On The Beat: o triste ocaso de um lojista londrino e seu sonho
Por Nacho Belgrande
Fonte: Playa Del Nacho
Postado em 11 de novembro de 2013
Na semana passada, foi anunciado que TIM DERBYSHIRE havia posto sua loja de discos em Londres, a ON THE BEAT, à venda [com tudo dentro] no site eBay por 300 mil Libras [cerca de um milhão de Reais]. O site inglês THE VINYL FACTORY resolveu passar pelo estabelecimento, uma instituição não-oficial da região londrina do Soho, e que já sobreviveu a um incêndio, crises financeiras e a uma visita de PAUL MCCARTNEY – e enquanto isso, tornou-se a loja independente de discos mais antiga da capital do mundo ocidental.
"É uma paixão, não é um negócio ou uma carreira", explica Tim Derbyshire pacientemente ao telefone. É a primeira de duas ligações de jornalistas a interromper nossa curta entrevista com o proprietário da On The Beat, uma minúscula loja de discos abrigada entre Oxford Street e Tottenham Court Road. Tal como nós, eles querem entender um pouco mais sobre porque o dono da loja de 34 anos a colocou, incluindo seu estoque de mais de 50 mil discos de vinil, para ser negociada no eBay.
"Eu fundei a loja em 1979. Eu tinha dois sócios e tínhamos um box no mercado do Soho quando havia um mercado a céu aberto no fim da Gerard Street e o inverno estava chegando e não queríamos ficar no mercado no clima frio", lembra Tim. "Um sócio saiu depois do primeiro ano e daí o outro também. Eu não sabia se era meu cheiro ou algo do tipo – deve ter havido algo que eles não gostaram em mim." Ele ri, suavemente, dando a impressão de ser um homem cujas aspirações e arrependimentos nunca parecem estar distantes demais.
Assim como muitos lojistas que sofrem há muito dirão, Tim planejou administrar a loja por alguns anos, no máximo. "Você nunca planeja as coisas com tanta antecedência, senão eu teria me comprometido". Ao longo dos anos, ele deixou muito de si naquelas quatro paredes e o estoque que ele orgulhosamente construiu cobre uma vasta gama de gêneros musicais ["se eu só vendesse o tipo de música que eu gosto, já teria falido há muito tempo"] à exceção de música clássica e "o lance dance moderno". Exemplares antigos das publicações NME e Melody Maker cobrem as paredes em embalagens plásticas vagabundas que as envelhecem consideravelmente, cercando pilhas de toca-discos antigos e guarda-roupas inteiros de chapéus retro, vestidos e sapatos que estão pendurados desde o tempo em que estiveram na moda pela última vez.
Como loja, a On The Beat é melhor em criar uma atmosfera do que é em vender discos. "Eu nunca fiz isso por dinheiro, veja bem", explica Tim, cujo tom de voz baixo e evasivo revela muito pouco. Ele só se expressa quase sussurrando, que se torna mais pronunciado quando suas ideias se focam em temas mais pessoais. "Se eu tivesse tido filhos, eu teria ter que ter arrumado um emprego mais apropriado para sustentá-los, mas vendo que eu não tive nenhuma esposa ou filhos para sustentar, eu só tinha a mim mesmo… e eu tinha hábitos simples".
A postura de Tim em relação a lucro é revigorantemente desinteressada. Quando perguntado o que a loja tem significado para ele, ele responde: "Eu posso sentar aqui e tocar discos e fazer dinheiro para o jantar ou pra passagem de ônibus pra casa depois de um dia de trabalho duro". Enquanto é difícil imaginar que o próximo dono da On The Beat tenha uma postura tão passiva em relação ao sucesso nos negócios, ele está compreensivelmente desesperado para que a loja caia em boas mãos.
Com aproximadamente trinta lance pendentes no eBay para o item de 300 mil Libras no momento em que esta matéria foi confeccionada, Tim revela que o Google, que fica em um escritório luxuoso virando a esquina dele, sondou-o a respeito de comprar o estoque todo para um projeto na vizinhança londrina de Fitzrovia. "Eu não quero mesmo vender pra eles, porque o dinheiro não é tudo."
Há algo particularmente deprimente sobre a ideia do Google-opólio arrebatar uma das últimas lojas de discos tradicionais da cidade, especialmente ao levar em conta que Tim nunca teve um computador [a namorada dele administra sua página no eBay]. Tendo todos os 50 mil discos arquivados em sua memória, ele sugere charmosamente que "se alguém fabricasse computadores, faria sucesso".
Apesar de sua absoluta indiferença ao glamour do mainstream, a On The Beat acumulou sua justa cota de clientes célebres ao longo dos últimos 34 anos. Dos que Tim reconheceu [uma estimativa educada sugere que houve muitos mais], PAUL MCCARTNEY, DAVID BOWIE e JIMMY PAGE gastaram alguns trocados ali, enquanto o ator MARTIN SHEEN costumava parar a caminho da produtora cinematográfica na mesma rua. Localizada à mesma distância das ruas Camaby e Denmark no West End londrino, há um clima palpável de história nas bordas desgastadas das caixas de madeira que abrigam os discos, nas capas de ponta amassada e no ar mofado que empesteou quase toda a superfície do local.
Perguntado se ele havia passado por alguns baixos na loja, Tim é estranhamente incisivo: "Com certeza não houve baixos", ele assegura, antes de parar pra reavaliar. "Ah, apesar de que provavelmente houve um. A loja foi incendiada… eu perdi todo o estoque e não tinha seguro… de vez em quando você ainda pode sentir o cheiro do fogo". E isso não foi um acontecimento relevante? "Eu não me preocupo tanto assim com as coisas."
Ao mesmo tempo em que o interesse pela loja o surpreendeu, o que isso significa parece não ter sido absorvido por ele ainda. A decisão com certeza foi difícil de tomar, e a longa pausa antes de ele responder diz mais do que ele jamais diria, finalmente admitindo que "provavelmente sim, tem sido difícil". O que é bom é que ele tem curtido trabalhar mais do que nunca.
"É melhor que eu deixe que alguém assuma agora ao invés de deixar pra até quando eu não puder mais andar. É bom sair quando você se sente bem, ao contrário de quando você se sente mal."
Enquanto ele se recusa a ser movido por sentimentalismo – ele levaria alguma coisa da loja como recordação? "Só a papelada mesmo" – a psicosomatose da situação é palpável, e o que pode parecer renitente quando expresso no papel não é menos do que de se partir o coração ao vivo. Pouco antes de eu sair, Tim se inclina sobre o balcão de compactos de sete polegadas e suspira. "Trabalhar em uma loja… é isso que o meu orientador vocacional disse. ‘Você só serve para trabalhar em loja’. E ele estava certo."
A ON THE BEAT é uma loja de discos que o tempo esqueceu, um trabalho feito com amor para um lojista único. Cabe agora ao ganhador do leilão certificar-se de que ela continue assim.
A On The Beat está à venda no eBay até o dia 25 de Novembro.
Para ler mais sobre a On The Beat e o leilão em andamento, clique aqui.
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