assistiram ano passado.

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A sinopse já é bem conhecida: um roadie da banda é encarregado de levar gasolina pra um caminhão que traz algo simplesmente imprescindível para o quaternário e que está em pane seca num ponto indicado num mapa. Ao pegar seu furgão para executar a tarefa, o jovem é transportado para uma noite surreal e apavorante, cujos detalhes não me cabem revelar aqui.

Há sim, reminiscências do similar ‘The Song Remains The Same’ do LED ZEPPELIN [também gravado em três noites no ano de 1973 e lançados nos cinemas em 1976] além da tradução igualmente cretina do título – ‘Rock é Rock Mesmo’ no caso dos ingleses. Há um retrato de nossa época desenhado no filme que comprova que toda produção cultural de um povo reflete seu momento histórico e político, e que faz de ‘Metallica Through The Never’ uma pintura do que excita o público ocidental: violência, excesso, sangue e autoindulgência. Todo o lirismo e leveza que restava do movimento pacifista, místico e esotérico dos anos 70 e ainda aparecia em ‘The Song Remains The Same’ desapareceram em nossa civilização, e a confecção de ‘Through The Never’ se estabelece como um paralelo histórico interessante com o de 1973.

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O uso do 3D é bem-aproveitado como nunca antes por outro artista musical aqui também. Atente para os pratos de Lars nas sequências em close, assim como os trechos do show que abusam dos canhões de laser. Dá pra contar quantas marcas de acne Hetfield tem no rosto!

Da mesma maneira que os supracitados Rolling Stones e Led Zeppelin transcenderam seu gênero musical embrionário, o Metallica tem passe livre entre quem não é fã deles, quem não é fã de metal e até entre quem ODEIA metal, e com ‘Metallica Through The Never’, isso só vai se intensificar. De quantas outras bandas você pode dizer a mesma coisa?

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Importante: algumas – talvez todas – cópias exibidas nos cinemas da rede UCI estão com problemas nas legendas, omitindo todas as letras com acentuação. Serviço porco e falta de vergonha na cara com o público, ainda mais considerando que nem 5% do filme tem diálogos. Procure se informar antes de desembolsar seu suado ordenado.

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Sobre Nacho Belgrande

Nacho Belgrande foi desde 2004 um dos colaboradores mais lidos do Whiplash.Net. Faleceu no dia 2 de novembro de 2016, vítima de um infarte fulminante. Era extremamente reservado e poucos o conheciam pessoalmente. Estes poucos invariavelmente comentam o quanto era uma pessoa encantadora, ao contrário da persona irascível que encarnou na Internet para irritar tantos mas divertir tantos mais. Por este motivo muitos nunca acreditarão em sua morte. Ele ficaria feliz em saber que até sua morte foi motivo de discórdia e teorias conspiratórias. Mandou bem até o final, Nacho! Valeu! :-)
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