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Sarcófago: "Queríamos ter o visual mais profano e ameaçador possível"

Por Mário Pescada
Postado em 18 de maio de 2021

No final de 2020, a Editora Metalosfera lançou no Brasil "Precious Metal: Uma Antologia do Hall da Fama da Revista Decibel vol. 1", livro que reúne entrevistas com os membros originais de 25 importantes bandas de metal detalhando tudo que cercou determinado álbum que, de tão importante para o metal, foi alçado ao Hall da Fama da Decibel Magazine, a revista dedicada ao metal mais lida no mundo.

Para orgulho do metal nacional, um dos grupos escolhidos para fazer parte do seletíssimo Hall da Fama da Revista Decibel foi o mineiro SARCÓFAGO, graças ao amaldiçoado "I.N.R.I" (1987), lançado pela Cogumelo Records, disco habitual em listas de música extrema e considerado referência mundial do black metal ainda hoje.

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O SARCÓFAGO conseguiu a proeza de colocar no seu debut, ódio, blasfêmia, sexualidade e grosserias, embalado por um som verdadeiramente extremo que mesclou thrash metal, death metal e punk. Para completar o caldo pútrido, um visual carregado de corpse paint, cintos de bala, braceletes com pregos enormes e cruzes invertidas, tudo registrado em históricas fotos tiradas no cemitério mais tradicional de Belo Horizonte, o Cemitério do Bonfim.

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"I.N.R.I" (1987) é um disco tão marcante para a música extrema, que tem entre seus admiradores gente como Fenriz (DARKTHRONE), Tomas Lindberg (AT THE GATES, LOCK UP, SKITSYSTEM), Phil Anselmo (PANTERA, DOWN, SUPERJOINT RITUAL), Nergal (BEHEMOTH), Satyr (SATYRICON), só para citar alguns.

Confira alguns trechos da entrevista publicada no livro feita com Gerald "Incubus" Minelli (baixo), Wagner "Antichrist" Lamounier (guitarra, voz), Zéder "Butcher" (guitarra) e Eduardo "D. D. Crazy" (bateria), onde falaram sobre o extremismo musical e visual do grupo, a bateria insana de D. D. Crazy (considerado por muitos como o criador do blast beat ou metranca) e das cartas trocadas com Euronymous (MAYHEM), Dead (MORBID) e outras bandas europeias!

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- Nos anos 80, várias bandas do underground estavam levando tanto o som como a parte visual para grandes extremos. O que vocês acham que fez o Sarcófago se destacar das outras bandas brasileiras e do resto do mundo nesse sentido?

Incubus: No Brasil, acho que somente o SARCÓFAGO fazia isso naquele momento. E o HOLOCAUSTO. No mais, eram todos cópias dos gringos.

Antichrist: Nós nos destacamos porque as outras bandas não tinham a revolta e a fúria que nós tínhamos. Nós nos destacamos simplesmente porque éramos verdadeiramente mais extremos do que qualquer outra banda no Brasil e no mundo na época! Nosso visual era o mais extremo, nossa música era a mais extrema, e nossas letras também. Enquanto outras bandas brincavam com a ideia de parecerem profanas, nós botamos essa noção realmente em prática. No Brasil, nós tínhamos (e ainda temos) todos os ingredientes para sermos totalmente revoltados: um governo de ladrões, um sistema religioso feito de aproveitadores e uma mídia que aliena a população. Foi muito natural para nós sermos a banda mais extrema, porque estávamos fodidos, vivendo num país de terceiro mundo de merda, com tudo que é de ruim.

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Butcher: Na verdade, não nos preocupávamos com as outras bandas. E, como descrito acima, fazíamos tudo de forma natural, ou seja, tanto o nosso som quanto o nosso visual representavam exatamente o que éramos na época. Na verdade, o que ainda somos, mesmo depois dos 40. [risos]

D.D. Crazy: Estávamos a fim de fazer algo diferente, tanto no som quanto no visual. Não nos importávamos com o que as pessoas diziam. Na verdade, a maioria gostava mesmo era da coisa mais leve, mas a gente estava a fim de botar pra foder.

- Para a época do lançamento, a capa de I.N.R.I. era bem polêmica e, até mesmo, assustadora para quem via de fora: pregos, cintos de bala, aquela cruz invertida enorme e o moicano do D.D. Crazy. Que mensagem vocês estavam tentando passar com a arte da capa do disco? Onde foram tiradas as fotos?

Incubus: Aquilo sempre foi o SARCÓFAGO, uns moleques totalmente heterogêneos, mas que condensavam tudo na obra da banda. Nós realmente não tínhamos medo de nada.

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Antichrist: Na verdade, assustar e chocar as pessoas sempre foi o objetivo do SARCÓFAGO. A nossa banda nunca foi uma banda de cagões querendo agradar todo mundo em troca de dinheiro, como a grande maioria das bandas daquele tempo e de hoje em dia. Do mesmo jeito que éramos extremos com nosso som e nossas letras, queríamos ter o visual mais profano e ameaçador possível, para que ficasse claro para aqueles que nos vissem que éramos uma banda diferente de toda a mesmice que imperava na época. Nós também tínhamos uma mensagem bem clara para todo mundo, e essa mensagem era: "foda-se o seu dinheiro e a sua sede por poder e controle de nossas mentes. Nenhum político, pastor, padre ou qualquer um dos seus seguidores deve jamais cruzar o nosso caminho". Era isso o que queríamos expressar com o nosso visual.

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Butcher: O nosso visual era aquele, tanto no palco quanto fora, ou seja, gostávamos daquilo. Quanto mais agressivo fosse o visual, melhor para nós! Realmente, nós nos sentíamos bem daquela forma, pois aquilo demonstrava perfeitamente o estilo de vida que levávamos. O problema era aguentar aquela sociedade podre e desinformada da época, pois éramos marginalizados a todo momento por onde passávamos! E aí não dava outra, ou seja, porradaria, dente quebrado e olho roxo toda hora! Os playboys se davam mal com a gente! As fotos foram tiradas no Cemitério do Bonfim.

D.D. Crazy: As fotos foram tiradas em um cemitério aqui de BH. Queríamos que a capa refletisse o conteúdo do disco. Assim, as pessoas saberiam pelo que estavam pagando.

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- De onde saiu a blast beat do D.D. Crazy? Houve alguma inspiração no punk e no hardcore ou ele estava só tentando levar a bateria ao ponto mais extremo possível?

D.D. Crazy: Essa batida saiu do coração. Na verdade, nós a chamamos de "metranca", que é uma gíria brasileira para "metralhadora", "machine gun". Essa batida surgiu durante a composição da música "Satanas", do I.N.R.I. Queríamos realmente fazer barulho, aí eu pensei em uma metralhadora e saiu. Até que ficou bom, não é mesmo?

Incubus: Pura intuição, o cara sempre estava à frente dos demais, é um caso raro de talento. Ele e seu irmão, aliás, são meus melhores amigos, são pessoas talentosas e muito generosas. Eu realmente sinto muita falta de não ter tido eles em todos os discos do SARCÓFAGO. Sem desmerecer os demais membros, mas eu nunca toquei com um baterista como o Dudu - ele é o cara, toca brincando, nós nos divertíamos muito. O Zéder era mais sério e metódico, mas fazia músicas muito diferentes, e foi muito legal, sem contar o apoio da família dele nos ensaios em sua casa e na minha também.

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Antichrist: Realmente, apesar de poucos saberem e darem o devido crédito, Eduardo D.D. Crazy inventou a batida que ele batizou de "batida-metralhadora", que anos e anos depois ficou conhecida mundialmente como "blast beat". Eu sou um cara muito afortunado em termos de música, pois tive a oportunidade de estar em uma banda com dois irmãos que, para mim, são gênios! Zéder Butcher e Eduardo D.D. Crazy são os dois irmãos mais brilhantes, criativos e loucos que eu já conheci na vida. A presença dos dois em uma mesma banda realmente só poderia resultar em algo extremo e selvagem como o SARCÓFAGO. Foi uma grande honra, pois, além de serem gênios, eles são extremamente engraçados e amigos. O Eduardo D.D. Crazy é, com certeza, o maior amigo que fiz nessa época. Bom, com relação à invenção dessa batida, tudo o que eu posso dizer é que ela me fez entrar para o SARCÓFAGO. Eu havia acabado de sair de outra banda, e eles sabiam que eu era um cara radical e que queria estar em uma banda de metal realmente ultraextrema e malévola. Então eles me apresentaram uma música que haviam acabado de compor e que não tinha letra ainda (a música depois ficou conhecida como "Satanas"). Aquilo era inacreditável. Eu nunca tinha ouvido nada tão rápido e, ao mesmo tempo, tão aterrorizador e estranho. Após tocarem a música para mim num ensaio, eles me perguntaram se eu estava a fim de entrar para a banda, pois precisavam de um vocalista. Cara, eu realmente tinha encontrado o que sempre tinha procurado em uma banda: pessoas honestas, que estavam pouco se fodendo para dinheiro e para fazer um som comercial, e que tinham acabado de inventar o som mais rápido e extremo do mundo. Quando perguntei ao D.D. Crazy de onde ele tinha tirado aquela batida, ele me disse que não estava muito satisfeito com a velocidade que bandas como SLAYER e SODOM (dos bons tempos) estavam tocando e resolveu acelerar aquela porra ao máximo que um ser humano conseguia tocar. Daí nasceu a "bateria-metralhadora".

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Butcher: Sei lá, cara. Sei que o Dudu apareceu com essa porrada do nada... e nós gostamos! Queríamos ser muito rápidos no som, aí vingou.

- Na época de I.N.R.I., o SARCÓFAGO não era muito conhecido fora do circuito de troca de fitas cassete que existia no mundo. Porém, em algum momento, I.N.R.I. se tornou uma grande influência no que eventualmente seriam as cenas de black metal da Finlândia e da Noruega. Foi aí que vocês perceberam que I.N.R.I. tinha um lugar especial na história do metal ou essa noção só veio depois?

Incubus: Sim, foi o começo, e é sempre assim com qualquer banda.

Antichrist: Não ficou muito claro no início. Essa noção só foi se consolidar mais tarde, principalmente quando veio a internet e as notícias começaram a se espalhar mais rapidamente. O que eu notei na época foi que a quantidade de cartas (eu era o encarregado pelas nossas correspondências) de amigos da Noruega, Suécia e Finlândia perguntando do nosso LP, de demos e de camisetas vinha crescendo diariamente. Nem todas as cartas eram da Escandinávia - nós também recebíamos várias do resto da Europa. E dos Estados Unidos e da Ásia também, mas vinham muitas da Escandinávia mesmo. Caras como o Euronymous, do MAYHEM, o Dead, quando ainda estava no MORBID, e o pessoal do Nihilist (ENTOMBED), do DISMEMBER e do BEHERIT eram todos grandes correspondentes, e eu mandava muita coisa nossa para eles, assim como para vários outros moleques da Escandinávia que, na época, ainda não tinham formado as suas bandas. A maioria deles dizia que amava o que estávamos fazendo aqui no Brasil e que nós éramos a maior influência para eles, porque tínhamos levado a um novo nível de velocidade, blasfêmia e maldade com nosso som, nossa imagem e nossas letras o que o VENOM tinha feito anos antes.

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Butcher: Não cheguei a fazer essa análise. Sei que o I.N.R.I. é o I.N.R.I., e se isso que você está dizendo aconteceu, está bom demais!

D.D. Crazy: Para mim, o SARCÓFAGO sempre foi uma banda underground. Nunca corremos atrás da fama. Por falar em Finlândia, um grande abraço aos companheiros do TERVEET KÄDET (vocês também estão no meu "top ten").

Todas as entrevistas do livro são versões estendidas da época da sua publicação original, turbinadas com trechos inéditos que, ao final, se tornaram um calhamaço de 444 páginas (!) com cada disco ocupando um capítulo do livro. Um livro imperdível!

Esse material primoroso pode ser adquirido no site da Editora Metalosfera, no site da Amazon Brasil ou através do e-mail [email protected].

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Abaixo, a lista das bandas e discos analisados em cada capítulo:

Cap. 01 - Black Sabbath - "Heaven And Hell" (1980)

Cap. 02 - Diamond Head - "Lightning To The Nations" (1980)

Cap. 03 - Celtic Frost - "Morbid Tales" (1984)

Cap. 04 - Slayer - "Reign In Blood" (1986)

Cap. 05 - Napalm Death - "Scum" (1987)

Cap. 06 - Sarcófago - "I.N.R.I." (1987)

Cap. 07 - Repulsion - "Horrified" (1989)

Cap. 08 - Morbid Angel - "Altars Of Madness" (1989)

Cap. 09 - Obituary - "Cause Of Death" (1990)

Cap. 10 - Entombed - "Left Hand Path" (1990)

Cap. 11 - Paradise Lost - "Gothic" (1991)

Cap. 12 - Carcass - "Necroticism - Descanting The Insalubrious" (1991)

Cap. 13 - Cannibal Corpse - "Tomb Of The Mutilated" (1992)

Cap. 14 - Eyehategod - "Take As Needed For Pain" (1993)

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Cap. 15 - Darkthrone - "Transilvanian Hunger" (1994)

Cap. 16 - Kyuss - "Welcome To Sky Valley" (1994)

Cap. 17 - Meshuggah - "Destroy, Erase, Improve" (1995)

Cap. 18 - Monster Magnet - "Dopes To Infinity" (1995)

Cap. 19 - At The Gates - "Slaughter Of The Soul" (1995)

Cap. 20 - Opeth - "Orchid" (1995)

Cap. 21 - Down - "NOLA" (1995)

Cap. 22 - Emperor - "In The Nightside Eclipse" (1995)

Cap. 23 - Sleep - "Jerusalem" (1999)

Cap. 24 - The Dillinger Escape Plan - "Calculating Infinity" (1999)

Cap. 25 - Converge - "Jane Doe" (2001)

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FONTE: Editora Metalosfera
https://metalosfera.com.br/

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Sobre Mário Pescada

Mineiro, leitor compulsivo, ouvinte de todas as vertentes do rock - do blues ao grindcore. Valoriza mais a honestidade e entrega em cima do palco do que a técnica. Guarda os flyers dos shows que vai como se fossem relíquias.
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